Retrato da categoria

Perfil apresentado pelo Dieese mostra redução de empregos na última década e indica grande número de profissionais sem contrato de trabalho formal

por Priscilla Chandretti

Em dez anos, os empregos formais para jornalistas profissionais diminuíram 17,42%. Na última década, nossa categoria passou por um aumento de vagas até atingir o pico em 2013, e enfrentou, a partir de então, o encolhimento do mercado de trabalho, chegando a 2019 com 2.985 postos a menos na comparação com 2010. Isso, mesmo se o número apresenta praticamente uma estagnação em relação a 2018 (e a tendência é que, em 2020, volte a haver queda).

A informação é de levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) que ajuda a entender quais são os principais desafios da categoria.

O estudo, feito para o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), usou dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) 2019 e do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged) 2020.

Por isso, os números destas páginas tratam apenas do mercado formal. Ao comparar a Rais de 2017 com a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do mesmo ano, vê-se que a primeira indica 14.970 profissionais – exclusivamente com vínculo  empregatício –, enquanto a segunda aponta cerca de 33 mil, em situações que também  incluem trabalhadores sem carteira, autônomos e outras posições ocupacionais. Aqui, cabe notar que a PNAD recolhe uma amostra e extrapola os números para o universo populacional, por isso ela é potencialmente mais imprecisa que a Rais.

Essa é uma das primeiras indicações a partir do estudo: entre os profissionais com contrato formal e aqueles que efetivamente exercem uma atividade autônoma, quantos assalariados estão trabalhando sem carteira, ou com fraude do vínculo empregatício imposta pelo empregador?

Pode ser o caso, por exemplo, dos repórteres fotográficos: o levantamento mostra apenas 104 deles com registro em carteira, 1% do total. Claro, esse número não corresponde de fato aos profissionais que trabalham para empresas jornalísticas. E as consequências dessa prática sobre as condições de vida e de trabalho desses jornalistas, além de medidas para enfrentar a situação, são um debate urgente no nosso Sindicato.

Presença de jovens

O levantamento mostrou que 28% dos profissionais têm entre 18 e 29 anos. Considerando-se que, quanto mais jovem, mais recentemente aquele jornalista passou a atuar na profissão, é possível entender que cerca de um quarto da nossa categoria foi contratada justamente nesse período de forte retração de vagas.

Essa redução de vagas veio acompanhada, portanto, de uma redução da presença dos jornalistas mais experientes, com salários mais altos (por exemplo, a faixa etária de 50 a 64 anos, hoje com participação de 12,8% na categoria, tem remuneração média de R$ 10.801,80), enquanto a contratação privilegia jornalistas mais novos, que recebem próximo ao piso salarial, com médias de R$ 2 mil a R$ 4 mil. (A faixa etária com presença mais forte, 38%, é a de 30 a 39 anos, com remuneração média de R$ 6.429,10).

Representação efetiva do SJSP

Os dados sobre os setores econômicos que empregam jornalistas (acima, à direita) mostram que o Sindicato representa formalmente, com convenções coletivas de trabalho que reconhecem essa representação e estabelecem direitos como pisos salariais, pelo menos 36% da categoria, aqueles que estão em emissoras de rádio, tv, jornais e revistas.

O SJSP tem também acordos com empresas públicas e de outros setores, e age em defesa dos jornalistas de forma geral (como no combate à violência ou pela garantia da jornada especial), mas tem um caminho a percorrer especificamente em redações que hoje se encontram em outros ramos da economia, como em portais, provedores e outros serviços de internet.

Uma correção necessária

Quem comparar os números deste perfil com o que publicamos no Unidade de janeiro de 2020 verá que há um aumento no universo retratado. Isso ocorre porque, agora, corrigimos um erro no levantamento, que havia deixado os diagramadores de fora. Isso ocorreu pelo seguinte: o trabalho é feito com base na Rais (Relação Anual de Informações Sociais), emitida pelo Ministério da Economia, a partir das relações formais de emprego (trabalhadores com registro em carteira). Para que o Dieese trace o perfil da categoria, temos de definir quais números de CBOs (código brasileiro de ocupações) correspondem a funções jornalísticas. Acontece que só algumas funções estão reunidas no código 2611, que corresponde a “profissionais do jornalismo”, no qual não há, por exemplo, nem diagramadores ou designers, nem profissionais de rádio e TV. Então, é preciso pesquisar outras áreas para achar códigos que correspondam a jornalistas. Acabamos deixando erradamente de fora a CBO 7661-20 (editor de texto e imagem) e 2624-10 (desenhista industrial gráfico/designer gráfico). Nestes casos, a dificuldade é que há grande número de profissionais fora do jornalismo que aparecem na Rais (como publicitários). A solução achada foi considerar só os que trabalham em empresas de comunicação. É uma solução de aproximação, mas que fornece um resultado final confiável para a pesquisa.

