Entramos em maio sem perspectiva concreta de fechar o acordo salarial dos jornalistas no segmento de rádio e TV. A data-base é 1º de dezembro, e a inflação bateu em 5,2%. Há mais de 20 anos, o modelo de negociação estruturado nesse segmento é o de reajustar os salários no máximo pela inflação, compartilhando eventual ganho econômico apenas por meio da fixação de PLR (participação nos resultados) na Convenção Coletiva, que varia de 45% do salário (nas grandes emissoras) a 30%.
Pois as empresas entraram na atual negociação dispostas a achatar os ganhos da categoria, propondo 0% de reajuste e retirada da PLR da Convenção Coletiva! Em janeiro, acenaram com 2% de reajuste, e, em março, 2,25% a partir de março e 2% em outubro próximo (totalizando 4,3%). PLR, zero.
Passar a boiada
Na mesa de negociação, argumentos não faltam para os jornalistas defenderem a correção inflacionária de seus ganhos. O principal é que, sob a pandemia, o jornalismo reforçou sua relevância social, virando o jogo contra as chamadas fake news. Com a chegada de uma doença desconhecida e altamente contagiosa, as pessoas passaram a buscar informação confiável. Emissoras de rádio e TV e portais de internet registraram aumento progressivo de audiência. O material jornalístico ampliou a presença nas grades de programação, sendo o motor das empresas neste período.
Como resultado, na área de comunicação, o segmento de rádio e TV é o que melhor passou pelo último ano. A Globo tem seu resultado aberto, e podemos ver que teve um lucro superior a R$ 170 milhões no ano passado. Houve uma redução em relação a 2019, é certo, mas a emissora continua firme no azul. Suas concorrentes mantêm as contas fechadas, mas gastaram milhões em contratações ou investiram em novas atrações. Demonstram plenas condições de corrigir os vencimentos de seus funcionários.
O fato é que, sob a pandemia, o próprio governo de Jair Bolsonaro, inimigo declarado da imprensa, classificou, legalmente, a atividade jornalística como “essencial”. Os primeiros a saber disso são os próprios jornalistas, conscientes da importância de sua atividade, que mantiveram sem interrupção. Nossa categoria esteve sempre exposta ao vírus, indo às redações, fazendo reportagens.
O mero reconhecimento da importância e do esforço de nossa categoria profissional já deveria ser suficiente para que, sem mais demora, nossos rendimentos fossem corrigidos. Mas tal qual obscuro ministro, as empresas querem aproveitar o momento para “passar a boiada”.
Ameaça de redução salarial
Em meio a grave crise institucional, o governo federal conseguiu, no final de abril, aprovar no Congresso seu orçamento 2021 – não sem destinar quase R$ 40 bilhões para emendas parlamentares. Com esse ponto resolvido, Bolsonaro parte para a edição da MP 1.045, entregando na mão das empresas a possibilidade de rebaixar salários.
A medida provisória retoma a MP 936, de 2020, e significa um ataque brutal aos sindicatos, pois atropela a Constituição ao estabelecer a possibilidade de redução de salário por “acordo individual” – aquele no qual o funcionário recebe um documento impresso e o patrão apenas “solicita” sua assinatura. É preciso entender esse ponto: a base da existência de sindicatos é a negociação coletiva, feita a partir do interesse comum de toda a categoria. Erodi-la, como fez também a reforma trabalhista de 2017, é minar a própria essência da representação sindical.
A MP 1.045 entrega às empresas a possibilidade de reduzir seus gastos com folha cortando salários e podendo ter parte deles pagos por recursos públicos. Para ajudar as empresas, o ministro Paulo Guedes, sempre tão cioso em cortar gastos sociais, destinou R$ 10 bilhões.
O presente é tão explícito que as empresas sequer precisam justificar a necessidade de lançar mão dele. Basta querer! Pois em meio à pandemia e ao esforço heroico de jornalistas, emissoras de rádio e TV, editoras e jornais usam esse armamento do arsenal bolsonarista para atingir os jornalistas. O Sindicato se dirige novamente à categoria para organizar a resistência coletiva.
NOSSA CATEGORIA ESTÁ EXPOSTA AO VÍRUS, INDO ÀS REDAÇÕES, FAZENDO REPORTAGENS. O MERO RECONHECIMENTO DESSE ESFORÇO DEVERIA SER SUFICIENTE PARA QUE AS EMPRESAS CORRIGISSEM NOSSOS SALÁRIOS
Alma sindical
Sabemos todos que o jornalismo é uma atividade que exige recursos materiais importantes para ser feito com profundidade e relevância. Mas o jornalismo é, sobretudo, o ser humano que o faz.
Quem efetivamente defende o jornalismo são os próprios jornalistas, organizados em suas entidades representativas. Em primeiro lugar, por meio da luta por melhores condições de vida e trabalho para os jornalistas, por bons salários, respeito à jornada e aos direitos trabalhistas. São as condições básicas para o bom exercício profissional.
Lutamos por uma cláusula de consciência nas convenções, que garanta aos jornalistas a autonomia necessária ao exercício profissional. Enfrentamos as empresas na defesa da liberdade de expressão de cada um e cada uma fora do horário de trabalho.
A defesa do jornalismo se expressa ainda na luta pelo respeito ao sigilo de fonte, inscrito na Constituição e atropelado pelo Judiciário e pela polícia em incursões autoritárias; e também na ação política das representações sindicais quando denunciam de forma permanente o governo Bolsonaro, que agride verbalmente jornalistas a toda hora, e, coerentemente, ajuda as empresas a reduzirem os seus salários.
As entidades sindicais são as casas de promoção da ética jornalística, base da identidade profissional. E se batem, dia e noite, pela ampla difusão de tudo o que diz respeito ao interesse público, contra a censura e os limites à liberdade de expressão.
Nesta pandemia devastadora, somos testemunhas e vítimas. O Brasil é o país do mundo com maior número de jornalistas mortos por covid-19, tema de nossa matéria de capa. As entidades sindicais, Fenaj e sindicatos, batem-se desde o início disso tudo por medidas de proteção à categoria, e, assim, lutam pelo prosseguimento da atividade jornalística, essencial aos brasileiros.
Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo