Uma escolha política: contar a história dos não contados

por Adriana Franco, Alan Rodrigues, Cláudia Tavares, Eduardo Viné Boldt, Rafael Benaque, Sérgio Kalili e Thiago Tanji

edição Priscilla Chandretti

Com mais de 30 anos de reportagem, Eliane Brum conta que já esteve em “vários mundos”. Entrevistou presidentes, bilionários, grandes empresários. Mas sua escolha, o seu percurso no jornalismo, foi escutar e contar a história daqueles que resistem para poder existir. “É por contar [sobre] aqueles que, por diferentes iniquidades de raça, de gênero, de classe e mais recentemente também de espécie, enfrentam a violência da invisibilidade. Não é que eles não tenham voz, todos têm voz; o que faltam são ouvidos.”

É sobre a importância da escuta que ela parte para falar ao Unidade sobre o seu percurso na profissão, em entrevista concedida a partir de Altamira (PA), onde mora e trabalha. Por sua carreira, Eliane venceu o Prêmio Maria Moors Cabot em 2021, o prêmio mais relevante de jornalismo das Américas e o mais antigo do mundo. Recentemente, a jornalista venceu a 43ª edição do Prêmio Vladimir Herzog, na categoria livro-reportagem, com sua obra Brasil, construtor de ruínas – Um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro.

Gaúcha de Ijuí, Eliane foi repórter do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, e da revista Época, em São Paulo. Hoje, é colunista do jornal espanhol El País, e colabora com veículos como The Guardian e The New York Times. É ainda documentarista e escritora, com nove livros publicados.

O mais recente é de 2021, Banzeiro Òkòtó: Uma Viagem à Amazônia Centro do Mundo, o qual traz um conceito de centralidade que, ela explica, é uma declaração política que transformou sua vida. Brum conta como a crise climática atravessa tudo, “é aquilo que corrói tua vida”, e defende que os jornalistas precisam ser capazes de atender aos desafios da nossa época muito rapidamente, porque não temos tempo.

Eliane Brum e o fotógrafo Lilo Clareto, vítima da covid-19, foram responsáveis por documentar os efeitos ambientais e a crise humanitária provocada pela construção da usina de Belo Monte, na Volta Grande do Xingu (Foto: Arquivo pessoal)

Queremos saber de você: dá para se fazer jornalismo e ser ativista? O que é um ativista?

O ativista é alguém que age pelo comum, age pela comunidade. É alguém que sai do individualismo desse sistema capitalista e vai agir pelo coletivo. Vai agir por aqueles valores que são comuns e são importantes para todos. E aí, curiosamente – mas não é por acaso – essas pessoas são desqualificadas, às vezes por parte de colegas. Se a fulana é ativista, não é mais jornalista.

No caso do Bolsonaro, isso sobe alguns degraus, mas é o mesmo movimento de criminalização de todo ativismo. Especialmente daquele que se contrapõe à destruição que o atual governo provoca. Então, acho que tem que prestar muita atenção no que é que perturba a ponto de ser necessária uma desqualificação para uma parte e uma criminalização para outra.

Eu sempre deixo muito claro, e já escrevi isso várias vezes, que se um jornalista me diz que é imparcial, essa é a primeira mentira que ele conta. Então, eu não vou escutar, ler, prestar atenção no que esse jornalista está dizendo, porque se ele parte de uma mentira tão básica, o trabalho dele não vai ter credibilidade para mim. Eu tenho consciência de que sou uma pessoa desse momento histórico, que venho de uma experiência de vida, que tem os dois pés na lama da cultura do meu tempo e, exatamente por isso, eu preciso ter o máximo de cuidado para chegar o mais próximo das verdades todas. Exatamente porque eu reconheço os limites do jornalismo é que eu tenho cuidado para respeitar os fatos e respeitar as pessoas que me contam as suas histórias.

O movimento da reportagem começa antes da gente ir para a rua. Começa em um movimento interno de atravessar a rua de si mesmo, que é o cuidado que a gente tem que ter. Ou seja, o cuidado de me despir dos meus preconceitos, da minha visão de mundo, dos meus julgamentos para ir o mais vazia possível. É claro que totalmente vazia é impossível, mas é possível ir a um mundo que é o outro, e escutar uma outra experiência de ser e de estar no mundo, e fazer o caminho de volta. E, ao escrever sobre isso, eu tenho que reconhecer os meus limites. Aí, sempre deixo claro para o leitor quando interfiro na minha reportagem.

Para dar um exemplo prático disso: em uma matéria que foi uma das mais longas que eu fiz, acompanhei os últimos 115 dias da vida de uma mulher que estava com câncer incurável. Passei 115 dias conversando com ela, quase todos os dias, sem jamais mencionar a palavra câncer e sem jamais mencionar a palavra morte. Se não tivesse feito isso, eu jamais teria descoberto que ela morreu sem pronunciar o nome da doença que a matou. E não teria entendido nada sobre como ela viveu o seu morrer.

