por João Marques
Em meados da década de 1920, jovens intelectuais se reuniam no Café Continental, esquina da rua do Imperador com a Primeiro de Março, no Recife, para falar de política, literatura, arte e discutir o modernismo; eles partiam do pressuposto de que era necessário um certo respeito ao passado, ao contrário dos paulistas, que queriam negar tudo o que veio antes, para criar a modernidade. É nesse cenário, que Maurício Melo Júnior ambienta seu novo romance, Não me empurre para os perdidos (Cepe, 180 págs.). José Lins do Rego, Joaquim Inojosa, Joaquim Cardozo, Austro-Costa, Oscar Brandão, João Barreto de Menezes, Otávio Moraes, Ascenso Ferreira, Gilberto Freyre e Joaquim Pimenta são alguns dos personagens dessa história, e o narrador F. convive com todos eles.
F. é um escritor estrangeiro, que aguarda sua aposentadoria de servidor inválido, enquanto exerce o “detestável” trabalho de tradutor, em um escritório de importação e exportação, no centro do Recife: “transponho para o alemão o que é português e para o português o que é alemão”. O autor não explicita, mas há várias pistas que levam a crer que F. seria Franz Kafka. O escritor tcheco sempre quis vir para a América, e Maurício realiza seu desejo, o traz para o Brasil e o coloca para conviver com toda a intelectualidade recifense da época.
Maurício Melo Júnior leva Kafka à beiramar do Recife por João Marques Maurício Melo Júnior é jornalista, documentarista, crítico literário e escritor; foi repórter de cultura do Correio Braziliense e, desde 2001, trabalha na TV Senado, onde dirige e apresenta um programa dedicado à literatura brasileira, o Leituras. Não me empurre para os perdidos é seu segundo romance. Escreveu Noites simultâneas e outros 22 livros, entre crônicas, novelas, infantojuvenis e infantis; é pernambucano e mora em Brasília.
Com o recurso da metalitetura, costura três histórias e, no início, o livro é apresentado por Max, personagem de uma delas. Max tem tudo, “papéis, riscos, histórias contadas, pedaços de prosas e a missão de queimá-los”; recebeu, pelo correio, um caderno pautado, cujo remetente é “F. – Brazilien”, abre e as histórias começam: a saga de Max, que, por questões burocráticas, demora nove dias para enterrar um amigo – na biografia de Kafka, consta mesmo atraso; há, também, nove capítulos de um romance sobre as aberrações de uma guerra secular, em que os motivos se perderam com o tempo, e um diário. Nele, F. fala das tardes no Café Continental, defende a importância da leitura e da escrita, maldiz seu ofício de tradutor, narra o namoro com Arminda, seu “amor repentino e tardio”, descreve o Recife da época e conquista o leitor; o diário ocupa a maior parte do livro, relata os nove últimos dias de F., que começam no dia 3/6/1924, data da morte de Kafka, e terminam no dia 11, quando foi finalmente sepultado.
Finda-se aqui uma narrativa inútil, embora não me pareça concluída, precisa de retoques, reescritas, ajustes, limpeza dos chavões, cortes nas repetições, mesmo assim posso dormir, com o único pensamento que ainda me inquieta, os fantasmas que me habitam e assombram meu coração. (Trecho do livro)