por João Marques
Começo esta resenha pelo final, mas não darei spoiler, pois a história em que Anita Deak se baseou para escrever seu novo livro, No fundo do oceano, os animais invisíveis (Reformatório, 172 págs.), já é muito conhecida, apesar de não ter sido totalmente esclarecida, como mostra outro lançamento, o Vala de Perus, uma biografia, de Camilo Vannuchi (nas dicas). Pedro Naves, o personagem principal, viveu sua infância em Ordem e progresso (grafado com inicial minúscula), onde “sofrer era desvio de caráter”, foi fazer o colégio na cidade, conheceu Sara, leu os livros de Seu Altino, pai de Sara, ingressou na Faculdade de Letras, participou de organização política, entrou para a guerrilha e foi parar numa região fictícia, inspirada no Araguaia. Lá havia um general que dizia: “Basta limpar os rastros e nem se terá notícias disso”. E, até hoje, dedicados militantes vêm, há décadas, tentando desmontar a estratégia desse general.
Sua mãe queria que estudasse para padre, “é tão bonito ter um padre na família”, já o pai o preparava para continuar seu trabalho, na terra e no pasto, “é a repetição que cria o sentido de pertencimento”. Mas as palavras o fizeram se voltar contra Deus e contrariar a mãe, as mesmas palavras que o professor Belisário lhe mostrou no dicionário e que o levaram aos livros. Primeiro, os de Belisário, com quem pegou o gosto pela leitura; depois, os de Seu Altino, de formação política, que lhe inspiraram e deram a ele um destino diferente de tudo que o pai esperava.
Anita Deak é jornalista formada pela PUC-RJ, pós-graduada em Jornalismo Literário, trabalhou na Editora Abril e foi repórter de Cultura no Jornal da Tarde. Seu romance de estreia, Mate-me quando quiser (Gutenberg, 248 págs.), narrado em terceira pessoa, conta a história de uma mulher que contrata um assassino de aluguel para matá-la. Ela quer morrer em Barcelona e, para isso, envia ao matador a passagem de avião, o endereço de onde ficará hospedada e lhe dá um prazo de quatro meses. Nesse período, aparecem outros personagens e novos planos que se cruzam, provocando coincidências, criando mistérios e surpreendendo o leitor.
Dividido em pequenos capítulos, sem identificação e com diálogos corridos, seu novo livro é narrado em primeira pessoa, exceto alguns trechos, nos quais a autora muda a perspectiva e uma terceira pessoa assume a narrativa. “O tempo é um susto, quando você viu já foi”, estava escrito no epitáfio do avô de Pedro, e é com essa velocidade, como num fluxo de consciência, em que o narrador mistura, na mesma cena, algumas vezes sem ordem cronológica, os vários períodos de sua vida; além de umas passagens fantásticas, por conta do “encantado”. Imagens da infância aparecem nas aulas da faculdade, de onde, com base no Decreto-lei 477, ele foi expulso; ou em uma sessão de tortura, que teve de suportar, por 48 horas, sem entregar o endereço do aparelho. Pedro Naves tenta controlar o tempo, alongando o trecho em que descreve a cena de um corredor, para jamais chegar à sala de tortura, “mas chego porque assim me obrigam as palavras”.