Resenha: Rosane Borges e o Fórum Aquilombô

por João Marques

Havia possibilidade de interrom­per o golpe em 2018, Haddad era candidato forte e Bolsonaro não tinha a mínima chance de passar para o segundo turno. Mesmo que passas­se, não resistiria a uma frente ampla, nem sobreviveria aos debates. Essa era a aposta e o diagnóstico na época, descritos em um artigo do livro Fragmentos do Tempo Pre­sente, de Rosane Borges (Aquilombô, 160 págs.), lançado no final do ano passado; porém, aconteceu o improvável, analisa­do em outro artigo, escrito logo após o resultado da eleição. Hoje, acompanhan­do o noticiário e lendo alguns colunistas, somos provocados a comparar esse Tem­po Presente aos dias atuais. Bolsonaro se mantém na faixa dos 20%, a terceira via derrete e Lula pode ganhar já no primeiro turno. Notícias tímidas, entretanto, dão conta de que o outro lado está se armando, literalmente.

Mas não é só de eleição que tratam os artigos reunidos nesse volume. Publi­cados inicialmente no blog da editora Boitempo, na CartaCapital, no Jorna­listas Livres e na revista Cult, entre se­tembro de 2016 e janeiro de 2019. Neles, a autora faz reflexões críticas sobre di­versos temas, tendo como princípio os retrocessos provocados pela ascensão do neoliberalismo e da extrema-direita. Resenha o livro Mulheres, Raça e Classe, de Angela Davis, para falar da exclu­são capitalista motivada por racismo e sexismo; comenta sobre as bolhas das redes sociais e a criação do “homem sem sono”, aquele sempre ligado ao servi­ço de notícias e às postagens; analisa o fenômeno macabro do jogo da “Baleia Azul”, os 50 desafios que iam da auto­mutilação ao suicídio; cita entrevista com o ator Denzel Washington, vítima de notícias falsas, e faz reflexões sobre a pós-verdade e a crise do jornalismo; cita também a recusa de Pedro Cardoso em participar do programa Sem Censura, da EBC, valoriza o ato da insurreição e comenta sobre jornalistas que não se sentem integrantes de uma categoria profissional, mas sócios das empresas em que trabalham; também faz a crítica da peça teatral Traga-me a Cabeça de Lima Barreto e fala de racismo e eugenia; entre tantos outros assuntos.

Rosane Borges é jornalista, doutora em Ciência da Comunicação e professora da ECA-USP; articulista da IstoÉ, também escreve para a Folha de S.Paulo. Autora de Espelho Infiel: O Negro no Jornalismo Brasileiro; Sueli Carneiro, um Perfil Bio­gráfico; e Esboços de um Tempo Presente. Para Muniz Sodré, que escreve a orelha, “Rosane lança mão do espaço que se lhe oferece para mostrar que o jornalismo reflexivo e crítico não depende do suporte exclusivo da mídia hegemônica e que o caminho a ser trilhado é o da reinven­ção das formas.” Fragmentos do Tempo Presente é parte da Série Editorial Aqui­lombô, uma das atividades do Fórum Per­manente das Artes Negras – Aquilombô. Dedicado à promoção e empregabilidade de artistas negros, promove residências artísticas, seminários, apresentações e catalogações das artes produzidas por pessoas negras. A residência do Labo­ratório Editorial Aquilombô tem caráter permanente e publica livros de pensado­res negros brasileiros.