META AMPLIA RESTRIÇÕES AO JORNALISMO

Entenda o impacto das mudanças na política da meta no jornalismo e no combate à desinformação

 por Larissa Gould

Em janeiro deste ano o mundo democrático ficou chocado com o anúncio de Mark Zuckerberg de que a Meta – conglomerado dono do Facebook, Instagram, Thread e WhatsApp – acabaria com a checagem de desinformação em suas plataformas. A alteração ocorre em um momento em que a Meta se alinha cada vez mais à agenda da extrema-direita norte-americana, representada pelo governo Trump. As novas diretrizes incluem o fim do sistema de checagem de fatos e um afrouxamento das regras contra discursos considerados ofensivos. No lugar da checagem profissional, a Meta implementou um sistema de “notas da comunidade”, onde os próprios usuários classificam a veracidade de informações. Essa mudança já demonstrou problemas na plataforma X (antigo Twitter), favorecendo a disseminação de boatos e narrativas políticas enviesadas.

A guinada à extrema-direita da Meta também teve como consequência o fim do programa de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI). A vice-presidente de Recursos Humanos da empresa, Janelle Gale, justificou o fim do programa argumentando que a expressão “se tornou carregada” e que novos direcionamentos seriam adotados diante da mudança no “panorama jurídico e político” dos Estados Unidos.

As novas diretrizes liberam expressões que antes eram moderadas, permitindo, por exemplo, “alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual” no contexto de discursos políticos ou religiosos. A empresa também flexibilizou o uso de linguagem insultuosa em debates sobre temas como direitos LGBTQIA+, imigração e religião.

De acordo com especialistas, as mudanças fomentam a desinformação e ataques contra grupos minorizados. O anúncio de novas diretrizes da empresa de Mark Zuckerberg levanta alertas sobre discurso de ódio, desinformação e ameaças à democracia.

Entidades de direitos humanos e especialistas alertam para o impacto dessas mudanças, que podem legitimar discursos preconceituosos e enfraquecer a proteção de grupos vulneráveis. Em nota conjunta, a Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) classificaram a decisão da Meta como “um retrocesso histórico”, destacando que tais medidas “reforçam estigmas e colocam vidas em risco”.

Diante das mudanças, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou a decisão como “extremamente grave” e afirmou que a Meta terá de se enquadrar às leis brasileiras. Também foi criado um grupo de trabalho para monitorar os impactos dessas medidas e acelerar as discussões sobre a regulação das plataformas digitais. O projeto de lei 2630, que visa criar regras para combater a desinformação nas redes, segue travado na Câmara dos Deputados. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, também se manifestou sobre o tema, reforçando que “as redes sociais não são terras sem lei”. Segundo Moraes, a Meta não pode atuar no Brasil de forma descontrolada e será obrigada a respeitar a legislação nacional.

As mudanças na política da Meta

A retirada de iniciativas como o Facebook News e a restrição do alcance de conteúdos jornalísticos também são um avanço da estratégia da big tech de desengajamento com a imprensa. “As ações da Meta contra o jornalismo não começam agora. Desde 2023, a empresa vem limitando o acesso a notícias em suas plataformas”, afirma Bia Barbosa, coordenadora de incidência no escritório da Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina.

De acordo com a especialista, a empresa tem alterado seus algoritmos para reduzir a distribuição de conteúdo jornalístico. Esse processo pode afetar especialmente meios de comunicação que dependem das redes sociais para alcançar seu público. “Hoje, muitas iniciativas de jornalismo independente, comunitário e periférico são totalmente dependentes das redes sociais para a distribuição de seus conteúdos. Quando a Meta toma uma decisão de invisibilizar o jornalismo, essas iniciativas são as mais afetadas”, explica.

Além das mudanças na distribuição, a Meta também encerrou programas de parceria com agências de checagem de fatos, o que pode favorecer a disseminação de desinformação. “O cancelamento desses programas representa um impacto significativo, pois essas iniciativas atuavam na verificação de informações enganosas. Sem elas, abre-se um espaço ainda maior para a proliferação de fake news”, critica Barbosa.

