Estratégias abrangem transferências para organizações sociais (entidades privadas) e venda de ações
Outra vertente do desmonte do Estado se dá na área da saúde pública, por meio da transferência da gestão de equipamentos ambulatoriais e hospitalares para “organizações sociais de saúde” (OSS), que apesar da designação são grupos privados que buscam lucro com a venda de serviços de saúde e a contratação de profissionais precarizados. Política tradicional do PSDB, foi mantida por Doria e Garcia. Apesar de haver identificado graves problemas na atuação desses grupos, a CPI das OSS realizada em 2018 pela Alesp não teve consequências práticas.
Assim, por exemplo, o futuro Hospital das Clínicas de Bauru (HCB), que a partir do segundo semestre de 2022 deverá entrar em funcionamento em prédio cedido pela USP ao governo estadual, será gerido por uma OSS. Após o chamamento público, em fevereiro, cinco fundações privadas habilitadas como OSS inscreveram-se para disputar o contrato. Entre elas a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que mais verbas recebe do governo estadual, e três outras mantidas por docentes universitários: Fundação Faculdade de Medicina, Faepa e Famesp.
A particularidade, nesse caso, é que o HCB será montado a partir de um hospital público que existe há décadas, é elogiadíssimo, mas absurdamente deverá desaparecer: o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC-USP), que é referência mundial em fissuras labiopalatais e outras anomalias da face e do crânio, graças às pesquisas ali mantidas e às tecnologias e tratamentos que desenvolveu. O HRAC atende pacientes de todo o Brasil e de diversos outros países, especialmente da América Latina.
A situação tem provocado intensos protestos das trabalhadoras e trabalhadores do hospital, de pacientes e seus familiares, das entidades sindicais, de estudantes do curso de Medicina de Bauru e também de vereadores, como ficou patente em audiência pública realizada em 16 de março.
Sabesp ameaçada
Em 2021, a bola da vez da privatização parecia ser a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Ao tomar posse do cargo de secretário estadual de Projetos e Ações Estratégicas, em agosto, o deputado federal licenciado Rodrigo Maia (PSDB), ex-presidente da Câmara dos Deputados, declarou que a privatização da Sabesp seria sua prioridade à frente da pasta. Doria, porém, desmentiu indiretamente o novo auxiliar, ao afirmar que a desestatização da empresa é um “projeto de longo prazo”.
Empresa estratégica com receita anual de R$ 17,9 bilhões (2020), lucro líquido de R$ 3,3 bilhões em 2019 e “valor de mercado” atualmente estimado em R$ 26,4 bilhões, a Sabesp já havia sido parcialmente privatizada por meio da venda de ações a investidores privados, ao se tornar “sociedade mista”. O governo estadual detém apenas 50,3% do seu capital, conforme autorizado pela lei estadual 11.454/2003 (proposta pelo então governador Geraldo Alckmin).
A Sabesp responde “pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de 375 municípios”, o que inclui a capital e as principais regiões metropolitanas (exceto Campinas e Ribeirão Preto), e atende “28,6 milhões de pessoas com água e 24,9 milhões de pessoas com coleta de esgotos”, segundo seu próprio site.
“Na crise sanitária da covid-19, a empresa promoveu a isenção de tarifas para 2,5 milhões de moradias e suspendeu o corte de fornecimento por inadimplência. Também distribuiu 6.500 caixas d’água e instalou 530 lavatórios públicos. E se a Sabesp estiver sob o controle privado em meio a uma crise sanitária, de qual valor será a conta apresentada à sociedade após a crise?”, questionam, em publicação, o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), o Sindicato dos Engenheiros (Seesp) e outras entidades. (PP)