Repórter: profissão de risco durante a pandemia

Condições inerentes ao trabalho de profissionais os expõem ao risco de contaminação da covid-19; Sindicato reivindica inclusão da categoria entre os grupos prioritários de vacinação

por Adriana Franco

Um incêndio em um hospital municipal leva a imprensa ao local para cobrir o fato. São repórteres de texto e imagem de rádio, televisão, jornal impresso e portais que, posteriormente, se reúnem com editores para preparar a notícia. Alguns dias depois, 23 destes profissionais testaram positivo para a covid-19.

O fato aconteceu em Aracaju (SE) e explicita o risco ao qual jornalistas estão expostos na cobertura jornalística. Em São Paulo, o trabalho presencial em algumas emissoras de TV com falhas no protocolo pode ter sido o responsável por surtos de contaminação que ocorreram em redações, casos em que o Sindicato buscou agir com urgência. Além disso, repórteres reclamam de coletivas do governo do estado e coberturas da Presidência da República por conta da aglomeração que provocam.

Bianca*, que é repórter em uma emissora de TV em São Paulo, conta que os protocolos de segurança nas coletivas do governo do estado só são observados em determinado local do Palácio dos Banderiantes. Em outros locais ou coletivas, as mesmas regras não são cumpridas. “A pior situação que vivenciei foi a cobertura das doses da Sinovac chegando ao aeroporto de Guarulhos. Liberaram para fazer as imagens, acessar a pista e a gente ficou completamente amontoado. A minha cabeça amassada entre duas pessoas para conseguir segurar o microfone porque o governador decidiu falar e a gente não estava esperando. Eu fui embora com muito medo, foi aterrorizante mesmo”, relatou Bianca.

Sindicato exige explicações do governo do estado sobre por que coletivas de autoridades são realizadas sem medidas para proteger os participantes

Covidário
As coberturas das atividades no estado do presidente Bolsonaro e de alguns de seus ministros, que têm como prática não usar máscara em eventos oficiais, foram apelidas pelos repórteres de covidário. Fernanda*, repórter em outra emissora de TV, relata que é comum que Bolsonaro ignore e provoque aglomeração propositadamente, mesmo quando há púlpito montado, o que poderia garantir segurança e distanciamento aos profissionais.

Por autoproteção, a jornalista adota estratégias para não se contaminar no dia a dia: “O que a gente tenta fazer é não se embolar. Teve uma situação, há pouco, em que ele [Bolsonaro] não ia falar, então não ia ter sonora. Quando ele chegou no meio da multidão, eu me afastei. Mas meu colega que é repórter cinematrográfico tinha que fazer a imagem.”

Covid como doença do trabalho
Diante de um vírus com grande capacidade de disseminação em lugares com aglomeração de pessoas, os locais de trabalho tornam-se um ambiente propício à sua disseminação. Segundo a médica e pesquisadora em saúde do trabalhador, Maria Maeno, estas são características dos locais de trabalho. Para piorar, é onde o trabalhador não é capaz de controlar sua forma de estar.
“Todas as atividades de trabalho que proporcionam o contato com pessoas, com o ar infectado ou com pouca renovação de ar, são circunstâncias que contribuem para a covid se disseminar. Por isso, nós defendemos que os trabalhadores em trabalho presencial com covid tenham a doença presumivelmente relacionadas ao trabalho”, disse Maria.

Configurar a covid-19 como doença do trabalho é importante especialmente para garantir direitos aos trabalhadores celetistas, tais como manutenção da contribuição ao FGTS durante o afastamento, estabilidade no emprego, não necessitar de carência de contribuição previdenciária para receber o benefício e recebimento de adicional até a aposentadoria em caso de sequelas.

Um grupo de pesquisadores busca informações de adoecimento por coronavírus que sirvam de subsídios para os sindicatos planejarem suas ações de prevenção da doença e minimização de consequências clínicas e sociais. Os jornalistas que tenham atuado presencialmente na pandemia podem participar.

Locais de trabalho são ambientes propícios à disseminação do coronavírus, mas a dificuldade em comprovar a forma de contaminação dificulta o enquadramento da covid como doença laboral

Atuação sindical
O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP) aprimorou, ao longo da pandemia e por meio de diálogo com a categoria, as recomendações e reivindicações de segurança, adaptadas às condições concretas de trabalho. Originalmente enviadas em março de 2020 às empresas, elas incluem: colocar em home office o maior número possível de profissionais, testagem periódica, afastar profissionais sintomáticos e aqueles que tiveram contato com casos suspeitos até testagem.

Desde janeiro de 2021, o SJSP também tem insistido na inserção da categoria entre os grupos prioritários de vacinação. Há um debate na categoria sobre o assunto, mesmo que haja amplo concesso dos profissionais que a principal reivindicação é a vacinação já de toda a população. Boa parte dos colegas avalia que os jornalistas que estão em trabalho presencial deveriam ser priorizados na imunização, mas há aqueles contrários por considerarem que há outros setores mais ameaçados.

Em junho, em uma reunião organizada pelo SJSP para discutir a questão, a maioria dos presentes avaliou que os jornalistas deveriam estar ao lado de outras categorias profissionais que estão expostas ao risco de contágio em decorrência direta do seu trabalho. Fernanda concorda com a reivindicação, por entender que “o jornalismo é o canal por onde as pessoas vão se informar, então é realmente um serviço essencial que não tem como parar.”

* Os nomes das jornalistas foram trocados para preservar a identidade das profissionais


Coletiva de Doria aglomera centenas

Próximo ao fechamento do Unidade, o Sindicato entrou em contato telefônico com a Secretaria de Comunicação do Governo do Estado em função de aglomeração com centenas de prefeitos, assessores e outros políticos de diversas partes do estado em atividade com o governador João Doria (PSDB). As explicações foram insuficientes, e o SJSP formalizou a cobrança para que o governo apresente esclarecimentos públicos sobre por que o lançamento foi organizado dessa forma, e quais as providências tomadas para que esse quadro não se repita.

O Sindicato também cobra das empresas de comunicação que garantam aos jornalistas o direito de não se colocarem em situação de risco de contágio por irresponsabilidade de terceiros.

Saiba mais: https://bit.ly/3hq54ve