Desmonte do setor público fechou 13 estatais e institutos de pesquisa

Em apenas dois anos (2019-2020), a gestão João Doria extinguiu ou fundiu 13 grandes organizações públicas estaduais

Na Assembleia Legislativa do Estado, em junho de 2021, nova manifestação dos demitidos da Imprensa Oficial / Foto: Eduardo Viné – SJSP

Desde o início, a gestão João Doria extinguiu ou fundiu nada menos do que 13 organizações públicas estaduais, entre empresas estatais, autarquias, institutos e departamentos. A extinção pura e simples de órgãos públicos — abrindo variados caminhos aos interesses do capital privado — é uma das principais vertentes do processo de desmonte do aparato estatal da mais rica e populosa unidade da federação.

A privatização direta do patrimônio público, forte marca dos governos tucanos precedentes, especialmente nos setores elétrico e financeiro, até agora foi deixada de lado. Mas está em curso uma verdadeira maratona de concessões à iniciativa privada, principalmente de parques públicos, por meio da celebração de contratos com prazo de trinta anos, que caracterizam uma modalidade de privatização “temporária”, porém “de longa duração”.

Numa espécie de prestação de contas ao grande empresariado, setor social que representa, o primeiro projeto de lei (PL) enviado à Assembleia Legislativa (Alesp) pelo governador já colocava em xeque seis estatais (veja aqui).

Uma delas era a Desenvolvimento Rodoviário S.A (Dersa). Notória fonte de escândalos de corrupção envolvendo quadros do PSDB e alvo de provável CPI, convinha ao governo Doria acabar rapidamente com ela. Mas a Dersa foi retirada do PL 01/2019 e voltou à casa somente em maio, por meio do PL 727/2019, que autorizava sua “dissolução, liquidação e extinção” e foi aprovado pela Alesp em setembro de 2019, por 64 votos a 15, com duas abstenções.

O incrível PL 529

O desmonte explícito seria retomado um ano depois, por meio do PL 529/2020, que propôs a extinção de nada menos do que dez importantes órgãos públicos estaduais! O projeto foi elaborado por dois dos dos mais destacados auxiliares de Doria: os secretários Henrique Meirelles (Fazenda e Planejamento) e Mauro Ricardo Costa (Projetos, Orçamento e Gestão). A justificativa apresentada por eles à Alesp para tal devastação foi totalmente risível, sem incluir estudos e dados concretos capazes de fundamentar a alegada necessidade de privatização. Porém, deixaram claro do que se tratava.

“O Governo do Estado de São Paulo estabeleceu como um de seus objetivos estratégicos implantar uma ‘Gestão Pública Moderna e Eficiente’. Para tanto, definiu um conjunto de metas das quais se destaca a de ‘Extinguir 1.000 unidades administrativas tornando o Estado mais funcional e eficiente’”, afirmaram ambos na apresentação do projeto.

Tratava-se de extinguir a ferro e fogo, razão pela qual Meirelles e Mauro Costa não se deram ao trabalho de oferecer alguma explicação convincente. O PL 529/2020 sequer trazia exposição de motivos. A meta de “extinguir mil unidades administrativas” é claramente inatingível, mas se presta ao marketing eleitoral de Doria perante os “grandes eleitores” que lhe importam: a nata do empresariado brasileiro.

O PL 529/2020 era um “pacote” de ajustes de todo tipo. Um “tsunami de maldades”, como sintetizou o deputado Carlos Giannazi (PSOL). Aumentava, por exemplo, as alíquotas de contribuição ao Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, o Iamspe; securitizava a Dívida Pública; confiscava fundos de reserva do Tribunal de Justiça (TJ-SP) e do Tribunal de Contas do Estado, etc. Apesar de duríssima resistência do funcionalismo público e de expressiva parcela da própria Alesp, ele foi aprovado (embora com importantes alterações), tornando-se a lei 17.293/2020.

Assim, na fatídica madrugada de 14 de outubro de 2020, o governo do PSDB foi autorizado, por pequena margem de votos na Alesp (48 x 37), a extinguir seis destacados órgãos públicos: Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), Fundação Parque Zoológico, Departamento Aeroviário (Daesp) e Instituto Florestal (IF).

Embora isso não ficasse devidamente explicitado, o texto do projeto previa ainda o desaparecimento do Instituto Geológico e do Instituto de Botânica, condenados a uma “fusão” com o IF que na realidade representa a extinção das três instituições estaduais de pesquisa. Em junho de 2021, por meio do decreto 65.796, Doria os substituiu por uma nova entidade, o Instituto de Pesquisas Ambientais, subordinado à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, o que logo se mostrou instrumento de um processo de desmonte da área ambiental. Certas atribuições do IF foram transferidas à Fundação Florestal, que no entanto não tem competência técnica para gerir parques e reservas.

Qualquer extinção de órgão público é preocupante num país como o Brasil, marcado por profundas desigualdades sociais. Mas, para ficar em dois exemplos chocantes, chama atenção o fechamento da Sucen e da CDHU. A primeira exercia um importante papel de coordenação da assistência às prefeituras do interior no tocante ao combate às endemias, e foi eliminada em plena epidemia de covid-19. A segunda desaparece num momento de déficit agudo de moradias populares e quando os grandes centros urbanos de São Paulo veem aumentar o número de moradores de rua e sem-teto, em razão dos altos índices de desemprego.

A lei resultante autoriza também a venda de imóveis do Estado, bem como a concessão de parques estaduais de grande importância para a política ambiental, a pesquisa científica e o lazer das populações urbanas, entre os quais o complexo da Água Branca, na capital paulista, e o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), no Vale do Ribeira.

Escaparam do fim?

Não se deve esquecer que havia outros órgãos públicos ameaçados de extinção no texto original do PL 529/2020, que foram retirados: a Fundação para o Remédio Popular (Furp), maior fábrica pública de medicamentos do país; a Fundação Oncocentro (Fosp), que fornece próteses gratuitas para pacientes operados de câncer; o Instituto de Medicina Social e Criminologia (Imesc); e o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Fundação Itesp), responsável pela política fundiária e pela assistência a assentados rurais e populações quilombolas. (PP)