Segundo Ergon Cugler de Moraes Silva, pesquisador especializado em desinformação e políticas públicas, essas mudanças impactam diretamente a circulação de informações confiáveis. “Os algoritmos favorecem conteúdos que geram fortes reações emocionais, como medo e indignação, reduzindo o alcance orgânico de notícias verificadas e aprofundadas. Isso cria um ecossistema informativo mais fragmentado, onde desinformação e sensacionalismo ganham mais espaço.”

Para Helena Martins, professora do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Ceará (UFC), as mudanças ainda precisam ser analisadas com mais profundidade, mas já demonstram indícios preocupantes. “Desde 2021 nos Estados Unidos e 2022 no mundo, a Meta havia reduzido a recomendação de conteúdo político para tentar conter a polarização e a desinformação. Agora, o algoritmo volta a priorizar esse tipo de conteúdo, o que parece favorecer uma estratégia de campanha permanente da extrema direita”, explica a professora.

Desafios para o jornalismo profissional

Outro impacto significativo é no modelo de financiamento da imprensa digital. Como a publicidade online depende do número de acessos, a perda de visibilidade pode comprometer a sustentação financeira de vários veículos. “Se a sua página perde tráfego porque uma plataforma decide restringir a distribuição do conteúdo, você perde tanto leitores quanto receita publicitária. Isso coloca em risco a existência de muitas iniciativas jornalísticas”, alerta Barbosa.

Bia também ressalta que, apesar de as redes sociais terem inicialmente ampliado o acesso a conteúdo informativo, seu poder na distribuição de notícias cresceu a ponto de prejudicar a diversidade do debate público. “No início, as plataformas ajudaram a aumentar a circulação da informação no ambiente digital. Hoje, porém, sua capacidade de definir o que circula e o que é invisibilizado representa um risco real para a pluralidade da comunicação no Brasil”, pontua.

A centralização do poder das plataformas digitais também representa uma barreira significativa para a democratização da comunicação. Embora Facebook e Instagram pareçam dar espaço para uma diversidade de produtores de conteúdo, essa diversidade é apenas aparente. “As plataformas atuam como mediadoras do acesso aos receptores e verdadeiras árbitras do que aparece ou não nas redes, através de mecanismos de recomendação ou supressão de conteúdo”, destaca Martins. Além disso, criam relações de dependência ao cobrarem taxas sobre movimentações financeiras de criadores de conteúdo, reforçando seu monopólio.

A ALTERAÇÃO DO ALGORÍTIMO FEZ COM QUE O CONTEÚDO JORNALÍSTICO TIVESSE SUA ENTREGA REDUZIDA, IMPACTANDO MEIOS E VEÍCULOS QUE DEPENDEM DA REDE PARA SUA CIRCULAÇÃO

Os jornalistas e veículos de mídia enfrentam desafios crescentes ao dependerem dessas plataformas para a distribuição de seus conteúdos. Entre os principais entraves estão a falta de transparência sobre a circulação dos conteúdos, a moderação arbitrária sem espaço para contestação e a adoção crescente de um modelo baseado no pagamento por impulsionamento de postagens. “Hoje, para que um jornalista alcance um público maior, ele precisa pagar por visibilidade. Mas como muitos fazem isso, a concorrência se intensifica, tornando o alcance cada vez mais restrito”, analisa Martins.

Com a perda de audiência orgânica, os veículos precisam investir mais em anúncios pagos para garantir alcance, o que drena recursos do setor jornalístico e os transfere para as big techs. Além disso, a redução do alcance de notícias confiáveis abre espaço para a proliferação de desinformação, afetando o direito à informação e a democracia.

Cugler destaca que esse fenômeno é ainda mais grave em regiões onde a mídia local já enfrenta dificuldades financeiras. “A concentração do poder informacional nas mãos das plataformas digitais favorece grandes conglomerados de mídia e prejudica a pluralidade informativa, tornando a comunicação menos democrática.”

