NÃO MAIS CALAR!

No dia que o editorial deste Unidade é escrito, 25 de agosto, recebemos a notícia de que cinco jornalistas palestinos foram assassinados em um ataque do exército israelense ao hospital Nasser, localizado na Faixa de Gaza. Hossam El-Masry, Mohamed Salama, Mariam Abu Daqqa, Moaz Abu Taha e Ahmed Abu Aziz são os seus nomes. Profissionais de grandes veículos de imprensa, como Reuters, Associated Press e Al-Jazeera, que exerciam, por meio de seu trabalho, o papel de contar ao mundo o abominável horror do extermínio diário de todo um povo, que morre por bombardeios, tiros, doenças e fome.

As mortes desses cinco jornalistas, por si só, deveriam ser prova cabal dos crimes em sequência cometidos pelo Estado de Israel contra o povo palestino e a explícita tentativa de promover censura e desinformação ao eliminar profissionais de imprensa. Infelizmente, Hossam, Mohamed, Mariam, Moaz e Ahmed passam agora a fazer parte de uma inacreditável lista de quase 220 jornalistas palestinos assassinados por Israel desde 2023! Este número, compilado pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) e pelo Sindicato dos Jornalistas da Palestina é maior se contarmos outros profissionais de comunicação que também divulgavam informações sobre o que ocorre na Faixa de Gaza.

Em 10 de agosto deste ano, o jornalista Anas al-Sharif, morador de Gaza, estava com uma equipe de mais quatro profissionais da rede Al-Jazeera em uma barraca claramente identificada como um veículo de imprensa quando um ataque aéreo premeditado de Israel arrasou o local. Todos os jornalistas morreram. “Se estas palavras chegarem até você, saiba que Israel conseguiu me matar e silenciar minha voz”, foi a mensagem publicada em uma rede social de Anas, que havia preparado um texto caso morresse.

A máquina de ódio e de assassinar jornalistas não distingue nacionalidades, como bem sabe o norte-americano Dylan Collins, profissional da Agência France-Presse (AFP). Em abril de 2025, ele esteve no Festival Internacional de Jornalismo, realizado na cidade italiana de Perúgia, e compartilhou a história que viveu em 10 de outubro de 2023, quando estava no sul do Líbano com colegas jornalistas e foi atacado de maneira deliberada pelo Exército de Israel. Dois projéteis disparados por um tanque de guerra tinham como alvo um pequeno abrigo onde sete jornalistas se preparavam para realizar a cobertura dos eventos que aconteciam na região. Em um vídeo compartilhado por Dylan, é possível verificar que não havia qualquer tipo de confronto no território e que todos os profissionais estavam claramente identificados com a inscrição de “Imprensa”. As imagens parecem de um filme de horror: enquanto conversam e tentam entender a movimentação dos tanques, Dylan e seus colegas são surpreendidos com o barulho avassalador dos disparos. O silêncio momentâneo logo é interrompido por gritos de dor e desespero. O ataque causou a morte do repórter cinematográfico Issam Abdallah e a amputação da perna direita da fotojornalista Christina Assi.

O ASSASSINATO DE JORNALISTAS É UMA DAS MUITAS PROVAS QUE MATERIALIZAM O QUE SIGNIFICA A POLÍTICA DE ISRAEL CONTRA O POVO PALESTINO. NÃO RESTAM DÚVIDAS DE QUE É UM GENOCÍDIO

Não há fatalidades, coincidências, “danos colaterais” ou qualquer outro contorcionismo da diplomacia para disfarçar o que é óbvio: o morticínio de jornalistas, que não tem precedente algum na História, é apenas uma das muitas provas que materializa o que significa a política de Israel contra o povo palestino. Se ainda resta algum temor em caracterizar esse conjunto de ações como genocídio, o dicionário é bem objetivo em ajudar a esclarecer qualquer dúvida. “Genocídio: Destruição total ou parcial de um grupo étnico, de uma raça ou religião através de métodos cruéis”.

Poderíamos gastar muitas linhas para debater História, geopolítica, tratados internacionais e outros temas que necessitam de análise aprofundada. Mas, de maneira bastante direta, a mensagem que fica para nós, jornalistas, é que não podemos aceitar ou normalizar o assassinato de mais de 200 colegas. Seria algo como se uma redação de grande porte de São Paulo simplesmente desaparecesse. Não por força da natureza ou por qualquer outra sorte de eventos, mas de planejada ação humana com o objetivo de matar cada um desses profissionais. Às vezes, precisamos recorrer à metáfora dos absurdos para lembrar que é isso que ocorre neste exato momento na Faixa de Gaza. Não podemos ficar calados.

Desde o início, nosso Sindicato e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) têm lado e voz nessa história. Realizamos grandes atos denunciando o massacre de jornalistas pelo Estado de Israel e nos somamos a diferentes atividades que ocorreram nesses últimos anos em defesa da luta ao direito alienável pela vida e por dignidade do povo palestino. Recentemente, a FENAJ propôs formalmente à FIJ a realização de um Dia Internacional em Defesa dos Jornalistas Palestinos, com paralisação de uma hora no trabalho dos jornalistas em todos os países.

Sabemos bem quais são as preferências editoriais dos patrões das grandes empresas de comunicação do Brasil, quais são suas ações e omissões, especialmente em relação à cobertura do que ocorre na Faixa de Gaza. É por isso que, historicamente, nosso Sindicato defende em acordos e convenções coletivas uma cláusula que garanta ao jornalista o direito de se recusar a produzir reportagens que firam o Código de Ética, violem suas crenças e a apuração dos fatos, sem nenhum tipo de punição. Obviamente que as empresas se recusam peremptoriamente a concordarem com isso. De todo modo, temos de lembrar sempre que os patrões podem ter nossa força de trabalho, mas nunca a nossa consciência. Palestina livre!