Imprensa Oficial demite mais de 150 trabalhadores

Luta pela readmissão dos funcionários, entre os quais 12 jornalistas, é também uma defesa do patrimônio público

por Cláudio Soares

As mensagens por WhatsApp, telegrama ou email começaram a chegar, no dia 2 de junho, com uma surpresa desagradável: demissão. Foi dessa forma truculenta que a Imprensa Oficial do Estado (Imesp) encaminhou a dispensa sumária, e sem comunicação prévia aos sindicatos, de mais de 150 trabalhadores, funcionários de carreira concursados. Os demitidos são, em sua maioria, gráficos.

O método de aviso desrespeitoso foi o ápice de um processo de destruição de um patrimônio público histórico e de ataques aos direitos dos trabalhadores, patrocinados pelo governo de João Doria (PSDB). O governador, que fez um demagógico apelo aos empresários para que não demitam seus funcionários durante a pandemia, não hesita em jogar na rua os empregados da estatal.

Há trabalhadores que estão em tratamento de saúde ou têm familiares nessa situação, inclusive em razão da covid. Uma jornalista, ao mesmo tempo em que recebia o aviso de demissão, teve confirmado um diagnóstico de câncer de mama. A Imesp não aceitou discutir o cancelamento de sua dispensa, nem mesmo nessa situação.

“Só queremos trabalhar”: no dia 3 de junho, demitidos expressaram indignação e pararam por minutos o trânsito na Rua da Mooca, em frente à empresa / Foto: Cadu Bazilevski

Burla à lei
O primeiro projeto de Doria enviado à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), em 2019, previa a extinção de seis empresas públicas, entre as quais a Imesp. Houve uma mobilização contrária de funcionários das estatais e pressão sobre os deputados, que resultaram em mudanças da proposta original. No caso específico da Imesp, a lei aprovada (17.056/19) determinou a incorporação à Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp).

Depois disso, houve um Programa de Desligamento Incentivado (PDI), por meio do qual 223 dos aproximadamente 600 funcionários de carreira saíram da Imesp. Uma redução de 37% do quadro funcional. Nos termos da lei aprovada, as atividades da empresa, tais como a edição do Diário Oficial e a impressão de materiais gráficos para o Estado, deveriam ser incorporadas à Prodesp, bem como os funcionários remanescentes. O que o governo Doria faz é, de fato, extinguir a Imesp, burlando a lei.

A justificativa para as demissões é a extinção da gráfica, montada ao longo de décadas e considerada de excelência, e do setor de Conteúdo Editorial, responsável até 2018 por matérias jornalísticas sobre a atuação do Estado, publicadas no Diário Oficial. Entre os demitidos, 12 são jornalistas. Eles divulgaram uma carta aberta na qual denunciam o desmonte da Imprensa Oficial.

O fim de uma gráfica do Estado terá como consequência o favorecimento de empresas particulares. Isso já ocorreu com o material didático destinado às escolas da rede estadual. Até 2020, a Imesp editava e imprimia de forma exemplar esse material, distribuindo-o por todo o Estado.

Neste ano, absteve-se de participar da licitação promovida pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e o trabalho foi destinado à iniciativa privada, que cobrou valor bem superior ao praticado pela estatal.

Manifestações
Num clima de revolta, os funcionários começaram a se organizar e convocaram uma manifestação em frente à empresa, no dia 3 de junho, com faixas e equipamento de som levados pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP). Portando cartazes e expressando indignação diante das demissões e da forma como foram encaminhadas, os trabalhadores chegaram a parar, por minutos, o trânsito na Rua da Mooca, onde se situa a Imesp.

Ao final da manifestação, foi eleita uma comissão de funcionários para desenvolver a mobilização pela readmissão, junto com os sindicatos que representam os trabalhadores (Jornalistas, Gráficos e Administrativos). As entidades haviam solicitado uma reunião de emergência com a empresa, que foi realizada no dia seguinte, com a presença de integrantes da assessoria da Imesp, sem nenhum diretor.

Os representantes patronais limitaram-se a repetir os argumentos contidos nas cartas de demissão: os setores extintos não são mais adequados ou viáveis, “diante do conceito de gestão digital adotado pela Prodesp”.

Os sindicatos, além de protestarem pela falta de discussão prévia sobre as dispensas em massa, apresentaram duas reivindicações: cancelamento das demissões até o fim da pandemia ou o fim da vacinação; e acesso ao estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) que teria embasado a decisão de extinção dos setores. A empresa não respondeu às demandas.

Esse estudo da Fipe, aliás, está sob suspeição. Foi encomendado em 2019 – sem licitação pública – pelo valor de R$ 8,99 milhões. O Ministério Público de São Paulo apresentou denúncia criminal porque enxergou em sua contratação indícios de crime de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência. E é o documento utilizado como base para a demissão de mais de 150 pais e mães de família.

A mobilização prosseguiu com um ato na porta da Alesp, em 8 de junho, com faixas, cartazes e carro de som. A partir de intermediação do deputado estadual José Américo (PT), uma comissão de quatro representantes dos trabalhadores foi conversar com o líder de Doria na Assembleia, Vinícius Camarinha (PSB), que se comprometeu a levar ao governo a demanda apresentada: suspensão das demissões até dezembro, a fim de que a empresa e os trabalhadores, por meio de seus sindicatos representativos, pudessem negociar o reaproveitamento ou a realocação dos empregados. Mais uma vez, o governo não respondeu à reivindicação.

No âmbito judicial, os sindicatos ingressaram com ação civil pública solicitando o cancelamento das demissões, com a reintegração dos funcionários, e o pagamento de uma indenização por dano moral. Ao mesmo tempo, os trabalhadores mantêm o movimento, dirigindo-se aos deputados estaduais, para que se manifestem a respeito e somem-se à exigência de que o governo anule as demissões.

Cláudio Soares é diretor do SJSP e editor na Imprensa Oficial desde 1995