Jornalistas do interior: um mercado em transformação

Salários menores e baixa perspectiva profissional, os desafios da categoria se assemelham nas diversas regiões do Estado

por Solange Santana

Quando se fala em jornalistas do interior ou do litoral do estado de São Paulo, é comum se pensar em blocos homogêneos, sem considerar as diferentes regiões, suas influências culturais e mesmo sotaques. As semelhanças, de fato, estão nas queixas da categoria quando se trata das dificuldades com o custo de vida, os salários menores e a baixa perspectiva profissional.

Os dados entre 2006 e 2020 da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) estudados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) trazem alguns indicadores da situação das e dos jornalistas que trabalham fora da capital.

O volume de vínculos empregatícios entre os jornalistas caiu de 5.743 para 4.518 no estado de São Paulo no período, excluindo a capital e a cidade de Osasco (cidade da sede do SBT). Se de 2007 a 2010 predominava o crescimento das vagas, chegando ao topo no ano de 2011, com 7.782 empregos com vínculo, depois disso o ritmo foi de constante queda.

FONTE: DIEESE / RAIS 2006 A 2020

Frequência do agronegócio
O interior paulista revela um setor da economia que cresce em investimentos na mídia. “Aumentou a participação dos setores ligados ao agronegócio nos últimos anos”, testemunha o jornalista Décio Rodrigues, que trabalha na TV BioPremium/Ruminar.
A BioPremium é uma indústria de produtos farmacêuticos para bovinos que possui estúdio em Ribeirão Preto e transmite um programa, de segunda a sábado, pelo Canal do Boi e demais emissoras do Sistema Brasileiro do Agronegócio (SBA), sediada em Campo Grande (MS). Décio, que é jornalista desde 2006 e passou por outros veículos em Ribeirão Preto, como TV Thathi e CBN, observa que o agronegócio tem entrado no ramo da comunicação adotando ferramentas modernas de mídia.

“Na cidade de Cravinhos há um programa financiado pela empresa Ouro Fino, ligada à indústria veterinária para cães gatos. Ela montou um estúdio com três equipes, com uns três jornalistas, mais dois ou três produtores. Utilizam multiplataforma e transmitem no Canal Rural. Imagino que a tendência seja essa: seguir para as plataformas de streaming como forma de manter o veículo tradicional da televisão”.

Rádio cresce e se moderniza
Levantamento realizado na quinta edição do Atlas da Notícia, entre agosto de 2021 e fevereiro deste ano, aponta o avanço das rádios, especialmente nas pequenas cidades do interior do Brasil, com destaque na região sudeste: dos 4.628 veículos na região, 1.442 são rádios, seguidas de 1.386 impressos e 1.370 veículos online.

Essa tendência é reafirmada no relato de Décio, que também trabalha na rádio Total FM, em Sertãozinho. “Muitos programas da região de Ribeirão Preto, que é imensa, são de retransmissoras de grandes redes, como Globo e Record. Então, nosso trabalho é segmentado. A Rádio Total, em Sertãozinho, tem foco local, em Pitangueiras, Pontal e outras cidades menores na direção de Barretos. Estamos numa fatia de mercado que está entre o caráter bairrista de uma rádio comunitária – como o cachorro perdido ou o falecimento de alguém – e o de assuntos de maior abrangência. Seria uma briga desleal se comparar com uma emissora de Ribeirão Preto, que possa ter, por exemplo, 250 mil watts de potência ou com a EPTV, transmissora da Globo”.

Forma mudou
Conforme o jornalista, a rádio em que trabalha usa multiplataforma digital e tem o Portal 016. As reportagens não entram em formato impresso ou de vídeo, mas por uma Web TV, dentro do site, num player de transmissão. “Com uso de câmera, buscamos matérias considerando esse recurso. É muito mais trabalhoso porque tem que alinhar a notícia local com imagem. Precisa conseguir imagem e colocar tudo no formato jornalístico, que não fuja da proposta, que é falar da cidade”.

Online com desafios a enfrentar
O mapeamento do Atlas da Notícia confirma a liderança do online no Brasil. No estado de São Paulo, essa liderança se expressa em 859 veículos online, seguidos de 769 impressos e 658 emissoras de rádio.

Sérgio Lüdtke, coordenador da equipe de pesquisadores do projeto, explica, em artigo publicado pelo Observatório da Imprensa, que as dificuldades para a sustentabilidade dos veículos locais tradicionais, agravadas pela pandemia, e as poucas barreiras de entrada para a criação de veículos nativos digitais explicam o crescimento do online.

O impacto desse crescimento é grande na produção jornalística, como afirma Débora Pedroso, da TV Band Vale (São José dos Campos): “O desafio é se manter com visibilidade e credibilidade em um mundo de tantas vozes e muitas fakes. Há uma geração que está chegando já ambientada com internet e redes. Jornalistas novos entendem mais de tecnologia, mas tiveram uma faculdade diferente e precisam de um suporte maior nos assuntos que são pilares do jornalismo, como apuração, ética, notícia. Então, quando se precisa dessa mão de obra para vagas tradicionais no rádio e TV, eles precisam de vivência, apoio e suporte do local de trabalho para entrarem nesse ambiente, tão diferente do das redes, mas que busca na juventude o frescor para se manter atual”.

