por Priscilla Chandretti
Como forma de defesa da categoria dos jornalistas profissionais e da liberdade de expressão e direito à informação contra quem, hoje, representa a maior ameaça no país – o presidente Jair Bolsonaro –, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP) move uma ação por danos morais coletivos.
O processo foi ajuizado no dia 7 de abril e pedia, entre outras medidas, uma decisão liminar para que Bolsonaro se abstenha de realizar novas manifestações com “ofensa, deslegitimação ou desqualificação à profissão de jornalista ou à pessoa física dos profissionais de imprensa”.
A juíza Tamara Hochgreb Matos, da 24ª Vara Cível de São Paulo, reconheceu que “o direito à liberdade de expressão vem sendo utilizado de forma inadequada pelo réu, e até mesmo incompatível com a dignidade da função que ocupa”. Mas indeferiu o pedido de liminar, avaliando que seria censura.
Não é o que pensa o Ministério Público. Em manifestação favorável ao pleito, o 2º promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital, Eduardo Ferreira Valerio, escreve que “só haveria censura se a proibição fosse previamente dirigida a uma dada e específica manifestação, escrita ou oral. O que se pretende aqui é tão somente impor a uma pessoa física, cujos pronunciamentos públicos – por postagens em redes sociais ou entrevistas – alcançam grande contingente de pessoas e cujos efeitos são altamente deletérios à ordem democrática, uma proibição destinada a impedir o prosseguimento dos ataques. A despeito da elevada função pública por ele exercida, apenas os comandos constitucional e legal não têm sido suficientes para inibi-lo”.
O promotor avalia ainda que “cada manifestação que se pretende inibir com esta medida cautelar é um passo que se evita na direção de um estado de exceção e, portanto, um iminente – e talvez irreversível – dano cujo perigo de efetivação se perpetua numa pletora de ofensas vulgares perpetradas com habitualidade pelo réu”.
A ação segue em curso. O pedido é para que a Justiça determine que Bolsonaro se abstenha de realizar novos ataques (agora,
sem o caráter liminar) e pague uma indenização de R$ 100 mil por danos morais coletivos, em favor do Instituto Vladimir Herzog. Bolsonaro está chamado a apresentar sua defesa.
O que argumenta o Sindicato
Segundo o relatório Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, elaborado anualmente pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), somente no ano de 2020, o presidente Jair Bolsonaro proferiu 175 ataques à imprensa, sendo 26 ocorrências de agressões diretas a jornalistas, 149 tentativas de descredibilização da imprensa e duas ocorrências direcionadas à própria Fenaj.
“A postura hostil e ofensiva do presidente Bolsonaro em relação aos profissionais da imprensa, além de notória, caracteriza-se
numa prática de assédio moral sistemática”, avalia o coordenador jurídico do SJSP, o advogado Raphael Maia, responsável pela ação.
Entre os diversos exemplos, estão a ameaça explícita a um jornalista (“Minha vontade é encher tua boca com uma porrada, tá!”), uma agressão vil e homofóbica (“Vai pra puta que o pariu! Imprensa de merda essa daí. É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa essa lata de leite condensado toda, aí”), e os casos de quatro jornalistas de São Paulo – Patrícia Campos Mello, Bianca Santana, Thaís Oyama e Vera Magalhães – que, além de tudo, ressaltam o caráter misógino e xenófobo presente nas ofensas.
Além disso, o clima de ódio criado por Bolsonaro incentiva ataques físicos por parte de apoiadores, como a agressão ocorrida contra Renato Peters, repórter da TV Globo, na qual uma mulher tomou o microfone da mão do jornalista e afirmou: “A Globo é um lixo, o Bolsonaro tem razão”.
O caso mais grave citado no processo é do atentado cometido contra José Antônio Arantes em Olímpia (veja no box ao lado). O próprio jornalista pergunta: “Uma cidade de 55 mil habitantes, uma rádio comunitária, um jornal semanal. Se não houvesse essa situação de intolerância que existe no país desde a eleição do Bolsonaro, teria acontecido tudo isso?”
Paulo Zocchi, presidente do SJSP, explica por que a entidade decidiu entrar com uma ação judicial. “É necessário dar um basta a esse governo e suas práticas, por todos os meios, com todas as armas que tivermos. Essa ação se soma ao combate nesse sentido, como por exemplo fez a Fenaj quando apresentou pedido de impeachment, parado numa gaveta na Câmara Federal, apesar de a gente ver todos os dias novos motivos que justificam a exigência de fora Bolsonaro.”