Reação impõe fim do veto do LinkedIn a cotas raciais

Resposta da sociedade faz plataforma recuar da exclusão de anúncio de vagas só para negros ou indígenas

por Flavio Carrança

Milton Beck (foto), diretor-geral do LinkedIn/América Latina, disse que a política de anúncios da plataforma foi atualizada e agora permite a divulgação de processos seletivos que favoreçam pessoas e grupos historicamente desfavorecidos

Depois de excluir um anúncio de vaga de trabalho que dava prioridade, na seleção, para pessoas negras e indígenas, em posicionamento contrário às políticas de ação afirmativa, a plataforma LinkedIn foi obrigada, em menos de 15 dias, a recuar da medida por conta da forte reação negativa que provocou. Sob o argumento de que suas políticas de publicação não permitem vagas que excluam ou demonstrem preferência a profissionais por quaisquer tipos de características – como idade, gênero, raça, etnia, religião ou orientação sexual –, a maior rede profissional do mundo derrubou o anúncio para a coordenação do setor administrativo e financeiro aberta pelo Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo), que dizia dar preferência a uma pessoa negra ou indígena.

O ato da plataforma repercutiu negativamente, de início junto a empresas, órgãos públicos e organizações do terceiro setor envolvidos com a implementação de políticas de ação afirmativa com foco no aumento da equidade racial no mercado de trabalho, o que abriu um debate público sobre o tema. Matéria da jornalista Fernanda Brigatti, publicada na Folha de S. Paulo em 24 de março, informava que, na véspera, as organizações Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) e Centro Santo Dias de Direitos Humanos entraram com ação judicial pleiteando que a rede social fosse condenada a pagar R$ 10 milhões em danos morais coletivos (os quais deveriam ser destinados a entidades ou ações definidas pelo Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial) e pedindo que o LinkedIn fosse condenado a assumir compromisso público de reativar todas as vagas com ações afirmativas, incluindo cláusulas antirracistas em seus contratos. O advogado responsável pela ação, Marlón Reis, disse à Folha entender que a conduta do LinkedIn contrariava a Constituição e os compromissos assumidos pelo Brasil para lidar com a inclusão de segmentos vulnerabilizados.

No mesmo dia, entidades empresariais começaram a divulgar cartas nas quais questionavam a decisão do LinkedIn e pediam que a plataforma detalhasse os critérios para manter anúncios de vagas e explicasse como vê os programas de ações afirmativas no Brasil. Assinado por cerca de 350 organizações – como Natura&CO, empresa mãe de Natura, Avon e The Body Shop, e a XP, além de movimentos como Mulher 360, Coalização Empresarial Para Equidade Racial e de Gênero, Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, Instituto Ethos, Rede Empresarial de Inclusão Social e diversas personalidades – um “Manifesto empresarial em defesa da ação afirmativa declarava que a suposta política antidiscriminatória do LinkedIn é anacrônica, obtusa e deslocada da realidade social, racial e de gênero do Brasil”. No mesmo período, a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, formada por 60 empresas em prol da diversidade racial, pediu esclarecimentos ao LinkedIn sobre a medida adotada, no Brasil e nos Estados Unidos (sede da empresa), contando nessa iniciativa com apoio de 44 companhias, entre as quais Vivo, Santander, Ambev, Magalu, Unilever, Renault, Itaú, Coca-Cola, Bayer, Natura e Procter & Gambler.

O Procon-SP e o Ministério Público Federal (MPF) também notificaram o LinkedIn, que foi questionado pelo órgão de defesa do consumidor sobre como é feita a publicação de vagas na plataforma, se existem políticas norteadoras desse processo e sobre como os anunciantes são informados a respeito delas. Os procuradores da República afirmaram que a derrubada da publicação contraria os esforços para a inclusão por meio de ações afirmativas. Uma nota do   MPF afirmava que o Supremo Tribunal Federal (STF) entende medidas como a reserva de vagas “não somente como reparação histórica  em favor de grupos subalternizados, mas como forma de beneficiar toda a sociedade prospectivamente, por meio da construção de espaços mais plurais e menos excludentes”.

Em artigo publicado no UOL no dia 26 de março, o advogado Daniel Bento Teixeira, diretor do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), afirmava que o posicionamento do LinkedIn contra anúncios de vagas por instituições empregadoras que  promovem a equidade racial por meio de ações afirmativas revela um comprometimento da rede social com uma sociedade desigual e injusta, acrescentando que a sociedade brasileira tem no racismo sua primeira matriz de desigualdades e lembrando que a Constituição Federal, em seu artigo 170, impõe às empresas e outras instituições empregadoras um papel ativo na  redução das desigualdades, mas lembrando que a questão vai muito além das implicações jurídicas. “O que emerge em algumas instituições – escreve Teixeira – é, sobretudo, resistência aos avanços para a equidade que vêm sendo obtidos pelas ações afirmativas”.

Depois de toda essa polêmica, no dia 29 de março, o diretor-geral do LinkedIn para a América Latina, Milton Beck, concedeu entrevista exclusiva à repórter Marina Dayrell, de O Estado de S. Paulo, anunciando que o LinkedIn teria atualizado a sua política global de anúncios de vagas, passando a permitir a divulgação de processos seletivos e vagas de emprego que expressam preferências por pessoas e grupos historicamente desfavorecidos, como negros, indígenas, pessoas com deficiência, mulheres e LGBTI+.

Questionado pela jornalista sobre a demora da plataforma em emitir um posicionamento, ele explicou que não era uma decisão simples pelo fato de a empresa não operar somente no Brasil, mas afirmou que a plataforma reconhece a importância de permitir que grupos menos favorecidos possam ter uma inclusão maior no mercado de trabalho, ressaltando que a nova política vale apenas para grupos historicamente sub-representados, o que significa que anúncios discriminatórios não serão permitidos. “A nossa política diz que o LinkedIn proíbe a discriminação em anúncios de emprego com base em características protegidas, como idade, sexo, deficiência, etnia, raça e orientação sexual. No entanto, em uma jurisdição onde isso seja legalmente aceito, o LinkedIn pode permitir anúncios cuja linguagem expressa preferência por pessoas e grupos historicamente desfavorecidos”, declarou Beck ao Estadão.