O enfraquecimento do alcance orgânico das notícias em redes sociais tem consequências diretas para o direito à informação. “Muitos cidadãos, especialmente aqueles que não assinam veículos pagos, ficam à mercê de fontes menos verificáveis”, afirma Cugler. Outro ponto que têm impactado diretamente os meios de comunicação é a priorização de conteúdo de entretenimento pelas plataformas digitais.

Essa realidade impacta não apenas a audiência, mas também a qualidade da comunicação em sociedades democráticas. Sem um jornalismo forte e acessível, há um risco real de que informações distorcidas dominem o debate público.

Algoritmos e polarização

As plataformas digitais utilizam algoritmos que favorecem conteúdos com alto engajamento, o que muitas vezes amplifica narrativas polarizadoras. Em contextos políticos acirrados, grupos organizados se aproveitam desse funcionamento para disseminar desinformação e teorias da conspiração. “Esses algoritmos criam bolhas informativas e câmaras de eco, reforçando visões de mundo preexistentes e aumentando a polarização afetiva”, alerta Cugler.

Ele também ressalta que essa dinâmica não ocorre por acaso: “Não se trata apenas de ‘o que as pessoas querem ver’, mas sim do modelo de negócios dessas empresas, que lucram com a atenção do usuário a qualquer custo, independentemente da qualidade da informação consumida.”

Diante desse cenário, a busca por regulações eficazes e um compromisso coletivo com a qualidade da informação são essenciais para garantir um futuro mais transparente e democrático na comunicação digital e para a proteção tanto aos direitos dos usuários quanto à diversidade informativa. “Uma regulação que promova o conteúdo de confiança, valorize padrões éticos e garanta a transparência na produção jornalística pode ser fundamental para a preservação da democracia”, conclui Bia.

Para enfrentar esses desafios, Cugler defende a implementação de medidas regulatórias e políticas públicas eficazes:

• Transparência algorítmica: Tornar obrigatório que as plataformas disponibilizem dados sobre o funcionamento de seus algoritmos e seus impactos na circulação de informação.
• Regulação da moderação de conteúdo: Criar mecanismos para evitar abusos por parte das plataformas e coibir estratégias de manipulação informacional.
• Taxação das big techs: Inspirando-se no modelo australiano, onde as plataformas devem negociar pagamentos com veículos jornalísticos, garantir recursos para o financiamento do jornalismo independente.
• Educação midiática: Fomentar iniciativas que tornem a população mais crítica em relação às informações que consome.

Futuro incerto

As decisões recentes da Meta demonstram uma inflexão na postura da empresa, que passa a adotar uma moderação de conteúdo mais alinhada à extrema-direita. Enquanto governos e organizações da sociedade civil buscam formas de conter os impactos dessas mudanças, especialistas alertam que o ambiente digital pode se tornar ainda mais hostil, desinformado e polarizado.

A regulação das plataformas digitais segue como um dos grandes desafios para a democracia no século 21. Com a pressão crescente de diferentes setores da sociedade, resta saber se as big techs aceitarão ajustes em suas políticas ou seguirão seu caminho de autorregulação, independentemente das consequências para os usuários e a ordem democrática global. Para enfrentar esses desafios e promover um ambiente de comunicação mais democrático, a regulação das big techs torna-se essencial. “As plataformas acumularam um poder político e econômico maior que o de muitos Estados, aproveitando-se de um ambiente desregulado. Para reverter isso, é necessário criar mecanismos que garantam maior diversidade e equidade no mercado”, defende Martins. Entre as medidas regulatórias sugeridas estão a redução do poder de mercado das plataformas, a proibição da combinação de dados entre serviços diferentes e o estímulo à interoperabilidade dos sistemas, permitindo maior liberdade de escolha para os usuários.

