por João Marques
O português vem do latim. Essa afirmação, usada para explicar a origem da língua portuguesa, é insuficiente: e o latim, vem de onde? Um especialista poderia responder, mas, certamente, em linguagem acadêmica, recorrendo ao método histórico-comparativo, pouco compreendido por cidadãos e cidadãs comuns.
Em seu novo livro, Caetano W. Galindo, um especialista diferente, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), rompe a bolha da academia, responde a essa pergunta e ainda convida o leitor a viajar pela história da formação do português falado no Brasil, como diz o próprio subtítulo. Com Latim em Pó – Um Passeio pela Formação do Nosso Português (Companhia das Letras, 232 págs.), lançado no início deste ano, ele traduz o complicado método científico e revela essa origem mais remota.
Já é consenso que a língua-mãe foi o protoindo-europeu – conjunto de dialetos de um idioma que resultou no grego, no latim e também no sânscrito –, falado por um povo habitante do que seria hoje, mais ou menos, o território da Ucrânia. Esse povo, há 6,5 mil anos, graças a avanços tecnológicos e, possivelmente, à domesticação do cavalo, começou a migrar. Mas isso é só o começo, o livro também trata de outros caminhos do passado da língua portuguesa, das influências africana e indígena, do nheengatu, da língua geral, da resistência às transformações do presente e ainda faz previsões para o futuro.
Galindo tem 25 anos de atividade como professor de história da língua portuguesa na UFPR. A origem do livro está em um convite que recebeu de Felipe Hirsch. O diretor planejava montar peça a partir de uma música de Tom Zé sobre o nosso português, e Galindo seria o consultor. Veio a pandemia, a peça foi adiada e o projeto cresceu. Tom Zé compôs outras músicas, fez um disco, Hirsch dirigiu também um documentário e a peça estreou no início de 2022, em grande evento no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. O autor saiu desse evento com a ideia da obra, conversou com sua editora, que aprovou a proposta, começou a escrever e, em menos de um ano, Latim em Pó estava pronto e publicado.
“Apesar das adversidades, foi a língua falada por negros e mestiços que dominou o Brasil. Somos um país que fala português como fruto direto da presença negra. Talvez caiba deixar de lado por um momento a bela ideia da ‘última flor do Lácio’. O português brasileiro foi um broto africano, flor de Luanda.”
Para dar título ao livro, Caetano W. Galindo se inspirou no seu xará mais famoso. “Flor do Lácio, Sambódromo / Lusamérica, latim em pó / o que quer / o que pode / esta língua” são versos de Língua, canção de Caetano Veloso. Além de professor, Galindo é tradutor e escritor, já verteu para o português James Joyce – sua tradução de Ulysses é uma das mais elogiadas –, T.S. Eliot, Samuel Beckett, David Foster Wallace, Ian McEwan, Alice Munro, Tom Stoppard, J. D. Salinger, entre outros. Também é autor de Sim, Eu Digo Sim: Uma Visita Guiada ao Ulysses de James Joyce, finalista do prêmio Rio de Literatura; de Onze Poemas; do livro de contos Sobre os Canibais, e de Ensaio sobre o Entendimento Humano, livro que recebeu o prêmio Paraná de Literatura.