Emprego e renda

Jornais e revistas puxam redução dos postos de trabalho

Desde 2010, as redações de jornais e revistas, em todo o estado, foram reduzidas em 58,5%. Eram 4.281 jornalistas contratados neste segmento há 11 anos, enquanto em 2019 eram apenas 1.777 profissionais.

A retração no setor também se deu sobre os salários: a remuneração média apresentou perda real de 11%. Em 2019, essa média foi de R$ 6.883,59. “Já a massa salarial encolheu 63% em termos reais, no período, acompanhando o movimento de intensa queda do nível de emprego e, consequentemente, redução da folha de pagamentos das empresas”, afirma o levantamento do Dieese.

No mesmo período, a base de jornalistas em empresas de rádio e TV cresceu 29,3%, tendo chegado a 3.314 profissionais em 2019, ano em que a remuneração média foi de R$ 9.460,00.

Neste segmento, a massa salarial aumentou 39,9% em termos reais, já que o nível de emprego subiu, e a remuneração média teve ganho real de 8,2% (observação: isso não é equivalente a dizer que houve ganho real no conjunto dos salários dos jornalistas, já que nas negociações entre sindicatos dos trabalhadores e das empresas, há perda no período de 4,5%; a remuneração média leva em consideração o total de valores recebidos, o que vai além do salário-base, e é influenciada caso parte dos profissionais tenha recebido promoções ou tenha sido contratada por valores altos).

Estes gráficos que caminham em sentidos opostos mostram que as emissoras de rádio e TV mantiveram sua robustez frente à crise econômica, que se apresenta de forma aguda no setor de jornais e revistas, decorrente da forte presença de gigantes da tecnologia digital como Google e Facebook no mercado publicitário.

Como a edição passada do Unidade mostrou, enquanto a fatia da verba publicitária drenada pela big techs subiu drasticamente, a fatia de jornais e revistas caiu e a de rádios e TV abertas se manteve mais ou menos parada. Tudo indica, essa situação econômica tem consequências fundamentais sobre o emprego e a renda dos jornalistas.

O Sindicato dos Jornalistas afirma reiteradamente às empresas que, ao cortar o emprego e a renda daqueles que produzem a notícia, o efeito é o de desinvestir no próprio produto oferecido. Ao contrário, investir nos jornalistas significaria reforçar a relevância dos jornais e reconquistar ou manter o interesse do leitor pagante. E, junto com a Fenaj, propõe às empresas e à sociedade a necessidade de taxação das multinacionais digitais, com a criação de um fundo público de fomento ao jornalismo.

Movimentação do emprego durante a pandemia

A relação entre novas admissões e demissões, ao longo dos meses de janeiro e outubro de 2020, obtida a partir dos dados do Novo Caged 2020, permite uma avaliação inicial sobre o impacto da pandemia do novo coronavírus no emprego dos profissionais do jornalismo. E o que os resultados mostram é que a redução de postos de trabalho continua: são 271 a menos.

O impacto maior é no interior, com saldo negativo de 189 jornalistas, no segmento que já tinha um universo menor (eram 5.161 em 2019, enquanto na capital o número era de 8.988). Cabe notar que também a remuneração média do interior é menor, com R$ 4.578, ante R$ 7.941 na capital.

Mesmo frente à pandemia, o setor de rádio e TV segue preservado, inclusive tendo gerado 70 novos empregos, enquanto o de jornais e revistas, apresentou perda geral de 160 vínculos.

Gênero

Mulheres têm presença maior e salário menor

As mulheres são 51,4% da categoria. Essa equidade aparente nos postos de trabalho passa longe quando tratamos de salário: a remuneração média recebida por elas em 2019 foi de R$ 6.090,40, enquanto a dos profissionais do sexo masculino era de R$ 7.374,50. Ou seja, elas recebiam apenas 82% da remuneração recebida por eles.

Quando o levantamento do Dieese detalha o número de mulheres e de homens e suas remunerações em cada uma das funções jornalísticas delimitadas no Código Brasileiro de Ocupação, é possível perceber que essa desigualdade salarial se dá em dois níveis. Primeiro, se a categoria é dividida ao meio em termos de gênero, o mesmo não acontece quando falamos de empregos com maiores salários: aí, de forma geral, há menos mulheres. Ao mesmo tempo, há diferenças significativas nas médias salariais entre trabalhadores e trabalhadoras que ocupam o mesmo tipo de cargo.