Fenaj defende taxação de grandes plataformas para financiar jornalismo profissional

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) propõe a criação de um fundo público de fomento ao jornalismo profissional, financiado pela taxação das grandes plataformas digitais. A iniciativa, lançada em 2020, visa conter os impactos negativos que essas empresas exercem sobre o setor da comunicação, garantindo a sustentabilidade econômica dos meios de informação e a qualidade do jornalismo brasileiro.

Segundo a Fenaj, grandes corporações tecnológicas, como Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft – conhecidas pela sigla GAFAM –, controlam o fluxo de informação no Brasil sem serem consideradas empresas de comunicação. Essas gigantes captam a audiência dos conteúdos jornalísticos sem remunerar devidamente os produtores e drenam as verbas publicitárias do setor, agravando a crise dos veículos de mídia tradicionais.

Paulo Zocchi, vice-presidente da Fenaj, critica a atuação das plataformas: “As plataformas são multinacionais norte- -americanas que atuam nos países sem regulação e de maneira predatória para o jornalismo. Elas são parasitas porque faturam em cima da circulação das notícias jornalísticas, mas não pagam ou pagam muito pouco por isso”.

AS REDES SOCIAIS PRIORIZAM CONTEÚDOS COM ALTO ENGAJAMENTO. O MODELO DE NEGÓCIO DAS REDES SOCIAIS BUSCA O LUCRO ATRAVÉS DA ATENÇÃO, INDEPENDENTE DA QUALIDADE DA INFORMAÇÃO VEICULADA

De acordo com a entidade, esse modelo de negócio levou à queda na circulação paga de jornais e revistas, ao fechamento de redações e à demissão em massa de jornalistas. O resultado é a perda de qualidade da produção jornalística e a redução da pluralidade da informação.

A proposta da Fenaj

Para enfrentar essa realidade, a Fenaj defende a taxação das grandes plataformas e a criação de um Fundo de Apoio e Fomento ao Jornalismo e aos Jornalistas. A medida, alinhada com uma proposta da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), busca garantir a sustentabilidade do setor por meio de um tributo sobre o faturamento dessas empresas, revertendo os recursos para veículos de comunicação e profissionais da área.

“A FIJ, olhando o cenário global, percebeu que essas plataformas impactam o jornalismo mundialmente. Por isso, lançou a ideia da taxação das plataformas para fomentar o jornalismo em cada país”, explica Zocchi.

A proposta da Fenaj prevê que os recursos arrecadados sejam direcionados a meios de comunicação do setor público, privado e independente, priorizando aqueles que não pertencem a conglomerados multinacionais. Entre os critérios para a distribuição dos recursos estão a valorização dos jornalistas por meio da garantia de vínculo empregatício, respeito a convenções coletivas, pisos salariais e medidas contra demissões imotivadas.

A Federação também defende medidas para democratizar os meios de comunicação, incluindo o combate a monopólios, o incentivo à produção jornalística regional e o fortalecimento de veículos locais em regiões sem cobertura jornalística.

O debate no Congresso

A entidade propõe que a tributação seja feita por meio da criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), via projeto de lei a ser articulado no Congresso Nacional. A medida visa corrigir a desigualdade tributária existente, visto que essas plataformas geram receitas bilionárias no Brasil e são pouco taxadas.

“A Fenaj montou um grupo de trabalho e consultou especialistas para formatar essa proposta de taxação. No caso da legislação brasileira, a melhor forma encontrada foi a Cide, que não é um imposto, mas uma contribuição voltada a corrigir desequilíbrios econômicos”, detalha Zocchi.

Segundo ele, a ideia é estabelecer uma alíquota de 6% sobre o faturamento bruto das plataformas, criando um fundo gerido por um conselho curador composto por representantes da sociedade civil e entidades sindicais. “Esse fundo deve fomentar o jornalismo, combater a concentração da mídia no Sudeste e reduzir os desertos de notícias, além de ampliar oportunidades de trabalho para jornalistas”, reforça o vice-presidente da Fenaj.