EVENTO CHEGA À 43ª EDIÇÃO MANTENDO O CARÁTER POLÍTICO E RECONHECENDO A IMPORTÂNCIA DO JORNALISMO PROFISSIONAL COMO INSTRUMENTO DA DEMOCRACIA. TRABALHOS PREMIADOS REFLETEM A REALIDADE DO BRASIL SOLAPADO PELO GOVERNO BOLSONARO
por Eduardo Luiz Correia
O tradicional Prêmio Vladimir Herzog, que, por essência, representa a defesa dos direitos humanos, ganhou nova dimensão como símbolo de resistência e denúncia dos retrocessos sociais vividos pelo país nestes anos de governo Jair Bolsonaro. Mais uma vez, e de forma bastante enfática, a defesa da democracia e do jornalismo crítico e independente, assim como a denúncia dos abusos e desrespeitos aos direitos humanos, deram o tom da solenidade do 43º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
A jornalista e conselheira da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Cristina Serra, ressaltou a “circunstância adversa do momento, em que a afronta aos direitos humanos parte do próprio governo federal”. Lembrou ainda que a pauta dos direitos humanos é permanente no Brasil: “Somam-se às desigualdades históricas as circunstâncias deste momento em que a violência institucional é estimulada pelo próprio governo. Isso torna o desafio para o jornalismo muito mais complexo”.
Cristina Serra também destacou que “temos hoje negado para boa parte da população brasileira seu direito humano mais básico, que é o direito à alimentação, com milhões de famílias passando fome. Isso tudo põe ainda mais em relevo a importância do prêmio. Mais do que nunca o Prêmio Vladimir Herzog é necessário, assim como estimular o trabalho jornalístico voltado aos direitos humanos”.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), por meio de sua secretária-executiva, Cristina Zahar, disse que “neste cenário que temos vivido de pandemia de saúde e uma pandemia de desgoverno, nada melhor que ter este prêmio reafirmando a importância do jornalismo independente, crítico e plural”. Para Rogerio Sottili, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, o prêmio significa “um sopro de esperança no Brasil”, ao recordar a origem da premiação como símbolo da história dos jornalistas “que lutam pela resistência democrática”.
Márcia Quintanilha, diretora da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), destacou as dimensões do prêmio, que “mostrou que o jornalismo no Brasil é feito de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Tivemos matérias memoráveis fora do circuito Rio-São Paulo, de jornalistas de veículos independentes, o que mostra que o jornalismo está vivo em nosso país, que vai sobreviver e segue na defesa da democracia e da população ao estar o tempo todo denunciando os malefícios que estão sendo cometidos principalmente pela figura política mais importante do país”.
Nesta edição, houve 700 trabalhos inscritos, em sete categorias – artes, fotografia, produção jornalística em texto, produção jornalística em vídeo, produção jornalística em áudio, produção jornalística em multimídia e livro-reportagem.
O Prêmio Vladimir Herzog é promovido e organizado por uma comissão formada pelas instituições Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj); Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo; Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji); Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom); Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo; Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Conectas Direitos Humanos; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional); Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo; Periferia em Movimento; e Instituto Vladimir Herzog.
Houve quatro homenagens especiais neste ano
Em 2009, o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos retomou a proposta de homenagear com o seu troféu símbolo – uma meia lua recortada com a silhueta de Vladimir Herzog, criada pelo artista plástico Elifas Andreatto – personalidades e profissionais que se dedicaram às causas da democracia, justiça social e dos direitos humanos. Nesta edição, os homenageados foram a jornalista Neusa Maria Pereira, o repórter fotográfico Alex Silveira, o ator, diretor e dramaturgo e militante da luta contra a discriminação racial Abdias Nascimento e o jornalista, pesquisador e professor de comunicação social José Marques de Melo, os dois últimos in memoriam. Neusa Pereira, fundadora do Movimento Negro Unificado (MNU), e que hoje dirige a Abayomi Comunicação, foi pioneira na publicação de um texto sobre feminismo negro na imprensa do país. O diretor exe cutivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogerio Sottili, que entregou a homenagem, destacou a trajetória de vida e profissional da jornalista e militante. “Penso que este prêmio me fez ver que minha luta vale a pena”, disse Neusa Pereira. “Enquanto um negro estiver jogado na sarjeta, o Brasil não será um país democrático, não será um país livre”, completou.
Alex Silveira, quando cobria em 18 de maio de 2000 um protesto de professores pelo Agora-SP, foi atingido por um disparo de bala de borracha e perdeu 90% da visão esquerda. Depois de uma briga judicial que durou 21 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF), por 10 x 1, responsabilizou o Estado pela lesão do profissional de imprensa. O vice-presidente da Fenaj, Paulo Zocchi, disse que o caso de Silveira é “extremamente simbólico”, uma vez que as entidades sindicais defendem os jornalistas que denunciam as violações dos direitos humanos, e a Polícia Militar tem um “comportamento seguido” de desrespeito neste sentido. “Esse era o papel do Alex e este foi o reconhecimento do STF, o que fortalece o exercício profissional e da defesa dos direitos humanos”, completou Zocchi.
PRÊMIO ESPECIAL, CRIADO EM 2009, RECONHECE CARREIRAS DEDICADAS À DEMOCRACIA, JUSTIÇA SOCIAL E AOS DIREITOS HUMANOS
Alex Silveira criticou a ação violenta da polícia, lembrou que se tratava de um protesto de professores e lamentou que a decisão da Justiça tenha demorado tanto tempo: “Me deixa indignado que uma decisão que, para mim, era muito óbvia, levou tanto tempo na discussão sobre a minha culpa. Foi sim uma decisão política, muito mais do que jurídica”. Apesar de Silveira ter vencido em primeira instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reformou a decisão em 2014 sob alegação de que a culpa era do repórter fotográfico por estar no local do tumulto.
A sua importância no campo da pesquisa e do ensino do jornalismo e da comunicação valeu a José Marques de Melo um lugar entre os homenageados especiais desta edição. Os professores e pesquisadores Edgard Rebouças, pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), e Ricardo Alexino Ferreira, da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP), apontaram o pioneirismo, a qualidade e a produção científica de Melo para o pensamento comunicacional latino- -americano. Maria Silvia Marques, viúva de Melo, recordou que José Marques, um dos fundadores da ECA, contratou Vladimir Herzog como professor na faculdade: “Somos uma grande família”.
Alexino Ferreira, ao entregar o prêmio para Elisa Larkin Nascimento, companheira de Abdias, disse que o homenageado, ícone na luta pela igualdade racial, “pensou muito no jornalismo em seu viés humanitário, marcado pela diversidade que pudesse lutar contra o racismo. Eu diria que foi um homem multímidia que sempre trouxe a questão dos direitos humanos e da diversidade nas pautas que defendia”. Elisa Larkin ainda ressaltou que a homenagem reconhece o trabalho de Abdias, mas também coletivo promovido pelo movimento negro. Lourenço Diaféria, Audálio Dantas, Alberto Dines, Perseu Abramo (criador do prêmio), Eduardo Galeano, Dom Paulo Evaristo Arns foram algumas das várias personalidades homenageadas em anos anteriores.