Três anos de trabalho pela ética jornalística

por Comissão de Ética*

A Comissão de Ética dos Jornalistas de São Paulo (CEJ), pelo seu próprio caráter estatutário, tem uma atuação eminentemente reativa, manifestando-se quando acionada frente a um desvio ou infração ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. E assim tem feito, analisando os inúmeros casos que são enviados por colegas jornalistas e cidadãos que ficam indignados com a má atuação de profissionais da imprensa.

A CEJ não averigua ou se pronuncia sobre casos não denunciados, ela apenas atua se provocada por qualquer cidadão que apresente a denúncia, a fundamentação e as evidências que justifiquem a abertura de um processo ético. Nesse triênio foram recebidas dezenas de denúncias, analisadas em sigilo para preservar o devido processo ético, com a escuta das partes envolvidas, deliberação e produção de pareceres que são encaminhados aos reclamantes, acionados e empresas envolvidas. Em caso de reclamações julgadas procedentes, as recomendações da CEJ vão de advertências à recomendação de desfiliação do jornalista sindicalizado.

© LAERTE/ILUSTRAÇÃO SINDICAL

A precarização e o relaxamento ético e procedimental costumam estar associados. A luta coletiva e a sindicalização são caminhos para a resistência

Mas é possível contribuir ainda efetivamente para a valorização do jornalismo profissional de qualidade. Com essa linha de ação, a atual Comissão de Ética, cujo mandato se iniciou em 2018 e se encerra em agosto de 2021, tem procurado atuar também de uma forma mais explícita, trabalhando para a divulgação da ética jornalística, exercendo um papel pedagógico ao problematizar, via debate público, inúmeras questões que são fundamentais para toda a categoria e precisam ser discutidas.

Ao longo dos últimos três anos, a CEJ tem desenvolvido uma série de debates, além de um ciclo de lives, visando qualificar essas discussões. A principal delas diz respeito à proliferação de notícias falsas que dominam o noticiário de muitos veículos de comunicação e reverberam nas redes sociais ou nelas mesmas são produzidas.

Debates
No ano eleitoral de 2018 foi realizado no Auditório Vladimir Herzog o debate Fake news e eleições: a ética dos jornalistas como instrumento de defesa da democracia, reunindo como convidados a jornalista Evany Sessa, secretária jurídica e de Assistência do Sindicato dos Jornalistas, o cientista político Eduardo Viveiros de Freitas e o professor de Ética e Filosofia Humberto Pereira da Silva. Naquele momento já se questionavam os perigos que ameaçavam a democracia brasileira com a possibilidade da eleição de Jair Bolsonaro. O então candidato havia demonstrado o pouco apreço pela nossa profissão e nenhum respeito pelo estado de direito – fatos que, infelizmente, foram cabalmente comprovados com sua eleição.

Ciclo de lives
A chegada da pandemia fez com que os debates, impedidos de serem presenciais, precisassem se reinventar. Foi quando a Comissão de Ética passou a promover uma série de lives, sempre tendo a ética profissional como principal motivo de discussão. A primeira delas foi Ética jornalística e fake news, com os integrantes da CEJ, mostrando que em tempos de notícias falsas e desinformação o jornalismo praticado com seriedade, rigor e respeito é cada vez mais indispensável.

Depois dessa experiência, que apresentou um bom resultado, a Comissão de Ética dos Jornalistas de São Paulo, com apoio logístico e político da diretoria do SJSP, fez uma parceria com a Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (EPPEN/Unifesp), do câmpus de Osasco, para a realização do ciclo de lives A Ética que queremos – diálogos sobre o jornalismo de hoje. Foram seis encontros com jornalistas e pesquisadores que discutiram as mais variadas temáticas, como a formação, a precarização profissional, a desinformação, a opinião e a militância dentro do jornalismo. O evento aconteceu entre os meses de outubro e novembro do ano passado.

A primeira live foi sobre Jornalismo: um diploma, uma profissão ou uma ética?, que partiu da realidade de coletivos jornalísticos de e para a periferia, para discutir a questão da formação específica e o direito à comunicação. Como debatedoras tivemos Amanda Rahra, cofundadora do Énois – Laboratório de Jornalismo e a jornalista Bia Barbosa, que também é mestre em Políticas Públicas.
A segunda trouxe uma questão bastante cara a todos nós: Cláusula de consciência: por que é necessária – e odiada pelas empresas, com a participação do jornalista Fábio Venturini, integrante da comissão, professor da Unifesp e presidente da Associação dos Docentes da Unifesp, e da jornalista Priscilla Chandretti, diretora do SJSP, responsável pelas áreas de Comunicação e Cultura. Ambos avaliaram que o instrumento da cláusula de consciência, presente no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que prevê a possibilidade de recusa de uma tarefa em desacordo com as convicções éticas do profissional, apesar de extremamente necessário é muito pouco utilizado.

Já a Uberização do jornalismo versus a ética do coletivo, tão presente nestes tempos pandêmicos, contou com os conhecimentos de Juarez Xavier, jornalista e professor de jornalismo da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), e de Marluce Zacariotti, jornalista e professora da Universidade Federal do Tocantins. Na discussão vimos que a precarização do trabalho jornalístico e o relaxamento ético e procedimental costumam estar associados. Pontuou-se que a luta coletiva e a sindicalização são caminhos para a resistência.

O quarto encontro reuniu o jornalista Rodrigo Ratier, integrante da comissão, professor de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e colunista do UOL, e a jornalista Sheila Cristina Santos, professora da FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas. Ambos discutiram sobre Ética e fake news: desafios da era da desinformação. A desinformação foi apresentada dentro de um cenário de hiperinformação como uma questão estrutural e não contextual. Também foram discutidos os desafios éticos adicionais, que são colocados no atual contexto de descredibilização da mídia e que se impõe ao profissional.

Já o tema sobre Jornalismo, opinião e militância: o que a ética tem a dizer? foi debatido pelos jornalistas Renato Rovai, editor da Fórum, e Franklin Valverde, presidente da Comissão de Ética e professor visitante da Unifesp. Nessa live foram discutidas as fronteiras entre o jornalismo informativo e o opinativo, além da atuação do profissional jornalista em seus outros papéis sociais.
O ciclo A Ética que queremos – diálogos sobre o jornalismo de hoje foi encerrado com a live A ética a serviço de um projeto de nação sustentável e menos desigual com a participação dos jornalistas Joel Scala, integrante da comissão, diretor executivo do Observatório do Terceiro Setor, e Ricardo Alexino Ferreira, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e diretor e apresentador do programa Diversidade em Ciência, apresentado na Rádio USP FM. Os jornalistas abordaram a indissociabilidade da dimensão ética na transformação social, apontando o jornalismo como indutor de mudanças e como agente da construção de uma sociedade sustentável, mais justa e igual.

(*) A Comissão de Ética dos Jornalistas de São Paulo é composta pelos jornalistas Fábio Venturini, Franklin Valverde, Joel Scala, Rodrigo Ratier e Rose Nogueira.