Um outro momento importante que eu acho que é um marco. A partir de 2011, eu começo a acompanhar algumas famílias ribeirinhas que foram expulsas pela construção de Belo Monte (usina hidrelétrica em Altamira, no Pará). Eu já tinha saído da Época, em 2010, porque queria um outro tipo de vida depois de 21 anos trabalhando na grande imprensa e em redação. Começo a fazer esse projeto por minha própria conta. Então, eu trabalhava para conseguir dinheiro para financiar os meus projetos e vivia com muito pouco dinheiro para mim mesma, estava num momento que podia viver com pouco. E comecei a ir e voltar de Altamira e aqui da região. Em 2015, eu faço uma canoada pelo Xingu, promovida pelos jurunas da aldeia Miratu da Volta Grande do Xingu e pelo Instituto Socioambiental (ISA), para observar o rio morto pela construção da usina e o rio vivo.

Eu faço essa canoada com uma ribeirinha chamada Raimunda Gomes da Silva, que é uma das intelectuais da floresta. E a gente passa dias juntas conversando, quer dizer, ela me contando a história dela e eu anotando no meu bloquinho. A Raimunda foi expulsa, ela morava em uma ilha no Xingu. E quando chegou perto da ilha dela para tirar as coisas deles de dentro da casa, a casa estava pegando fogo. A Norte Energia (responsável pela construção da hidrelétrica) ou uma terceirizada contratada já tinha colocado fogo na casa, nas plantas, na ilha.

Ela tem um marido, o João Pereira da Silva, que se tornou um morto-vivo. Ela me conta que o João, quando chegou no escritório da Norte Energia para negociar (eles chamam de negociar, mas de forma nenhuma há uma negociação quando um impõe e a outra parte não tem nenhuma escolha) o preço da casa, da ilha da qual ele não escolheu sair, descobre que o valor que eles impõem é um valor impossível de recompor uma vida. E como João já passou fome – de desmaiar, de vomitar, fome de fome mesmo – e já está com mais de 60 anos de idade, ele percebe que o mundo dele termina ali. E o João pensa: “Eu vou matar essa pessoa. Vou matar esse preposto da Norte Energia, e isso vai acabar com a minha vida. Mas a minha vida já está acabando agora, e isso vai chamar a atenção do mundo para o que está acontecendo aqui e vai salvar a vida de outras pessoas”. Só que o João não é um assassino. Então, o que acontece? O João trava. Ele trava as pernas, trava a voz. Ele não consegue se mover e precisa sair carregado do escritório. Mais tarde, fica-se sabendo que ele teve um AVC ali. Como aconteceu com outras pessoas. A violência é de tal proporção que as pessoas têm AVC. Alguns morreram. O João não morreu e ainda vai ter, mais tarde, um segundo AVC depois de receber uma visita de duas funcionárias da Norte Energia.

A Raimunda me conta isso e conta que deixou pessoas cuidando dele, as filhas, porque depois disso ele ainda tentou e quis convencer a família a irem para a ilha queimada e se matarem para chamar a atenção do mundo. Para ver o que faz a falta de escuta e de reconhecimento da sua voz e da sua dor. E eu disse pra Raimunda que quando a gente voltasse para Altamira, depois da canoada, queria ir à casa dela. A gente estava entrevistando a Raimunda na casa dela. E o João irrompeu na sala. Aquele homem, sem camisa, com os olhos azuis, disse: “O buraco, o buraco da minha vida”. Ele disse várias coisas, como: “Eu enxergo tudo escuro. Agora é tudo escuridão para mim”.

Porque eu reconheço os limites do jornalismo é que eu tenho cuidado para respeitar os fatos e as pessoas

Foi muito forte aquela experiência e eu percebi ali que, sim, eu faria o meu trabalho de contar a história deles para o mundo. E eu consegui contar essa história em português, em inglês e em espanhol. Mas o jornalismo tem limites. Entendi que o João precisava ser escutado de outra maneira. Voltei para São Paulo e comecei a bater na porta de psicanalistas e psicólogos que eu conhecia. E essa foi minha primeira ação que pode ser chamada de ativista, e é algo que me dá muita alegria, que foi a Clínica de Cuidado do Projeto Refugiados de Belo Monte. Foi algo extremamente importante para essa região e eu fiz o documentário junto com o Lilo Clareto, do jeito que era possível. Não é de forma precária, mas acho que é um documentário que tem vozes muito fortes. (Eu+1: Uma jornada de saúde mental na Amazônia)

Ativismo é essa história. E aí eu nunca mais paro. E acho que isso só fortalece e melhora a minha escuta e o meu jornalismo.

Você decidiu sair de São Paulo para esse outro centro em Altamira. Como é trazer essas informações para a população, para um jovem que mora em São Paulo ou no Rio de Janeiro e, às vezes, não tem noção de que o Brasil é um país continental, com uma biodiversidade que está sendo atacada sistematicamente todos os dias? Em uma cidade não é possível ver essa destruição diretamente em sua vida, ou se vê apenas em coisas pontuais. Como trazer para o leitor este debate, expor que este problema diz respeito ao nosso país e às nossas escolhas políticas?

