Editorial: Eu, jornalista, trabalhador(a)

Já virou chavão nas discussões internas do nosso Sindicato, a certa altura, alguém dizer: “Nas redações, há profissionais que não se enxergam como trabalhador(a)”. Parece um jargão sindical surrado, mas analisar um pouco a questão é uma boa chave para pensar sobre as mudanças em curso no mundo do trabalho e no papel do Sindicato.

De cara, devemos descartar a ideia de que a direção sindical pretenda dar lição de moral a sua base: nossa vocação é a de organizar a categoria profissional para defender os seus interesses. É assim que qualquer trabalhador passa a se ver como parte de um coletivo com interesses próprios, cujo móvel constante é o enfrentamento à exploração do trabalho assalariado.

Na fundação de nosso Sindicato, em 1937, uma reunião de 50 jornalistas discutiu exatamente essa questão: decidiram que a entidade não seria uma associação de profissionais liberais, mas sim de assalariados. Era o que correspondia à identidade da profissão. De lá para cá, essa essência não mudou. Mesmo com o avanço tecnológico, com a precarização do trabalho, com a pejotização, continuamos a ser, basicamente, trabalhadores a serviço de empresas, grandes ou pequenas, que necessitam se agrupar com seus iguais para defender suas prerrogativas profissionais – tanto as de exercício do jornalismo, quanto as diretamente trabalhistas, como remuneração e respeito à jornada.

SEMPRE QUE A PESSOA PRESTA TRABALHO REGULAR, DE CUNHO PESSOAL, COM CHEFE E PAGAMENTO, TEM DE SER REGISTRADA EM CARTEIRA – ISSO VALE PARA QUALQUER TRABALHADOR, INCLUINDO O JORNALISTA

O exemplo da Editora Três
Se jornalista é trabalhador, aqui a regra se aplica também em relação à pejotização. No Brasil, continua existindo o direito ao vínculo em carteira. Sempre que a pessoa presta um trabalho regular, de cunho pessoal, com chefe e pagamento, então tem de ser registrada em carteira – isso vale para qualquer trabalhador, incluindo o jornalista.

Claro, em 2017, a terceirização no Brasil foi legalizada para atividade fim. Isso quer dizer que, mesmo que o Sindicato seja contrário, a CNN pode legalmente contratar a Paris Filmes para empregar os repórteres cinematográficos. Mas eles, jornalistas, não são PJs, são empregados da empresa terceirizada, com registro em carteira.

Quando a pessoa é ela mesma a “Pessoa Jurídica”, sua atividade em relação de trabalho com as características do vínculo se torna fraude patronal (contra o trabalhador) – inclusive nos casos de Micro Empreendedor Individual. A atividade só será legal quando se trata de uma verdadeira pessoa jurídica, que atende diversos clientes, em condições variadas. Na grande maioria dos casos, a relação de pejotismo é mentira escancarada. Mas, para sobreviver, o profissional com frequência não tem escolha, e aceita.
Neste caso, qual é o papel do Sindicato? Em primeiro lugar, o de estar junto, acolher e dar todo apoio aos profissionais, buscando defender os seus interesses, e levando sempre a discussão e o esclarecimento a respeito de sua real condição e de seus direitos, nem sempre de conhecimento pleno.

A atuação da entidade é sempre importante, como mostra o caso da Editora Três. Com as redações largamente pejotizadas há muitos anos, a atuação sindical vem sendo de combate permanente à precarização e defesa do vínculo (até agora sem conseguir reverter o cenário), mas o tempo todo dialogando com os profissionais e se dispondo a representá-los. No passado, isso já significou realizar assembleias com uma maioria de mais de 90% de PJs, negociar, até organizar greves…

Chegamos ao momento atual, no qual o Sindicato representa os jornalistas – contratados e PJs – no processo de recuperação judicial da empresa, por meio de comunicação cotidiana por grupo de WhatsApp, assembleias virtuais, negociação e representação formal na assembleia de credores. Por iniciativa do Sindicato (com base na experiência com a Abril), os jornalistas PJs que prestam serviços para a Editora Três foram alocados entre os credores da empresa em condições idênticas de pagamento às dos profissionais CLTs, sem deságio no pagamento (ao contrário de todos os demais credores da empresa). Em resumo: a atuação sindical mostra, na prática, que jornalista é trabalhador(a).

Mais agressões
Guaratinguetá assistiu estarrecida, em 21 de junho, um novo episódio da saga criminosa de Jair Bolsonaro, que, enfurecido ante simples perguntas de interesse público, passou a berrar sem máscara com a repórter Laurene Santos e o repórter cinematográfico André Bias, da TV Vanguarda. Bolsonaro reage com extremo nervosismo às enormes manifestações de rua contra o seu governo, que, a despeito da pandemia, começam a tomar as ruas, desde o já histórico 29 de maio de 2021. O nosso Sindicato está presente nos protestos, ao lado de centenas de milhares de pessoas, gritando a plenos pulmões: “Fora Bolsonaro”.

Por seus múltiplos crimes de responsabilidade, a Fenaj já havia se somado a outras entidades, em maio de 2020, entregando um pedido de impeachment de Bolsonaro. O nosso Sindicato, em 7 de abril de 2021, entrou com uma ação de danos morais contra o presidente, por suas contínuas agressões verbais dirigidas a jornalistas de São Paulo. Neste novo ataque, o Sindicato imediatamente entrou em contato com a equipe da TV Vanguarda para dar seu apoio direto aos jornalistas e pôr a entidade à disposição para qualquer medida que quisessem tomar.

Frente à agressão, Laurene recebeu justo apoio de amplos segmentos da sociedade civil, de entidades profissionais e das entidades patronais da comunicação. Três dias depois, continuavámos na defesa dos jornalistas agredidos, mas desta vez na mesa de negociação da campanha salarial de rádio e TV. Mais de seis meses após a data-base (1º/12), os patrões se negam a dar a reposição da inflação nos salários e querem tirar a PLR da Convenção Coletiva. Pudemos dizer na mesa: “Querem mesmo apoiar os jornalistas que, em meio à pandemia, mantêm de sol a sol o seu trabalho, essencial para a população brasileira? O ‘apoio’ concreto é o salário reajustado e o rendimento assegurado para os profissionais e suas famílias.”

Sim! Jornalista é trabalhador(a), e o Sindicato é expressão disso, como instrumento permanente de defesa dos direitos, como espaço coletivo de acolhimento, de apoio, de debate, de organização e de ação da categoria por um futuro melhor para todas(os). •

Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo