Fim da Imprensa Oficial traz ameaças à cidadania

Demissões em massa e não reconhecimento do trabalho jornalístico marcam o processo de “incorporação” à Prodesp

No dia 2 de agosto de 2021, a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp) deixou oficialmente de existir. A centenária empresa, fundada em 1891 para editar o Diário Oficial do Estado, foi “incorporada” pela Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp). As aspas são justificadas porque o que houve, na prática, foi a extinção da Imprensa Oficial, com parte importante de suas atividades desaparecendo no processo.

Nos anos recentes, não houve investimentos na renovação de pessoal, e o último concurso público para contratação de funcionários na Imesp ocorrera há mais de uma década.

Destruição paulatina

Em 2019, de acordo com dados oficiais apresentados à Assembleia Legislativa do Estado (Alesp), a empresa tinha 561 funcionários de carreira e 174 cargos de confiança (63 dos quais eram ocupados por pessoal de carreira). No Programa de Desligamento Incentivado (PDI) lançado pela empresa, houve a adesão de 223 profissionais. Ficaram, portanto, cerca de 400 empregados de carreira.

Dois meses antes da incorporação, veio novo golpe. Mais de 200 pessoas foram demitidas a partir de 2 de junho de 2021. Em plena pandemia, receberam a comunicação de dispensa por meio de telegrama ou pelo WhatsApp, num gesto a mais de sadismo que coroava a destruição em curso.

O quadro de jornalistas foi dizimado. Em 2013, nossa categoria contava com cerca de 60 profissionais na Imesp. Após todo o processo, a Prodesp tem atualmente apenas 8 jornalistas – que a empresa, numa absurda tentativa de mascarar a realidade, insiste em dizer que não realizam mais atividade jornalística (leia ao lado). Em consequência desse entendimento, havia cassado em dezembro a liberação sindical deste diretor do SJSP, afirmando que não caberia mais a representação do Sindicato dos Jornalistas na companhia. Uma decisão liminar, obtida pelo Jurídico do Sindicato em março deste ano, repôs a liberação.

Com as demissões do ano passado, houve também o fechamento da gráfica da empresa, e todos os profissionais gráficos que não tinham estabilidade perderam o emprego. Isso significou, por exemplo, que o trabalho de edição, impressão e distribuição de material didático para as escolas da rede estadual de ensino – serviço gigantesco e essencial para a educação pública – deixou de ser feito pelo Estado. Passou para gráficas privadas, a custo mais alto para o governo.

A editora da Imprensa Oficial, com um catálogo de quase mil títulos, responsável pela publicação de importantes obras históricas, artísticas e científicas, está com suas atividades oficialmente suspensas. A venda de livros foi interrompida, e não se ouve falar em lançamentos.

Importância do Diário Oficial

A posição da Prodesp de não reconhecer o trabalho jornalístico traz ameaças ao próprio Diário Oficial, cuja dimensão social parece ser desprezada pela empresa. Criado no início da   República, o jornal é um instrumento de cidadania, ao dar acesso democrático às decisões de governantes e legisladores. Assim, a população tem mais condições de acompanhar, avaliar e fiscalizar as iniciativas do governo.

Os jornalistas trabalham na edição dos atos oficiais tendo como base as normas legais que regem essas publicações. O objetivo é fazer com que os atos sejam editados e publicados corretamente, para que possam ser localizados de forma fácil e tenham a sua compreensão facilitada. Para a Prodesp, aparentemente, nada disso importa.

Luta pela readmissão

As dispensas em 2021 geraram revolta e foram seguidas por duas manifestações de protesto dos trabalhadores, juntamente com seus sindicatos: uma em frente à empresa, na rua da Mooca, no dia 3 de junho; e outra, cinco dias depois, em frente à Alesp.

Houve tentativas de negociação direta com a empresa, por parte dos três sindicatos que representam os trabalhadores da antiga Imesp – Jornalistas, Gráficos e Administrativos. Na Alesp, uma comissão conseguiu a intermediação de deputados estaduais solidários aos trabalhadores para tentar uma negociação com o governo, mas não houve resposta.

Os três sindicatos ingressaram, então, com ação pela reintegração dos demitidos. As irregularidades no processo são inúmeras. Não houve negociação prévia sobre a iminência de demissões coletivas, numa afronta à representação sindical e aos direitos dos trabalhadores. Além disso, o fechamento da gráfica teve como base um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), contratado sem licitação a um custo de quase R$ 9 milhões. Essa contratação é objeto de investigação do Ministério Público de São Paulo, por suspeita de graves irregularidades.

A ação pede a reintegração dos demitidos, com o pagamento de todos os salários e direitos do período em que ficaram fora da empresa, e indenização por danos morais. (CS)

DIMENSÃO DO TRABALHO JORNALÍSTICO NO DIÁRIO OFICIAL

A Prodesp é agora responsável pelo Diário Oficial, mas afirma, em correspondência de seu setor jurídico enviada em dezembro ao SJSP, que “não produz qualquer matéria de circulação externa”. Realmente, é uma empresa que inova… nos argumentos estapafúrdios. Ainda que sua atividade principal seja a de tecnologia da informação, o fato é que, após a incorporação da Imesp, a Prodesp passou a ter também atribuições jornalísticas.

Desde a época da Imesp, havia uma tentativa de eliminar o trabalho de jornalistas no Diário Oficial, sob a alegação de que a responsabilidade seria exclusiva da secretaria ou órgão  estadual que envia o ato para publicação. Por isso, não haveria necessidade de edição.

Não há dúvida de que o responsável pelo teor do ato é a autoridade que o emitiu. Os editores não interferem em seu conteúdo, mas realizam a adequação do texto às normas de publicação definidas em decreto estadual, para organizar as informações e apresentá-las de maneira que o acesso a elas seja facilitado. Esses jornalistas são os profissionais qualificados para editar os atos, resumindo-os ou organizando-os, sem alteração do conteúdo. Trata-se de atividade especializada, que exige, além de formação jornalística, conhecimentos específicos relacionados às publicações oficiais.

Na decisão liminar, de março, que manteve a liberação sindical de diretor do SJSP, a juíza escreveu: “[…] o Diário Oficial é jornal oficial de natureza jurídica pública relevante e tem circulação prioritariamente externa, que visa, principalmente, a comunicar a população sobre os atos normativos do governo do estado e municípios, bem como atos do Poder Judiciário e Legislativo. Por óbvio, a coletânea, catalogação, edição, organização de matérias para a publicação, editoração, a publicação em si, a responsabilidade pelos textos e informação não são atinentes a qualquer outra categoria que não à dos jornalistas”.