Acho que é também pelo deslocamento da centralidade. No caso do jornalismo, é preciso entender que essa divisão entre o meio ambiente, a economia, a política, não é assim. Eu tenho dúvidas se algum dia serviu compartimentar a vida e aí compartimentar as editorias. Se algum dia essas separações serviram para alguma coisa, certamente não servem mais.

Sempre me perguntavam: qual é a tua área no jornalismo? E para não me encherem o saco eu dizia: direitos humanos. Mas nunca achei que eu fosse uma jornalista de direitos humanos, nem de qualquer área. Agora, nos últimos anos, me encaixam mais como uma jornalista ambiental. Não faz o menor sentido para mim. O que aconteceu comigo foi uma escolha política de contar a história dos não contados. Eu fui me deparando, pela escuta, com as pessoas que sofrem com a corrosão da natureza e com a crise climática. Antes de nomear e ter algum conhecimento maior sobre a crise climática, eu fui escutando essa crise na fala das pessoas e ela atravessava tudo. E eu fui entendendo que a emergência climática, que é a destruição da natureza, atravessava todas as vidas, todas as questões. Não era um assunto. Era algo que cruzava todos os assuntos.

Tu não consegue fazer com que os leitores entendam algo do qual tu mesmo não se apropriou. A crise climática está na vida de todos. É aquilo que corrói a tua vida, mas tu não sabe nomear.

Hoje, quando ando por São Paulo, estou em uma cidade que são ruínas. Uma das grandes ameaças hoje é o excesso de concreto, que é como uma camisa de força na terra. A gente vê os rios que viraram esgoto, e a gente não vê os vários rios que estão enterrados. Em São Paulo, a gente está pisando sobre rios enterrados. Quando eu vou a São Paulo hoje, isso está muito presente na minha cabeça. E está presente no sentimento de opressão que muita gente sente, eu acredito ter muito a ver com isso, com a destruição. Quando se destrói a Amazônia, se desregula a chuva em São Paulo. Então, nós jornalistas precisamos entender o mundo de uma outra maneira e até com uma outra linguagem. Esse planeta é todo conectado, é um constante intercâmbio, são relações.

Eliane Brum realizando uma entrevista na Terra do Meio, na Amazônia (Foto: Lilo Clareto)

Se um jornalista não sabe escutar, ele tem muito pouco a fazer

Precisamos perceber isso e precisamos mudar nossa linguagem. Mudar o jeito que gente olha para o mundo e também aprender com os povos da floresta e com os povos de outros ecossistemas, e com aqueles que não se afastaram da natureza e continuaram sendo natureza. A gente está vivendo um momento único, e acho que dá para concordar que é o momento mais desafiador da nossa trajetória como espécie. A gente está enfrentando a emergência climática com muitas poucas chances, com esses governantes, com essas corporações e com pouco tempo.

Nosso planeta hoje já é pior. São Paulo mesmo é uma cidade em que a temperatura já aumentou e tem um microclima. A gente está vivendo a sexta extinção em massa de espécies, mas a primeira provocada por ação de parte de humanos. A gente viu o que aconteceu agora: as inundações na Alemanha, o Canadá com temperaturas do Saara. A gente está vivendo isso agora e é muito difícil não enxergar a crise climática, mas as pessoas ainda não sabem nomear.

Quando um indígena fala que o rio é avô, a montanha é mãe, ele não está fazendo poesia naïf. Ele está falando de um conhecimento profundo de povos que vivem há milênios com a natureza, sendo natureza eles também, e sem destruir o mundo em que vivem. Essa civilização à qual pertencemos destruiu o mundo em apenas alguns séculos. E quem colocou o planeta e a própria sobrevivência da espécie em risco tem a arrogância de achar que os povos da floresta não têm conhecimento nem para dizer sobre o seu próprio destino. A gente precisa se desformatar, nós jornalistas, para ser capaz de atender aos desafios da nossa época muito rapidamente. Porque essa também é uma época em que não temos tempo.

E para isso, colocar a Amazônia centro do mundo, que é a ideia de movimento que a gente fez em 2019. É o nome do meu livro e não é uma ideia retórica, não. É uma declaração política. Os suportes naturais de vida, como os oceanos e as florestas tropicais, são os verdadeiros centros desse mundo, então precisam ser tratados como centro. A gente não vai enfrentar os desafios da crise climática e da sexta extinção em massa de espécies com o mesmo pensamento e com a mesma linguagem que nos trouxeram até o abismo. A gente precisa ser liderado por aqueles que foram capazes, aqueles que se mantiveram como natureza e foram e são capazes de conviver como natureza, com a natureza, sem destruir o planeta. E sem destruir as outras espécies.

