Em sete anos, houve redução de 24% dos postos de trabalho formais para jornalistas no estado. O número de vagas recuou ao pior nível desde 2007, e o impacto maior foi sobre as mulheres
por Priscilla Chandretti
Entre 2013 e 2020, nossa categoria perdeu, 4.319 postos de empregos formais, redução de 24% no período. As informações são de levantamento anual realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a pedido do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP), e se referem a vínculos empregatícios (celetistas ou estatutários). Como já apareceu nos estudos anteriores (2020 e 21), o primeiro gráfico na página 9 mostra um aumento do mercado formal, até 2013, e depois um recuo constante.
Nesse cenário, não se computam vagas informais, MEIs e outros tipos de pessoas jurídicas (incluindo fraudes no vínculo empregatício, quando o jornalista é assalariado de uma empresa mas o empregador impõe uma pretensa relação entre CNPJs, ou quando de fato o jornalista possui o próprio negócio), autônomos e frilas, e demais tipos de arranjos profissionais que possam acontecer na nossa categoria.
Pela própria natureza desses casos, é difícil conseguir dados com precisão. Um levantamento entre os sindicalizados ao SJSP pode dar pistas: 65% afirmam não possuir vínculo empregatício (dados obtidos a partir da declaração dos filiados, portanto, pode haver imprecisão).
A curva no gráfico de empregos formais acompanha, de forma aproximada, o movimento do mercado de trabalho nacional. Até 2012, o índice de desemprego foi sendo reduzido até chegar, naquele ano, em 6.1%; o trabalho informal também sofreu redução, chegando a 32,5% da população ocupada. Em 2019, a desocupação tinha aumentado a quase o dobro, e chegava a 11,9% (após bater em 13,9% em 2017), e o mercado informal retornava ao índice de 41,3% da economia brasileira. Estes números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e da PNAD Contínua, ambas do IBGE.
Ou seja, na última década, no Brasil, diminuiu enormemente o número de pessoas ocupadas, e, entre elas, diminuiu também a percentagem de empregados formais.
Porém, nossa categoria também sofreu diretamente o impacto, a partir da expansão dos smartphones por volta de 2014, do aumento do consumo de notícias e do fluxo de publicidade mediados por grandes plataformas digitais, como Facebook e Google. Como o Unidade já reportou, a forma predatória como essas big techs usam o material jornalístico produzido por outros, aliado a uma resposta das empresas de jornalismo de economizar, justamente, na força de produção capaz de dar valor às publicações, tem contribuído fortemente com a redução ou fechamento de redações, em especial nas empresas de jornais e revistas.
COMO O ESTUDO FOI FEITO
O Dieese, ao qual o Sindicato dos Jornalistas é filiado, se baseou na Rais 2020 e do Novo Caged 2021, divulgados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência, que captam informações dos trabalhadores do mercado formal e possibilitam a desagregação de diversas características.
Como jornalistas são trabalhadores que podem atuar em qualquer empresa de qualquer setor econômico, e como dentro das empresas de comunicação trabalhadores que exercem uma ampla gama de funções são enquadrados como jornalistas, o Sindicato e o Dieese trabalharam para selecionar e delimitar 19 ocupações segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o que é preciso o suficiente para este fim.
Porém, nossa categoria também sofreu diretamente o impacto, a partir da expansão dos smartphones por volta de 2014, do aumento do consumo de notícias e do fluxo de publicidade mediados por grandes plataformas digitais, como Facebook e Google. Como o Unidade já reportou, a forma predatória como essas big techs usam o material jornalístico produzido por outros, aliado a uma resposta das empresas de jornalismo de economizar, justamente, na força de produção capaz de dar valor às publicações, tem contribuído fortemente com a redução ou fechamento de redações, em especial nas empresas de jornais e revistas.
Redução mais acentuada entre mulheres
Desde que os dados captados pelo Dieese começam, em 2006, metade ou mais da nossa categoria são mulheres. À medida que aumentou o número de postos de trabalho, aumentou também a proporção, sendo o topo em 2012, com 53%. Em 2020, foi de 51,3%. No quadro de retração de emprego, isso significa que quem mais perdeu oportunidades de trabalho foram as mulheres.
Entre 2013 e 2020, perdemos 2.445 mulheres empregadas; já os homens são 1.874 a menos.
