Luiz Gama é doutor honoris causa pela USP

O jornalista, advogado e escritor é o primeiro brasileiro negro a receber esse título pela universidade estadual

Por Thais Folego Gama

Luiz Gama em ilustração de Angelo Angostini

“Por um país sem reis e sem escravos.” Foi por esse propósito que viveu o jornalista, advogado e escritor Luiz Gama, um dos maiores nomes da abolição da escravidão no Brasil. Para honrar esse legado, a Universidade de São Paulo (USP) concedeu ao abolicionista o título de doutor honoris causa, reconhecendo suas contribuições intelectuais para as áreas de Jornalismo, Direito e Literatura. Até então, o único outro negro a receber a honraria pela USP havia sido Nelson Mandela.

“A intenção foi reconhecer Luiz Gama como intelectual, com uma produção negra riquíssima em todas as áreas nas quais atuou, um feito ainda maior se considerarmos o contexto da época”, diz Dennis Oliveira, professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, que fez a proposta do nome de Luiz Gama para o Conselho Universitário da USP junto com outros professores negros da universidade. Ele destaca a importância do apoio do movimento negro na articulação da causa, o que levou o nome de Gama a ser aprovado por unanimidade pelo conselho, um fato inédito na história do Conselho Universitário.

Essa é a conquista mais recente que o ativismo pelo reconhecimento, preservação e valorização da memória do abolicionista conquistou nos últimos anos. Gama foi oficialmente reconhecido como advogado pela OAB, em 2015, e como jornalista, pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, em 2018; tendo sido também homenageado com o Prêmio Vladimir Herzog em 2020, e nomeado no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria do governo federal, em 2018.

Luiz Gama é o único intelectual negro do século 19 a ter vivido a experiência da escravidão, costuma destacar Ligia Ferreira, professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e uma das maiores pesquisadoras de sua obra.

Gama nasceu em Salvador (BA) em 1830, filho de Luiza Mahin, negra livre de origem africana que participou de insurreições abolicionistas no Brasil, e de pai branco de origem portuguesa. Foi vendido ilegalmente como escravo pelo próprio pai, aos 10 anos de idade. Aprendeu a ler aos 17, quando conquistou judicialmente a própria liberdade, e atuou para libertar mais de 500 pessoas escravizadas.

No campo das letras, Luiz Gama foi pioneiro ao introduzir a subjetividade negra tanto na narrativa literária quanto na jornalística. Retratados até então apenas como objetos de comércio, as pessoas negras tinham suas histórias e feitos retratados por Gama. Ele fundou o primeiro jornal ilustrado da cidade de São Paulo, intitulado Diabo Coxo, em 1864, ao lado do caricaturista Angelo Agostini – mas apenas esse último costuma ser citado nos cursos de Jornalismo.

Gama faleceu em 1882, antes de ver o Brasil sem reis (a República só viria em 1889) e sem escravos (a abolição, ainda que inacabada até hoje, ocorreu em 1888). •