Acho que um exemplo interessante também, que as pessoas acompanharam mais de perto, foi essa migração de populações de vários diferentes países da América Central tentando entrar nos Estados Unidos, e encontrando lá os muros do Trump. A maioria dos jornalistas, quando entrevistavam essas pessoas desesperadas, dizia: “Essas pessoas estão aqui por causa da violência, estão aqui por causa da fome, estão aqui por causa da miséria”. Mas outros jornalistas, uma minoria, iam além dessas perguntas por já entender o mundo de um jeito diferente. E aí as pessoas começaram a falar das secas. A crise climática tinha provocado secas, tinha provocado alterações no lugar onde elas viviam. E isso tinha gerado a fome. E isso tinha gerado a violência. E isso tinha gerado a miséria. E isso tinha gerado a migração. Então, eu considero que esse movimento foi um dos primeiros de muitos que ainda virão. Movimentos de refugiados climáticos.

Se a gente não souber ler, não souber interpretar a realidade e escutar as pessoas, escutar a realidade, a gente não vai estar à altura do nosso tempo.

Não sei se você teve também um jornalista como inspiração. No meu caso, foi o professor aqui da TV Cultura, Washington Novaes. Ele vai sempre colocar que o meio ambiente deveria estar no centro de tudo. E eu queria trazer a memória dele, porque acho importante não esquecer a trajetória dos jornalistas que entenderam isso antes da gente.

Acho que ele é o precursor de tudo. Ele viu muito antes de nós todos. Apesar de ser um jornalista que foi reconhecido, eu acho que ele nunca teve o reconhecimento que merece. Essa é uma correção que a gente precisa fazer. O reconhecimento da memória.

Até alguns anos atrás, a maior parte dos brasileiros via a Amazônia como um imenso tapetão verde sem gente, como um vazio demográfico. Queria te perguntar daquela guria, lá do Rio Grande do Sul, que foi ganhar o mundo no jornalismo: a imagem que ela tinha da Amazônia mudou muito vivendo lá?

A primeira vez que eu vou para a Amazônia é 1998. Eu trabalhava ainda na Zero Hora e fui fazer uma matéria sobre a Transamazônica. Eu fui sem pauta, como gostava. Fui aberta ao espanto do que ia surgindo no meu caminho. E essa foi uma reportagem muito importante na minha vida, porque eu fui como uma ‘gaúcha’. Gaúcho também não é um genérico. Meu pai foi a primeira pessoa da família que estudou. Meus avós foram agricultores que trabalhavam na roça, não que tinham empregados. Então é desse Rio Grande do Sul que eu venho. E na minha infância eu ouvia sobre a Amazônia e sobre os povos indígenas pelas pessoas mais ricas da cidade, que tinham fazendas na Amazônia. E eles contavam abertamente como matavam índios. Não eles, mas os seus prepostos, seus capatazes. Era um grande negócio na minha infância, pois eu já nasci na ditadura empresarial militar.

Eu fui para a Transamazônica tendo feito muitas matérias no Rio Grande do Sul e uma grande matéria no Brasil, quando eu refiz a marcha da Coluna Prestes. Essa primeira entrada na Amazônia me deixou uma marca profunda pela linguagem. Eu parava em casas que eu encontrava, e as pessoas abriam a porta e começavam a contar histórias. E eram histórias e linguagens muito diferentes das do Rio Grande do Sul. E com ritmos muito diferentes. Eu fiquei transtornada por isso. Eu voltei para casa, escrevi. E escrevi quase num transe. É uma matéria que eu não fiz aspas, porque eu ia emendando assim as histórias das pessoas naquela linguagem encantada. Então essa foi minha primeira impressão que eu tive da Amazônia: de um lugar de outras linguagens, de outras gentes. Isso foi fundamental, me marcou. A partir de 2000, quando eu venho para São Paulo, eu passo a ir para a Amazônia então com muito mais frequência. Para diferentes amazônias.

Em 2004, eu e o Lilo viemos para a Terra do Meio, que era um nome que nunca tínhamos ouvido, nem não se ouvia no Brasil. Era um movimento desconhecido ainda. Os grileiros tinham alcançado a área dos ribeirinhos, os beiradeiros, população extrativista. E estavam queimando os castanhais, botando fogo nas casas, ameaçando de morte. Tínhamos um colega, o Alexandre Mansur, me falou que estava acontecendo. A gente já tinha tido várias experiências na Amazônia, mas eu nunca tinha tido uma experiência de viajar cinco dias pelos rios, numa voadeira, que é o barco a motor mais rápido que a gente tem aqui. E mesmo assim levou cinco dias. Foi uma viagem no sol, sentada no chão, parávamos à noite para amarrar rede na floresta e fazer uma comida no chão, no fogo. Era uma trajetória muito difícil. Às vezes tinha que parar, descer corredeiras carregando o barco nas costas, pegar corda, enfim.

