por Flavio Carrança
Sócio deste Sindicato desde o ano de sua fundação, em 1937, o jornalista Lino Guedes costuma ser mais lembrado como um poeta que cantou a beleza da mulher negra e o sofrimento de sua gente. Autor de três livros de prosa e dez de poesia, passou para a história da literatura brasileira principalmente por conta de uma produção poética ainda hoje citada e objeto de estudos. Em seus 54 anos de vida, no entanto, foi com o jornalismo que garantiu seu sustento e exerceu aguerrida militância em favor da população afrodescendente.
Filho de negros alforriados, nasceu na cidade de Socorro em 1897, tendo perdido o pai quando tinha apenas dois meses de idade, o que legou à mãe o encargo de sua educação, tarefa para a qual teve o auxílio do patrão (talvez ex-senhor), um dos principais chefes políticos da região. Os primeiros sinais de vocação para o jornalismo surgiram quando ainda cursava o ensino fundamental. Aos 13 anos, colaborou com o jornal Cidade de Socorro e, em 1912, mudou-se para Campinas, a fim de continuar os estudos e se tornar professor, tendo já colaborado com diversos periódicos.
Em Campinas, passou a frequentar ambientes sociais e culturais da elite local, vislumbrando novas perspectivas profissionais, que o levaram trocar a carreira de docente pela sua verdadeira vocação: o jornalismo. Graças ao talento e à boa formação que tivera, tornou-se um dos raros afro-brasileiros que, nos primeiros decênios do século 20, conseguiu atuar na grande imprensa, desenvolvendo intensa atividade na imprensa negra.
Inicia sua trajetória profissional no Diário do Povo e no Correio Popular de Campinas, mas se dedica simultaneamente à militância racial, frequentando associações, bailes e outros eventos sociais da comunidade negra local. Junto com outro jornalista, Benedito Florêncio, e o poeta Gervásio de Moraes, funda, em 1923, o jornal Getulino, nome que evoca o pseudônimo do abolicionista negro Luiz Gama, sua grande inspiração para a militância. Para o historiador Petrônio Domingues, Getulino marca o início de uma nova fase, mais reivindicativa, da imprensa negra de São Paulo.
Em busca de mais promissoras oportunidades profissionais, muda-se em 1926 para São Paulo, onde começa a trabalhar no Jornal do Comércio, filiando-se à Associação Brasileira de Imprensa. Atua também em O Combate, A Razão, Correio Paulistano e, finalmente, no Diário de São Paulo, onde foi chefe de revisão até falecer em 1951. O jornalista branco Cunha Mota, que começou na profissão como subordinado de Guedes na revisão do Diário, descreve um homem que não despertava simpatia à primeira vista, mas que, conquistada a amizade, se revelava sensível e delicado poeta, cantor das tristezas do “homem de cor”.
Na capital, Lino Guedes dá continuidade à militância antirracista, tendo provavelmente participado do Centro Cívico Palmares, importante associação criada em 1926 e que congregava as principais lideranças afro-brasileiras da cidade. Foi articulista de O Clarim da Alvorada e, a partir de 1928, junto com Argentino Celso Wanderley, colaborou na fundação do jornal Progresso, do qual seria editor até 1933 e no qual defendeu seu projeto nacionalista e moralizante de melhoria da situação da população negra com base na educação e na religião.
Aguerrido na defesa de posições político-ideológicas, teve confrontos com alguns dos mais importantes líderes negros do período, como o orador popular Vicente Ferreira; seu ex-amigo de Campinas, Gervásio de Moraes; e com José Correia Leite, um dos fundadores do jornal O Clarim da Alvorada, numa polêmica em torno do frustrado Primeiro Congresso da Juventude Negra do Brasil e da construção do busto de Luiz Gama no Largo do Arouche.
Casado com Felícia Assis Guedes, Lino Guedes teve uma única filha, Hendi Guedes Queiroz, que lhe deu dois netos: Demarise Pereira de Queiroz, já falecida, e o produtor cultural JR Lino Guedes, que cedeu uma foto e enviou seu depoimento sobre o avô: “Excelente pai, ótimo marido, Lino Guedes era um visionário e sempre se preocupou com a evolução e educação da raça negra paulista. Mesmo nos momentos de confraternização familiar, essa era a pauta, sua preocupação latente. Outra paixão em sua vida era a música, chegou até a escrever algumas coisas. Mas acreditava mesmo que o negro só poderia ser livre através da leitura”.
Fontes: De Petrônio Domingues, Os jornais dos filhos e netos de escravos (1889 – 1930) – Selo Negro, 2008; e Lino Guedes: de filho de ex-escravo à elite cor – Afro-Ásia 41; de Oswaldo de Camargo, Lino Guedes: seu tempo e seu perfil. Ciclo Contínuo, 2016; de Cunha Mota, Os rapazes da imprensa: um pouco da história de São Paulo. Ateniense, 1990.