Já a diferença salarial entre elas e eles têm variado pouco. Em 2020, o salário médio das jornalistas correspondia a 84% do salário médio deles. No ano anterior, era 82%.
“Essa realidade tem raiz no preconceito e discriminação e nas ideias sociais e culturais que ainda vinculam a mulher à obrigação maior com os cuidados com a prole, com a casa, e também a obrigação de se adaptar ao mercado – nesse caso, aceitando ser PJ ou freelancer”, avalia a secretária-geral do Sindicato, Candida Vieira.
E ela alerta: “Se essas premissas forem verdadeiras, nós vamos encontrar um recuo ainda maior de empregos entre as mulheres quando forem computados os números de todo o período da pandemia.” E isso não só por causa da crise econômica e do derretimento do emprego no país. Mas também porque, de acordo com diferentes estudos e pesquisas, muitas mulheres arcaram praticamente sozinhas com a ausência de creches, escolas, e uma rede de apoio para cuidar dos filhos, o que deixou uma parte completamente esgotada, e outra parte foi levada a abrir mão de seus trabalhos remunerados, parcial ou totalmente.
Sinais de recuperação
Contraditoriamente, porém, o documento do Dieese mostra que o nível de emprego na categoria pode ter começado a se recuperar em pleno 2021. Números do Novo Caged, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do governo federal, mostram que chegamos a outubro com um saldo positivo de 415 novas vagas. É pouco diante da queda anterior, mas o importante é que indica uma possível uma inversão de sentido no gráfico – apontando para cima.
Esse cenário, no entanto, precisa ser confirmado tanto com os dados de novembro e dezembro – o Caged é mensal, e cada nova publicação agrega dados, inclusive nos meses anteriores –, como em comparação com a próxima Relação Anual de Informações Sociais (Rais), também publicada pelo governo federal, que serve de base para o gráfico de comparação histórica com que abrimos esta reportagem.
Jornais e revistas puxam retração
Nos gráficos ao lado, é possível perceber que os dois principais segmentos de atuação sindical do SJSP realizam movimentos opostos, tanto em relação ao nível de emprego como, em consequência, à massa salarial.
Nas empresas de jornais e revistas do estado, prossegue o cenário de encolhimento drástico, com 1.641 empregados (eram 4.281 em 2010, o ano mais alto no setor). Mas há, desde 2019, tímida reação em relação a 2018, ano com menor nível e com queda mais acentuada.
No segmento de rádio e TV, a oferta de vagas continua crescendo. Desde 2010, são quase 900 a mais, atingindo 3.432. Mas cabe notar que, na comparação entre 2020 e 2019, o salário médio no setor teve queda real de 3,3%, o que não aconteceu no setor de impressos.
Movimentação nos locais de trabalho
Para esta reportagem, também consultamos outro estudo do Dieese realizado a pedido da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e pela Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ). Há duas diferenças na base de dados: a mais importante é que esses números são nacionais. Além disso, enquanto a maior parte dos gráficos destas páginas inclui informações da Rais 2020, a pesquisa nacional registra a Rais entre 2010 e 2019.
Aqui, buscamos analisar tendências de movimentação entre os diferentes setores econômicos em que se desenvolve o jornalismo. Afinal, o estado de São Paulo representa 30% do total nacional da categoria.
A redução de redações de jornais e revistas se confirma nacionalmente. Salta aos olhos, enquanto isso, o grande crescimento em empresas de internet (provedores e portais), mesmo que profissionais neste segmento econômico representem ainda um percentual tímido no cômputo total. Inclusive, foi um dos poucos segmentos em que o emprego cresceu ano após ano, não sendo afetado por nenhum tipo de crise.
“É fato que cada vez mais uma parte significativa da categoria está migrando para um trabalho no jornalismo digital e redes sociais. Isso aparece tanto neste número crescente de empregados em portais e provedores de internet, quanto no fato de que mesmo no segmento de rádio e TV, e de jornais e revistas, os profissionais se envolvem cada vez mais num trabalho que é divulgado e publicado na internet. Profissionais de portais, por exemplo, como o G1 ou o R7, aparecem neste levantamento como jornalistas no segmento de rádio e TV, porque trabalham em empresas de TV. Portanto, essa discussão diz respeito ao conjunto da categoria, e o movimento sindical dos jornalistas tem que atualizar discussões que envolvem acúmulo de funções, reprodução do trabalho jornalístico, porque as empresas se aproveitam dessa mudança tecnológica acelerada para ampliar a exploração e as tentativas de rentabilizar o trabalho jornalístico a despeito do jornalista”, explica Paulo Zocchi, vice-presidente da Fenaj.