Assim, entre os trabalhadores registrados como “Editor”, por exemplo, há 1.695 homens com remuneração média de R$ 7.916,90, e 300 mulheres a menos, com média menor, de R$ 7.745,30. Entre designers gráficos, a diferença ultrapassa R$ 1.500. A situação reproduz, na nossa categoria, o que acontece no mercado de trabalho nacional. “A regra é que qualquer ocupação, em qualquer setor econômico, em qualquer faixa salarial ou nível de formação, as mulheres vão receber menos que os homens, mesmo nos setores considerados tipicamente femininos, como saúde ou educação”, afirma Adriana Marcolino, do Dieese.

Para ela, existe uma desvalorização monetária da força de trabalho da mulher. “Há todo um debate de que a qualificação, melhoraria a renda da mulher, mas estudo do Dieese mostra que, quanto mais aumenta o grau de formação, maior é o gap em relação ao salário do homem”.

Segundo Adriana, nossa sociedade entende que mulheres têm algumas habilidades específicas que são “naturais”, entre elas a capacidade de cuidar. Então, é também natural que o trabalho doméstico, reprodutivo, de cuidado, seja destinado às mulheres. “Uma trabalhadora que precisa dar conta da casa, dos filhos, vai ter mais dificuldade de inserção profissional. Ela vai ter que encontrar um trabalho com horários compatíveis com os da creche, por exemplo.”

A carreira profissional feminina é, geralmente, entrecortada por uma série de eventos com relação à questão reprodutiva, com impacto na remuneração. Ela exemplifica: “Eu estou num emprego em que tenho progressão na carreira, mas saio para a licença-maternidade, ou sou demitida depois disso [como acontece com mais de 50% das mães nos primeiros dois anos após o parto, segundo a Fundação Getúlio Vargas]. Quando volto ao mercado de trabalho, vou para o final da fila”.

Márcia Viana, secretária da Mulher Trabalhadora da CUT São Paulo, lembra que, em momentos de crise como o que estamos vivendo, as mulheres são as primeiras a serem demitidas, assim como os negros e os jovens. Isso por si é um efeito perverso do machismo no mundo do trabalho, mas também um dos fatores pelo qual a evolução salarial da mulher é constantemente interrompida.

Ela aponta que a maternidade, ou a possibilidade de a trabalhadora vir um dia a ficar grávida, é algo visto pelas empresas como uma oportunidade para pagar menos, para demitir. “Nós temos um presidente machista, que já disse que mulher tem que ganhar menos porque ela engravida”, lembra Márcia.

A dirigente cutista defende que “é preciso quebrar essa cultura de discriminação de gênero e de raça, que existe em todo o mundo. É importante os sindicatos sempre tentarem incluir nas convenções coletivas de trabalho cláusulas que tratem de salário igual para trabalho igual, do auxílio-creche, da licença parental compartilhada. Essa é uma luta intensa e contínua”.

Cor e raça

Pretos e pardos são só 13%

Uma hegemonia branca nas redações: são 72% dos jornalistas contratados. O retrato apresentado pelo levantamento do Dieese converge com o cenário nacional: setores com maiores salários (a partir de três salários mínimos, ou R$ 3.135,00) como bancos, montadoras – e o jornalismo – são majoritariamente brancos. E setores com os piores salários, como telemarketing, segurança, limpeza urbana, são majoritariamente negros.

É dessa forma que se organiza, na sociedade brasileira, uma desigualdade brutal: “Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) 2019, negros recebem em média 57,33% do valor médio que as pessoas brancas recebem. E a mulher negra recebe 43,4% em relação ao homem branco”, nos explicou Mário Rogério, coordenador do Censo de Diversidade Racial do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT).

Para Mário, a dificuldade de negros terem acesso a empregos mais bem remunerados tem a ver com os processos de recrutamento e seleção. “O negro tem de mostrar o dobro da expertise do branco, para ter o reconhecimento equivalente.”

Flavio Carrança, diretor do Sindicato e coordenador da Comissão de Jornalistas por Igualdade Salarial (Cojira-SP), adiciona outros fatores. “Como na redação são quase todos brancos, de classe média, dificilmente suas redes de relações vão incluir gente negra da periferia, ou mesmo gente negra de classe média, e isso influencia na contratação. Além disso, os poucos negros e negras estão na base, com salários mais baixos”, afirma, o que reforça o quadro apresentado por Mário.

“Eu também tenho a percepção de que há uma presença maior de profissionais negros em vagas sem vínculo empregatício, precarizadas, e também na chamada imprensa independente, como em jornais e sites da periferia”, avalia Flavio. Essa atuação não aparece na Rais.

O jornalista lembra que, em 2017, a Cojira fez um seminário que indicou propostas de ação do movimento sindical frente às empresas, como a inclusão de cláusula de combate a injúria racial nos acordos coletivos da categoria e estabelecimento de cotas mínimas de 30% de jornalistas negras e negros. “São pontos em que precisamos avançar, assim como um diálogo com os profissionais que atuam sem o vínculo, para elaborar propostas para esse segmento”, conclui.