Resenha: José Falero e a novíssima literatura brasileira

por João Marques

Dá muito trabalho escrever um romance, principalmente um bom romance, desses que têm os personagens bem construídos e uma história que prenda o leitor; já ouvi isso de amigas e amigos que se arriscaram a produzir os seus. O percurso de José Falero para elaborar, finalizar e publicar Os supridores (Todavia, 304 págs.), ilustra muito bem essa tese; não só pela dificuldade em criar, mas, também, pela exclusão, que fez da literatura brasileira, predominantemente, a voz da elite. Há exceções, resistentes históricos e, mais recentemente, movimentos de cultura periférica, que combinados com políticas públicas e investimentos em educação, fizeram surgir a chamada novíssima literatura brasileira, diversificando as vozes contemporâneas. Mas ainda é pouco e, se continuarem os atuais retrocessos, virão os efeitos nefastos, com o risco de a produção literária, em curto prazo, se tornar novamente exclusividade da elite.

Morador, desde a infância, da Lomba do Pinheiro, bairro da periferia de Porto Alegre, Falero teve que abandonar a escola aos 16 anos, para ajudar em casa; trabalhou em supermercado, de ajudante de pedreiro e porteiro. Adolescente, gostava das animações japonesas e começou a criar suas próprias histórias, inspiradas nos mangás e usando familiares e amigos como personagens.

Depois, aos 20, foi ler ficção e descobriu que “muita coisa só é possível por meio da literatura”; instituiu uma rotina de dupla jornada de trabalho — oito horas no emprego e oito lendo e escrevendo — e passou a produzir contos e a trabalhar num romance. Os contos viraram seu primeiro livro, Vila Sapo, publicado pela Venas Abiertas, em 2019; o romance teve três versões e levou dez anos para ficar pronto. No terceiro ano, colocou o primeiro ponto final e correu atrás das editoras, sem sucesso, reviu o texto e, insatisfeito, reescreveu o livro inteiro. Nesta última versão, modificou todos os diálogos, característica marcante da obra, que tem o narrador em terceira pessoa, seguindo a norma culta, e os diálogos em linguagem coloquial, com as gírias da periferia.

O protagonista Pedro mora no bairro da Lomba do Pinheiro, na Vila Sapo, extremo leste da capital gaúcha, e trabalha numa loja da rede Fênix de supermercados, no centro da cidade, era supridor (chamado de repositor em São Paulo). O percurso que fazia de ônibus, para ir e voltar, era longo, então aproveitava esse tempo, lendo; lia de tudo, até Karl Marx, e foi o filósofo alemão que o influenciou a tomar a decisão que mudou sua vida. “… o maior pecado é tu dissociar o dinheiro do trabalho, é tu fazer um dinheiro produzido por um trabalho ir parar nos bolso de quem não participou desse trabalho”. Pedro diz isso a Marques, numa longa conversa que tem com o colega, num dos capítulos iniciais do livro; fala de marxismo, de mais valia, das injustiças do sistema capitalista, da incapacidade em se mudar o mundo — “Já tentaram. Mas não funcionou” —, e resolvem ficar ricos também, mas sem explorar ninguém; montam uma espécie de cooperativa e vão vender maconha; depois disso vem uma longa história, dessas que prendem o leitor. •