Nós fomos os primeiros jornalistas a chegar à Terra do Meio. E a gente falou com lideranças ribeirinhas, como o sr. Herculano Porto. Numa comunidade de mais ou menos 200 pessoas, ele era a única pessoa com existência oficial, era o único que tinha carteira de identidade. Outra liderança era o Raimundo Belmiro, e outra era o Manchinha, que eu não estou lembrando o nome agora. O Lilo fez as primeiras fotos de família da vida dessas populações. É uma população que vivia sem imagem, não tinha energia, não tinha nada. E a gente contou essa história quando voltou. Na época, a Marina Silva era ministra do Meio Ambiente. Uma matéria saiu e nada aconteceu.

A gente levou um rádio para eles poderem se comunicar quando houvesse risco de serem mortos, uma doação de uma ONG da Holanda trazida pela Comissão Pastoral da Terra. Naquela mesma semana em que saiu a matéria, o Raimundo Belmiro, de onde estava o rádio, falou do atentado. Ele sofreu um atentado. E não teve nenhuma repercussão na semana. Eu fiz uma nota chamando literalmente a Marina Silva. Então ela me ligou, disse que conhecia a história dessas pessoas, porque essa história era a história dela, das pessoas da comunidade dela, pois ela era uma extrativista, desde a infância e a adolescência. Aí aconteceu algo muito incrível. As três lideranças foram retiradas da floresta de helicóptero e levadas a Brasília para contar para os ministros o que acontecia na Amazônia. O sr. Herculano é um contador de histórias, então essa história virou um épico contado às crianças, a viagem ao país oficial. Alguns meses depois, foi criada a reserva extrativista Riozinho do Anfrísio, que é uma unidade de conservação.

É claro que não foi só pela nossa matéria, isso é uma coisa muito importante que eu sempre gosto de falar. [Essa história] explica muito o fato de eu estar aqui. É porque eu acho que nesses mais de 30 anos como repórter, eu denunciei muitas coisas. Se eu estou em alguma denúncia eu me comprometo com isso para sempre. Eu fiz algumas grandes denúncias, e eu acho que essa foi a única vez que eu vi um resultado, ou uma das poucas vezes. Eu vi algo acontecer depois de uma denúncia numa proporção muito concreta: virou uma unidade de conservação.

Eu acho que comecei a vir para cá devagarinho, antes de saber que estava vindo. Então, eu já estava cobrindo Belo Monte.

Queria entender se a gente já esteve politicamente mais próximo da visão de ter o meio ambiente no centro de tudo. Me parece que a gente regrediu muito nos últimos anos, e voltou com uma política da época da ditadura militar, do ‘integrar para não entregar’, e essa destruição que assistimos com as queimadas. O que você está vendo aí? Será que temos condições de sair desse lugar ruim onde a gente está?

Eliane Brum na Pedra do Ó, na Estação Ecológica da Terra do Meio, em 2017 (Foto: Lilo Clareto)

A Amazônia como deserto verde é aquele slogan da ditadura: “homens sem terra, terra sem homens”, que explicitamente não reconheceu os povos da floresta como humanos. Eles não são gente. Porque na floresta amazônica, não só tem centenas de povos indígenas há milênios, ou seja, muito antes de 1500, como parte dessa floresta foi plantada pelos povos indígenas. Isso é comprovado cientificamente. [O slogan] é parte de uma grande mentira e de uma ignorância proposital. Embora Getúlio [Vargas] já tivesse feito incursões na Amazônia, é na ditadura civil militar, de 64 a 85 que se cria o imaginário, a falsificação que persiste até hoje. Que é essa: a do deserto verde. E se cria essa peça publicitária que se encrustou na mente das pessoas até hoje.

Foi transmitida de geração em geração, porque a Amazônia precisava ser vista como corpo para violação e exploração de recursos. A Amazônia como uma mercadoria de onde se pode extrair outras mercadorias. Isso persistiu. Só recentemente, com a Comissão da Verdade, que se fala e se reconhece que a ditadura matou mais de 8 mil indígenas. O Brasil se redemocratiza, e a Amazônia continuou sendo vista dessa mesma maneira. Eu afirmo com a tranquilidade e a convicção de quem estudou, de quem investiga: a Amazônia continuou sendo vista da mesma maneira.

E aí eu preciso dizer, e muitas pessoas não gostam que eu diga, mas eu também tenho convicção de que ou a gente vai com memória, ou não vai. Os governos do PT foram desastrosos para a floresta amazônica. A Marina Silva deixa o governo também por conta disso. Foi no período dela que as primeiras grandes hidrelétricas do governo na Amazônia foram aprovadas. Até ali, tinha uma disputa dentro do governo de visão, de desenvolvimento, de como tratar a Amazônia. Com a saída da Marina, claramente o Lula faz uma escolha.

