por Flávio Carrança
A singular trajetória do jornalista e escritor Oswaldo de Camargo teve um desenvolvimento muito influenciado por sua longa permanência – 37 anos – no grupo Estado, em grande parte no extinto Jornal da Tarde. O vínculo com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) também vem de longe. Sua ficha de cadastro na entidade revela um relacionamento iniciado em 1972, que se estende até o início da década de 1990. Por causa da proximidade entre a Rua Major Quedinho, onde ficava o Estadão, e a sede do sindicato, na Rua Rego Freitas, estava frequentemente por lá. “Memorável para mim – conta – foi a eleição do Audálio Dantas como presidente, festejada com um churrasco para muita gente em um sítio ali na região de Itu, se não me falha a memória. Estive lá com alguns de meus filhos pequenos. Um dos bons momentos em minha vida.”
No início do novo milênio, época em que trabalhava na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp), participou
da criação da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-SP), organismo destinado a dotar nosso Sindicato de uma política de combate ao racismo, de cujo manifesto é um dos signatários. Participou ativamente, nesse período, da reedição da coletânea de fac-símiles Imprensa negra, organizada por Clóvis Moura e Miriam Nicolau Ferrara, publicada pela Imesp em parceria com o Sindicato.
Nascido em 1936, na cidade de Bragança Paulista, em família de pobres lavradores, Oswaldo de Camargo ficou órfão ainda criança e foi criado em instituições católicas para menores, onde desenvolveu o gosto pela leitura, a escrita e o fervor religioso, que resultou no desejo de se tornar padre. Frustrada esta aspiração pela barreira do racismo existente nos seminários, abriu-se o caminho para o surgimento do jornalista e escritor de reconhecido talento.
Em 1954, aos 18 anos, foi de São José do Rio Preto para a capital do Estado procurar trabalho. Depois de várias andanças, conseguiu contato com diretores de O Estado de S. Paulo, à época o principal jornal do país, onde começou a trabalhar como revisor em 1955. Reconhece que a prática e a vivência do jornalismo moldaram em grande parte o homem que se tornou, acrescentando que muito do que leu e muitos livros que comprou deve ao
fato de ter sido revisor.
Menciona o Suplemento Literário do Estadão que, nos últimos anos da década de 1950 e primeiros dos anos 1960, era dirigido por Décio de Almeida Prado, e cujo conteúdo afirma tê-lo alimentado literariamente. Aos 23 anos, em 1959, publicou seu primeiro livro de poemas, intitulado Um homem tenta ser anjo, bem acolhido pela crítica. Em 1961, lança 15 poemas negros, com prefácio de Florestan Fernandes. É nessa época que tem seu primeiro contato com uma entidade negra em São Paulo, quando se torna organista da Igreja do Rosário dos Homens Pretos, passando a seguir a frequentar a Associação Cultural do Negro (ACN), entidade então sediada no edifício Martinelli, próximo ao Viaduto do Chá, onde conhece militantes negros como o poeta Solano Trindade e o jornalista José Correia Leite, figura central na história da imprensa negra paulista.
Inicia, também, sua colaboração com a imprensa negra, participando de um dos jornais que assinalam o ressurgimento desses veículos após a redemocratização de 1945, O Novo Horizonte (1954-1961), do qual se torna redator-chefe. Colabora também com O Mutirão, fundado em 1959; com Niger, revista que surge entre 1959 e
1960; e com Ébano, de 1961.
Ainda com 23 anos, torna-se diretor de cultura da ACN, organizando saraus literários, criando um coral que se apresentava também em cidades do interior paulista. Vale lembrar que sua formação como organista aconteceu durante a adolescência, tendo acompanhado missas na catedral de São José do Rio Preto, onde morava, atividade que pratica até hoje na igreja de seu bairro.
A partir de 1975, Oswaldo sai da revisão e passa a editar a seção São Paulo Pergunta, do Jornal da Tarde (JT). Ao mesmo tempo, tem ainda como encargo fazer a revisão e preparação dos textos dos jornalistas e escritores que publicavam na página 4, o espaço do patrão, Ruy Mesquita, dentro do jornal: “Isso me pôs em um corpo a corpo maior com o texto. Podia conversar com os autores, colocando os problemas que detectava”.
Começa, nesse período, a escrever resenhas para o JT, nas quais sua face de ensaísta se mostra mais nitidamente.
Privilegia a presença negra no jornal conservador ao falar de personagens como Dom Silvério Gomes Pimenta, primeiro bispo de Mariana, Cruz e Sousa, Lino Guedes, José Correia Leite, tratando de eventos que envolvessem o negro com a literatura.
Ainda na década de 1970, desenvolve grande atividade literária e jornalística. Além das resenhas e artigos de crítica literária que escreve para o JT, colabora com o jornal da imprensa negra O quadro, fundado em 1974, e participa da Antologia dos poetas da cacimba (1976) e da primeira edição dos Cadernos Negros (1978). Em 1979, lança a novela A descoberta do frio, reeditada em 2011 pela Ateliê Editorial.
Mais tarde, em 1985, antes de se aposentar do Jornal da Tarde, viveu a experiência do jornal Abertura, frustrada tentativa de um jornal negro de vanguarda.
Aos 85 anos de idade, Oswaldo de Camargo permanece lúcido e ativo, administrando a republicação de sua obra, bastante revalorizada nesta época em que a literatura negra abandona a posição marginal a que se viu relegada durante muitos anos. “Boa notícia agora – anuncia – é o lançamento, previsto para outubro, de uma edição fac-similar da revista Niger, pela Ciclo Contínuo Editorial, mesma editora de meu último livro, a noveleta Negro disfarce. Vale aguardar.” Oswaldo considera também importante conquista o fato de a editora Companhia das Letras, como muitas outras, ter passado a manifestar interesse pela literatura escrita por negros, o que vai possibilitar a republicação de alguns de seus mais importantes títulos. “A Companhia programou editar os contos de O carro do êxito, em agosto deste ano; A descoberta do frio, previsto para sair no segundo semestre de 2021; e 15 poemas negros, programado para o mês de fevereiro de 2022.