Sem evolução nas condições de trabalho
Se no interior e litoral os veículos de comunicação evoluem em tecnologia, o mesmo não ocorre em condições de trabalho e nível de emprego e remuneração, aponta a Relação Anual de Informações Sociais (Rais).

Em 2007, no estado de São Paulo (excluindo a capital e Osasco) eram 1.023 profissionais de rádio e TV com vínculo. Em 2020, o número evoluiu pouco (1.141) e, nos últimos anos, o nível de remuneração vem caindo.

No segmento de jornais e revistas, a situação é mais dramática. No estado, (excluindo a capital e Osasco), houve queda brusca em emprego com vínculo (de 1.508 em 2007 para 481 em 2020) e em remuneração.

Pejotização intensa
Várias redações de jornais do interior e litoral são pejotizadas em grande parte, como é o caso do Cruzeiro do Sul (Sorocaba), ou quase totalmente, como o Correio Popular (Campinas) e o Diário do Litoral (Santos).

A repórter Nayara Martins, com 32 anos de profissão, trabalha como PJ para o Diário do Litoral. “Faço cobertura no litoral sul. O jornal disponibiliza o carro para que eu e a fotógrafa façamos as pautas”.

Apesar de considerar que essa condição permite ao profissional negociar o horário e a carga horária de trabalho, Nayara admite: “Essa forma de contrato acaba causando prejuízo aos jornalistas, pois perdemos direitos trabalhistas como férias, décimo terceiro, FGTS etc.”.

Troca por profissionais com menores salários
As empresas de comunicação, que sofreram o impacto da crise econômica, resolveram seus problemas precarizando e, muitas vezes, usando de assédio moral para obter mais por menos das e dos jornalistas, como atestam denúncias que chegam ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Ou trocam profissionais experientes por outros, com menores salários, como se pode verificar nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), levantados pelo Dieese, comparando a remuneração dos que foram desligados com a dos admitidos em jornais e revistas do interior.

Mobilizar é preciso
Com esses e tantos outros problemas, a categoria precisa estar organizada, participando das mobilizações chamadas pelo Sindicato, aconselha Décio. “Os jornalistas são distantes e desinteressados. Tivemos o dia do Veste Preto e em Ribeirão Preto não houve adesão. Vejo a luta do Sindicato, é uma dificuldade gigantesca de mobilização dos jornalistas”.
Débora lembra que a categoria sofreu dois golpes: “O fim da obrigatoriedade do diploma e a Reforma Trabalhista. Por mais que empresas sérias e compromissadas só contratem profissionais com diploma, qualquer pessoa, hoje, pode se declarar jornalista com um canal no YouTube ou um podcast”.

Mesmo profissionalismo com menores salários
Décio Rodrigues divide sua rotina entre o trabalho de apuração, produção, reportagem e apresentação de jornal na Rádio Total FM e o de repórter e apresentador na TV BioPremium/Ruminar. De segunda a sexta, faz das 6 às 12 horas na rádio e das 14h15 às 19h30 na TV, onde também trabalha aos sábados, das 5h45 às 11 horas.

Ele entende que, no interior, além de os pisos salariais da categoria serem mais baixos, a chance de projeção profissional e de planos de carreira são menores. “Isso é nítido porque, no interior, somente consegue um salário acima de R$ 6 mil, por exemplo, o jornalista que trabalha como PJ – que é uma condição irregular. Esse profissional tem de arcar, muitas vezes, com a responsabilidade de dirigir os mais jovens. Só assim consegue uma remuneração um pouco melhor, que não se compara, por exemplo, com uma pessoa que faz o mesmo trabalho na capital para a Globo, o SBT ou a Bandeirantes. Os jornalistas com melhores salários do interior não seriam sequer lambaris, comparados aos chamados ‘tubarões’ do jornalismo nacional”.

Contra a disparidade, o fim da diferença de pisos entre capital e interior é um dos pontos da pauta de reivindicações na campanha salarial de Rádio e TV

Pisos menores que os da capital
Pelo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base no valor de cesta básica, no mês de setembro de 2022, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria ter sido de R$ 6.306,97, ou 5,20 vezes o mínimo de R$ 1.212,00.

Com esse quadro, se a sobrevivência já é difícil para jornalistas de rádio e TV da capital, com pisos de R$ 3.050,85 (5 horas) e R$ 5.338,99 (7 horas), que dirá para profissionais do interior e litoral, que ainda têm pisos diferenciados para cidades com mais de 80 mil habitantes (R$ 1.983,05 e R$ 3.470,34) e menos de 80 mil (R$ 1.908,96 e R$ 3.340,68).

Débora mora a 40 quilômetros da redação e faz uma jornada diária de 8 horas de trabalho. “Por dia, levo uma hora e 30 minutos para chegar à redação e, para voltar, o mesmo tempo”. Ela reclama que, com a inflação, o poder de compra diminuiu. “Tivemos que adotar novos hábitos de vida para dar conta do essencial.” Sobre a diferença dos pisos, acha que é uma discussão importante a ser feita. “Existem cidades no interior e litoral com custo de vida igual ao da capital. Principalmente as cidades turísticas, onde há a inflação da sazonalidade pela demanda de visitantes”.

O fim da diferença de pisos é um dos temas da campanha salarial de rádio e TV em curso. A pauta entregue ao sindicato patronal (Sertesp) coloca a reivindicação de um só piso em todo o estado. •