Os governos do PT implantaram as grandes hidrelétricas na Amazônia. E nenhuma visão contemporânea de conservação ambiental considera hidrelétrica na Amazônia como energia limpa. A gente precisa enxergar e lembrar para não acontecer de novo. Porque Belo Monte foi imposta à população do Xingu. Foi imposta aos povos indígenas, aos povos ribeirinhos. Ela foi imposta. E aconteceram coisas terríveis aqui. Grande parte dos ribeirinhos foram expulsos, como Raimunda e João, que foram indenizados com valor irrisório. O sr. Otavio das Chagas, por exemplo, que é de uma família que eu acompanho, assinou um papel pelo qual ele perdia tudo, sem saber ler. As pessoas assinaram com o dedo papéis que elas não eram capazes de ler. Foi esse nível de violência.

o que está em jogo hoje é a nossa própria gente. a nossa espécie corre risco de extinção. isso é para agora

E não tinha ninguém que as defendesse. O PT colocou a Força Nacional para reprimir os indígenas, para reprimir os ribeirinhos, para reprimir os movimentos sociais que protestavam no canteiro de Belo Monte. Assim como colocou a Força Nacional contra as greves de trabalhadores de Belo Monte. Tinha um agente da Abin [Agência Brasileira de Inteligência] infiltrado no movimento Xingu Vivo, que era um movimento de oposição a Belo Monte, aqui de Altamira, muito atuante e coordenado pela maior liderança popular do médio Xingu, a Antônia Melo. Isso tudo aconteceu. E Belo Monte é um projeto da ditadura militar, que vários governos tentaram e, pela resistência, nunca foi implantado. E por que o PT consegue? Porque a maior parte do movimento social daqui de Altamira e do médio Xingu eram pessoas fundadoras do PT na região. Então, quando o PT assume, elas tinham tantos problemas, esse era um problema que achavam que não iam mais ter. Elas se despreocuparam. Quando elas começaram a ouvir logo no início do governo que Belo Monte ia sair, foram para Brasília. E foram muito mal-recebidas pela Dilma, que era ministra das Minas e Energia. Depois foram bem recebidas pelo Lula, mas nada aconteceu. E elas demoraram muito tempo para acreditar. Esse é um relato que Antônia Melo faz chorando, porque ela é uma das fundadoras do PT. Ela levou muitos anos para se desfiliar porque não conseguia acreditar que o partido pelo qual lutou todas essas décadas, toda a sua vida, destruiu o mundo dela. Então, o movimento rachou aqui. É tão triste essa história.

Tem muita gente tentando apagar Belo Monte, mas ela é grande demais para apagar. E nesse momento a gente tem a Norte Energia controlando a água do rio Xingu. Isso está secando uma área de mais de 100 quilômetros, chamada Volta Grande do Xingu, e essa região está sofrendo uma insegurança alimentar, uma tragédia humanitária. Isso está transformando todo um ecossistema, inclusive com espécies endógenas, que só existem nessa região. E é isso: uma empresa controla um pedaço da água e as pessoas acham que isso é normal. Os impactos recém começaram, eles vão ficar cada vez mais graves, porque as coisas acontecem em cadeia. Se fosses vocês forem para Jiral, Santo Antônio, se forem para Teles Pires, vão encontrar outra série de tragédias, e que continuam. Então hoje a gente está aqui, vivendo com o rio, uma parte dele morta, um rio transtornado.

Em 2015 foi quando o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], no governo de Dilma Rousseff, deu a licença de operação para Belo Monte. Nesse ano, Altamira tinha se transformado na cidade mais violenta do Brasil, de mais de 100 mil habitantes. Não é à toa que aqui, há dois anos, houve o segundo maior massacre carcerário da história do Brasil, com 62 mortos, incendiados. Só perde pro Carandiru. Pouco antes, Altamira viveu uma série de suicídios de adolescentes. Para isso, os pesquisadores e os especialistas de saúde mental atribuíram como a principal causa a destruição dos laços, as mudanças do modo de vida num curto espaço de tempo, que estourou naqueles que são os mais frágeis, as crianças que vieram a se tornar adolescentes durante esse processo de destruição.

Para responder à pergunta, o olhar sobre a Amazônia da ditadura empresarial militar persiste até hoje, e o tratamento dado à Amazônia pelos governos do PT é muito semelhante. Esse é o milagre de onde é possível criar o que se chamou de classe C, de nova classe média (que foi importantíssimo) sem mexer na distribuição de renda. Sem taxar as grandes fortunas. Como é que isso foi feito? Pelo custo natureza. Quem pagou a conta foi a Amazônia, foi o Cerrado, foram os outros ecossistemas, foram os povos desses enclaves. Essa conta foi paga com commodities tiradas, exportadas para a China, por isso que os bancos tiveram lucros recordes. Não teve alteração na estrutura da renda. Essas populações aqui pagaram. Nós todos estamos pagando por isso, o planeta está pagando.