Composição racial continua a mesma
“A cada ano, a mesma ferida continua aberta. É isso que nós, jornalistas negras e negros, constatamos a cada novo estudo. Temos grandes empresas de comunicação adotando e anunciando programas de diversidade nas redações. Porém, os números são incontestáveis e vemos que, na verdade, essas iniciativas são apenas uma tentativa de mostrar inclusão de negras e negros, que não há na realidade”.
A avaliação é da secretária-geral do SJSP, Candida Vieira, e ela se refere ao fato de que, em 2020, jornalistas pretos e pardos eram apenas 14% no mercado formal. Isso não representa quase nenhum avanço frente ao ano anterior, quando se registrou 13%. Em números absolutos, são apenas seis profissionais a mais. Neste tema, destacamos que as informações de raça/cor na Rais são fornecidas pelos RHs dos empregadores, e incluem ainda as raças indígena, amarela, não identificada e ignorada.
Perfil do sindicalizado
Neste ano, o SJSP iniciou uma sistematização dos dados cadastrais dos jornalistas sindicalizados, buscando levantar quais são os setores mais presentes na entidade. É parte de um esforço de avaliação para saber se o Sindicato tem servido como ferramenta de defesa dos interesses dos diversos segmentos da categoria.
As informações não são completas (o quesito raça/cor ainda não foi informado por 72% dos sindicalizados), e precisam ser o objeto de uma análise mais aprofundada, mas permitem iniciar alguns debates. Por exemplo, sobre a participação de jovens e mulheres em proporção bem inferior à da categoria – ainda que seja preciso considerar que cerca de um terço dos sindicalizados é composto de aposentados, parcela que, claro, não aparece na pesquisa do Dieese, baseada em vínculos empregatícios ativos. É uma parte importante da nossa categoria, que ingressou na carreira, muitas vezes, há mais de 40 anos: qual era a presença de mulheres então?
O primeiro gráfico desta página mostra como, na categoria, aumenta a presença de mulheres entre as faixas etárias mais baixas, indicando que a sub-representação desses dois segmentos no SJSP pode ter, em parte, o mesmo motivo: como o Sindicato, aparentemente, teve dificuldade de trazer novos membros nas últimas duas décadas, também não filiou boa parte desse novo contingente feminino. Uma hipótese a se estudar.
Se você quiser consultar os últimos dois levantamentos, bem como debates realizados sobre o baixo contingente negro nas redações e o impacto das big techs no emprego da categoria, nós reunimos essas matérias em: • https://bit.ly/perfisSJSP
PERFIL RACIAL DA IMPRENSA BRASILEIA
Outra pesquisa, divulgada no final de 2021, confirmou uma hegemonia branca dentro das redações brasileiras: 76% se declaram brancos no estudo nacional organizado pelo site Jornalistas&Cia. Apesar da metodologia diferente, os números apresentados pelo Dieese estão próximos, com 71% dos profissionais sendo enquadrados no quesito raça/cor branca pela Rais.
O Perfil Racial foi construído a partir de 750 respostas a um questionário, que só pôde ser preenchido por jornalistas de redação em atividade. Além de informações sobre a composição de veículos jornalísticos pelo Brasil, o estudo busca outros elementos de racismo na imprensa. Por exemplo, ao longo da vida profissional, 57% dos entrevistados identificam marcas de discriminação e 98% relatam maior dificuldade para o desenvolvimento da carreira em relação aos brancos.
Candida Vieira, secretária-geral do SJSP, avalia que as empresas e empregadores se baseiam num conceito de diversidade racial, em contraposição aos conceitos de igualdade e equidade. “Com esse enfoque, a inclusão de negras e negros nas redações é ínfima A branquitude das redações não será superada com a inclusão de um ou outro negro ou negra, que ficará isolado em redações brancas. E, claro, isso tem toda a relação com a falta de pluralidade de olhares na mídia.”
Veja mais sobre a pesquisa em • http://unidade.org.br/por-que-tao-branca/