por Pedro Pomar
Jair manifesta-se durante ato na USP em repúdio ao massacre de Eldorado dos Carajás (1996). © DANIEL GARCIA/ADUSP
Jair Borin nos deixou precocemente, aos 61 anos de idade, em 22 de abril de 2003. Decorridos vinte anos de sua morte, cabe lembrar sua figura singular, que hoje estaria na contramão do tipo de profissional idealizado ou prescrito por certos códigos (escritos ou não) de “boas práticas” jornalísticas, vinculados a uma concepção liberal de “isenção” e de “objetividade”. Para nossa sorte, Jair viveu intensamente e deixou sua marca pessoal como jornalista, como professor e pesquisador universitário, como militante de esquerda – dirigente sindical, ativista da reforma agrária. E até como militar, pois na sua juventude foi sargento da Aeronáutica, mecânico de voo.
Como destacou o professor Wilson Bueno (USP), Jair teve a capacidade de desempenhar simultaneamente diversos papeis (“múltiplas vidas”) e tornar-se referência em todos. Um deles diz respeito à resistência ao golpe de 1964 e à ditadura militar. Em 1963 ele ligou-se por algum tempo ao pequeno Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT), e envolveu-se ativamente com o movimento nacional de sargentos nacionalistas e de esquerda, causa provável de sua expulsão, ainda naquele ano, da Aeronáutica, cujo alto comando participava da conspiração golpista então em andamento.
Sua primeira prisão ocorreu em novembro de 1964, em Recife, quando se dedicava à “aliança de operários e camponeses com soldados e estudantes”, contou o professor Tullo Vigevani (Unesp). Seria libertado em setembro de 1965, por habeas-corpus.
A segunda prisão de Jair, a pedido do então II Exército, aconteceu em março de 1974, quando já se tornara jornalista e, desde 1971, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA). Segundo seu próprio relato, sua detenção “por dois agentes armados” deu-se num corredor da escola, quando chegava para dar aula, e em seguida “fui conduzido ao DOI-Codi e recolhido a uma cela da tristemente célebre delegacia da rua Tutóia, onde todos os presos políticos eram torturados”. Tratava-se de um processo judicial contra o PORT, iniciado em 1965. Foi solto em dezembro de 1975.
Nesse período, chegou a ser demitido pela USP (!) e só recontratado em 1980. Seguiu em frente na carreira, chegou a “professor titular” e em 2001 deveria ter sido o primeiro docente jornalista eleito reitor da USP. Mas o formato indireto e elitista daquela eleição ignorou a esmagadora votação obtida por ele na consulta à comunidade (docentes, funcionários, estudantes), citada por Lídia Neves: 11.796 votos paritários, contra 2.597 do segundo colocado!
Seu principal vínculo como jornalista foi com a Folha de S.Paulo. Quando deixou a redação desse diário para trabalhar com José Gomes da Silva no governo estadual (na Secretaria da Agricultura), em 1983, Jair recebeu homenagem dos colegas, que lhe dedicaram afetuosa carta de despedida com nada menos que 49 assinaturas.
Como pesquisador, chamou a atenção para uma impropriedade do debate teórico e político sobre a concentração da mídia no Brasil, ao criticar o uso do termo corrente “monopólio” para designar o modelo de propriedade dos meios de comunicação surgido no país. “Não é monopólio, é oligopólio”, apontou acertadamente. Um resumo do que ele pensava a respeito do modus operandi desse oligopólio é o título de sua tese de doutorado: A notícia e suas versões, no espaço e no tempo dos grupos de pressão (de rabo preso com a classe dominante).
Jair, aliás, nunca fugiu de boas brigas. Foi por duas vezes diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP), presidiu a Associação de Docentes da USP (1997-1999) e chefiou o Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA (1999-2001).