Aí vem Temer, tudo piora. Aí vem Bolsonaro e é o horror completo. O principal projeto do Bolsonaro, e isso eu escrevi antes de ele assumir, é abrir a Amazônia para exploração. E ele faz isso com muita competência. Então, a Amazônia está chegando aceleradamente ao ponto de não retorno. A gente está falando de anos. As últimas pesquisas já mostraram que parte da floresta já emite mais carbono do que absorve. Parte da Amazônia já deixou de ser solução para se tornar um problema. Sem a floresta amazônica, a maior floresta tropical do mundo, agindo como floresta, como reguladora do clima e com outras funções importantes que a Amazônia tem, não há como controlar o superaquecimento global. Por isso, o que acontece no Brasil hoje interessa a todo o planeta.

Mas é claro que Bolsonaro é sintoma. Bolsonaro é criatura e todos aqueles que a geraram continuarão agindo. Agiam antes dele e continuarão agindo depois. O bolsonarismo vai muito além de Bolsonaro. Então, a gente está numa situação muito trágica. Quando se pensa em lutar pela Amazônia não é uma luta por compaixão dos povos da floresta, por bondade. É uma luta pela nossa pela própria sobrevivência nesse planeta. O que está em jogo hoje é nossa própria gente. A nossa espécie corre risco de extinção. Isso é para agora.

Ainda no campo das tragédias, gostaria de falar dessa que é o governo Bolsonaro. Nos últimos meses a nossa categoria de jornalistas e o jornalismo nunca foi tão agredido, em especial as mulheres. O que você pensa sobre essa violência? Você fala em mea-culpa do governo do PT, mas os donos da grande mídia têm que se responsabilizar por essa tragédia que é o governo Bolsonaro?

Eu acho que nós todos temos que fazer uma autocrítica. Nós todos. Principalmente quem esteve no governo. Me parece isso bastante razoável, não é nada muito inovador. E a imprensa precisa assumir suas responsabilidades em tudo que está acontecendo no Brasil.

Me parece que a crise da imprensa vai muito além do modelo de negócios. A crise da imprensa é uma crise de credibilidade e uma crise de representação. Eu acho que o governo da Dilma, os governos no geral, lidaram muito mal com as manifestações [de 2013] e não foram capazes de despertar para o que estava acontecendo nas ruas naquele momento. Mas a imprensa também não. Eu acho sempre ruim a gente tratar as coisas no genérico, porque também dentro da imprensa há vários grupos de resistência, inclusive dentro de cada jornal. Mas dá para dizer que a maior parte do que a gente está chamando de grande imprensa teve muita dificuldade de escutar o que as ruas estavam dizendo naquele momento. E me parece que o que estava sendo dito ali é que as pessoas não se sentiam representadas. Isso não é escutado. Se um jornalista não sabe escutar, ele tem muito pouco a fazer.

E a gente tem toda a cobertura absolutamente promíscua de parte da imprensa, com parte da operação Lava Jato. Eu não sou daquele grupo que acha que tudo da Lava Jato foi ruim. Mas claramente teve uma relação muito promíscua, com efeitos muito concretos.

Mais recentemente a gente tem o “29M”, que foi uma grande manifestação pelo “Fora Bolsonaro”. Na avenida Paulista, havia dezenas de milhares de pessoas. Juntando todo o Brasil, pode-se dizer que eram centenas de milhares de pessoas. Como se explica que, no dia seguinte, dois dos três principais jornais do Brasil não tragam essa manchete? Em qualquer tipo de jornalismo, milhares e milhares de pessoas ocuparem as ruas contra o presidente do país é notícia.

Canoada Bye Bye Xingu, durante um protesto dos canoeiros diante da usina. Os canoeiros são cientistas, professores universitários, antropólogos, jornalistas, ambientalistas, indígenas e ribeirinhos (Foto: Lilo Clareto)

Não é com esse tipo de omissão, para usar uma palavra elegante, na cobertura que se vai recuperar a credibilidade do jornalismo. Eu falo isso porque acho que a imprensa é fundamental para uma democracia que mereça esse nome. Que respeite os fatos, que tenha coragem de contar os fatos, que contemple as contradições, que contemple o contraditório. Que ilumine os cantos escuros. Eu falo isso porque eu sou apaixonada por jornalismo. Para mim não é só uma profissão, é um modo de vida. É o meu modo de estar, e de ser, de habitar esse mundo. Então eu falo isso com muita tristeza.

Isso nos traz a algo que eu acho que hoje é muito mais grave ainda. A gente está num nível além, que fica muito claro com esse atual estágio do bolsonarismo: a imprensa não interessa. Quando o Bolsonaro ataca a imprensa e ataca principalmente as mulheres, ele está fazendo o jogo dele. É para completar esse processo, que hoje está muito avançado, em que a imprensa não interessa para uma parte da população. Então, qualquer coisa que a imprensa disser, não vai pegar no Bolsonaro. porque as pessoas não acreditam. Por isso que no Brasil hoje não é necessário haver censura, como foi necessário na ditadura de 64.

