Jornalismo se faz com liberdade

Caso Loading: grupo de jovens jornalistas se une para defender a independência do exercício da profissão

por Thiago Tanji

Em 2015, o Allianz Parque sediou a final de um campeonato que atraiu milhares de torcedores para as suas arquibancadas, além de espectadores por todo o país. Mas não estamos falando daquela histórica vitória do Palmeiras contra o Santos na Copa do Brasil, com direito a gol de pênalti do goleiro Fernando Prass. Meses antes, em agosto, o estádio localizado na zona oeste de São Paulo foi palco da final do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL), um dos mais famosos games competitivos (ou esports).

De olho em um público que acompanha as partidas online em plataformas como o Twitch e o YouTube, canais tradicionais da mídia também começaram a realizar a cobertura desse novo tipo de competição: SporTV e ESPN são algumas das emissoras esportivas que contam com equipes para cobrir os esports.

Com a expectativa de produzir esse tipo de conteúdo especializado, profissionais vindos de diferentes estados e com passagens por veículos tradicionais foram contratados pelo canal Loading, cujos donos compraram a concessão da antiga MTV Brasil em 2013 – nos últimos anos, o canal se chamava Ideal TV.

“Fomos contratados no início de novembro, com a atraente proposta de fazer jornalismo em um programa diário sobre esportes eletrônicos, algo inédito na televisão brasileira, chamado Metagaming”, escrevem os jornalistas em carta aberta que está disponível no site do Sindicato. Na nova empresa, que ocupou a estrutura física da MTV Brasil, os jornalistas se depararam com problemas: equipamentos defasados e de baixa qualidade, infraestrutura ainda em implantação, ausência de ferramentas básicas de trabalho e protocolos sanitários insuficientes diante da pandemia.

Mas o que motivou a mobilização dos jornalistas logo na estreia do canal ocorreu por algo muito mais grave: por dois dias consecutivos, a direção da empresa interferiu diretamente no trabalho jornalístico da equipe, contestando pautas que conflitavam com os interesses econômicos da empresa — uma dessas reportagens exibia a entrevista de uma equipe de League of Legends que criticava o modo de organização da Riot, que é dona do game e uma das parceiras comerciais do canal Loading.

“NÃO IRÍAMOS FECHAR OS OLHOS PARA ERROS, IRREGULARIDADES E ABUSOS E JAMAIS NOS FURTARÍAMOS A TOCAR EM TEMAS POLÊMICOS, SE NECESSÁRIO FOSSE”

“Explicamos que, como jornalistas, devemos noticiar o que precisa ser mostrado, sejam fatos bons ou ruins. Não iríamos fechar os olhos para erros, irregularidades e abusos que acontecem no nosso mercado e jamais nos furtaríamos a tocar em temas polêmicos, se necessário fosse”, afirmam os profissionais.

Após se reunirem e reivindicarem a independência do jornalismo e da liberdade de opinião, a equipe de dez jornalistas foi sumariamente demitida pela direção da empresa em um comunicado feito durante uma breve reunião.

Tão logo soube do ocorrido, o Sindicato entrou em contato com os jornalistas para demonstrar todo o apoio e formular de maneira conjunta a luta contra as medidas arbitrárias do canal. Após a realização de assembleias entre os profissionais demitidos, o Departamento Jurídico do SJSP iniciou uma negociação com a empresa, que resultou no reconhecimento dos direitos trabalhistas dos profissionais, além da proposta de uma indenização adicional diante das condições do desligamento.

Mais do que apoiar a atitude altiva dessa jovem equipe de jornalistas, o Sindicato defende historicamente o reconhecimento do direito à consciência, para que os jornalistas exerçam seu ofício de acordo com o respeito à ética e às técnicas da profissão.

“Fizemos uma escolha ao não nos dobrarmos à interferência editorial e não nos arrependemos dela. Mesmo que tal decisão tenha custado nossos empregos, para os quais entramos deixando posições consolidadas em outras empresas, nada paga a nossa consciência limpa”, pontuam os jornalistas em seu manifesto.