Se o Bolsonaro afirma na Paulista para milhões de pessoas que ele não vai cumprir decisões do Supremo Tribunal Federal e ele não sai preso dali, nada acontece com ele no dia seguinte, e tudo que o Supremo é capaz de fazer é mais um discurso… Não precisa ter um golpe do jeito que foi em 64. Se o presidente da Câmara, o Arthur Lira, pode simplesmente sentar em mais de uma centena de pedidos de impeachment, golpe para quê? Não precisa. Por isso também não precisa de censura na imprensa. Tem esses ataques que são estratégicos, mas não tem censura.

Que motivação você teve para ir para Altamira, para esse centro do mundo que é tão atacado? Você tem vontade ou intenção de voltar para São Paulo ou ir morar em algum outro estado?

Eu escrevo e defendo assim, como outras pessoas, a centralidade da Amazônia. Assim como de outros enclaves de natureza, enclaves de vida. Se eu defendo que é preciso deslocar o conceito, confrontar os conceitos do que é centro, do que a periferia, como posso explicar eu cobrir a Amazônia desde São Paulo, o que no jornalismo se chama de enviado especial à Amazônia? Então eu me mudei por uma questão de coerência. Eu, como jornalista, preciso estar no centro do mundo. Então eu deixo esse maior centro do país, no sentido convencional, para me mudar para o principal centro do país no sentido dessa nova perspectiva.

outros povos, outras maneiras de pensar, outras experiências de mundo, precisam invadir o jornalismo

E porque eu entendo também que a gente está numa guerra. É uma guerra determinada pela emergência climática, com muito pouco tempo. E essa é a linha de frente onde eu escolhi estar com meu corpo. Passar a olhar São Paulo, Brasília, Washington, Frankfurt, Pequim desde a Amazônia é muito diferente. Me dá uma perspectiva diferente. E foi muito mais transformador do que eu podia imaginar, porque eu não tinha elementos para imaginar tudo o que aconteceu comigo aqui. Eu vim na verdade em 2017 para passar um ano. Eu tinha me iludido, meu inconsciente tinha feito essa ilusão. Porque se eu pensar “eu vou me mudar para Altamira, vou deixar toda minha vida,” teria sido muito mais difícil. Mas no fundo eu sabia que eu não ia ficar um ano só e que essa era uma mudança de vida mesmo. Foi o que aconteceu.

Teve um custo alto na minha vida pessoal. Eu me transformei profundamente, estou em um processo. Talvez a mudança mais evidente seja uma mudança de linguagem. A linguagem é um mundo que a gente habita, e sem mudar a linguagem a gente não muda o mundo.

Você fala que não há necessidade de censura porque as pessoas deixaram de acreditar na imprensa, mas a imprensa é um pouco domesticada, do ponto de vista que ela fala muito em uníssono. Você fala da necessidade da mudança de perspectiva, de deixar de ser aquela que vai à Amazônia falar, mas partir da perspectiva de alguém que vê o rio morrer da janela de casa. O que você pensa sobre a discussão da regulação dos meios de comunicação, no sentido de quebrar os monopólios e tentar democratizar, se é que dá para usar essa palavra, as vozes e os espaços de escuta na imprensa? É o momento de fazê-la?

Eu acho essa discussão válida. Eu não acompanho muito atentamente esse debate, mas é claro que ele é importante. Da minha perspectiva, eu acho que é mais do que isso, acho que isso a gente já está tentando fazer. A gente precisa ter uma imprensa menos branca. A gente precisa ter uma imprensa menos binária. A gente precisa ter imprensa menos cisgênera.

O Jonathan Watts, do The Guardian, teve essa ideia e chamou outros jornalistas que atuam na Amazônia. A gente criou o Rain Forest Journalists Found que é para estimular reportagens na Amazônia, já que são caras e é urgente fazer essa cobertura, né? E uma das ideias é estimular a reportagem feita por outros protagonistas, como os povos indígenas, como os povos ribeirinhos, os povos quilombolas. O Amazônia Real tem feito um trabalho importante com comunicadores indígenas. A gente precisa trazer outras gentes para o jornalismo, que podem, inclusive, mudar até o que é jornalismo. Porque elas vão trazer uma outra experiência. O que mais me interessa nesse debate está até além dessa questão da regulação.

A gente tem que ir além de um jeito de pensar as coisas que eram do jeito do século 20. E essa é uma boa notícia: estamos em um momento de levante, em que outras vozes pressionam. E eu acho que o jornalismo precisa ser permeado por isso. Precisa ser invadido. Eu acho que outros povos, outras maneiras de pensar, outras experiências de mundo, precisam invadir o jornalismo.

A imprensa como conhecemos é filha de um determinado período histórico, e o mundo está em mudança.

Não dá para lutar a Guerra do século 21 com as armas e os contingentes do século 20…

É! Com os conceitos, especialmente. Então acho que a gente tem que pensar tudo isso e passar a imaginar um futuro no qual queremos viver. A imaginação do futuro não sequestrada. Porque caras como o Bolsonaro só têm passado para vender. Passado falso. Então a gente precisa voltar a imaginar um futuro, que é algo muito desafiador e muito transformador.