Editorial – No entanto, ela se move…

Parem as máquinas! Ou melhor, abaixe a tela do notebook, deixe o celular no modo avião e desconecte do publicador de notícias. No último dia 10 de novembro, uma quarta-feira, mais de 350 jornalistas de todas as grandes empresas de jornais e revistas da capital cruzaram os braços por duas horas, das 16h às 18h. Um movimento inédito por conta das circunstâncias, histórico por sua mobilização: essa foi a primeira grande paralisação de nossa categoria em São Paulo neste século 21.

As e os jornalistas que trabalham nas empresas de jornais e revistas da capital ainda estão em home office, mas isso não foi motivo para frear a organização do ato que faz parte da campanha salarial pela reposição das perdas inflacionárias — de 8,9% entre junho de 2020 e maio de 2021. A partir de salas virtuais, o Sindicato organizou assembleias cada vez mais maciças, com mais de 250 presentes na reunião que rejeitou de maneira unânime a proposta patronal e encaminhou a paralisação de duas horas.

Mas como organizar as e os profissionais, dispersos por toda a cidade (e até em outros estados, com jornalistas que trabalham em sucursais)? O jeito foi utilizar a tecnologia como ferramenta de luta: o “piquete” se deu em um ambiente virtual, reunindo cerca de 350 jornalistas nas salas do Google Meet criadas para agruparem a categoria paralisada. Além disso, o movimento ganhou as redes sociais e se tornou um dos assuntos mais comentados do Brasil naquele dia.

Quem lê o relato pode até sentir falta do calor humano de uma paralisação presencial, a vibração de uma assembleia lotada de companheiras e companheiros apertados no auditório. Mas como disse um de nossos diretores: nunca imaginei que organizar um piquete virtual poderia ser tão emocionante… E, de fato, foi um momento incrível, não apenas pela mobilização em si, mas pelos debates gerados que gestaram esse ato coletivo da categoria.

mais de 350 jornalistas de jornais e revistas da capital cruzaram os braços por duas horas em 10 de novembro na primeira grande paralisação da categoria neste século 21

Como ficou claro nas intervenções de colegas que trabalham em veículos tradicionais do país, como Estadão, Folha de S.Paulo, O Globo, Valor Econômico e as publicações da Editora Globo e Editora Abril, se havia alguma dúvida que as e os jornalistas fazem parte de uma categoria de trabalhadores, hoje não há mais. E que somente a luta coletiva possibilitará a conquista de direitos, de salários e de dignidade. “A empresa deixa a minha vida cada vez pior nos 364 dias do ano. Por que, então, não posso dar uma dor de cabeça para eles em pelo menos um dia?”, foi o questionamento de um companheiro que sintetizava o sentimento de disposição à luta após anos de precarização, demissões e piora nas condições de trabalho de nossa profissão.

O movimento coordenado por nosso Sindicato e protagonizado pela categoria foi vitorioso, mas a luta segue. Neste momento, continuamos a batalhar nesta campanha salarial, com uma nova grande assembleia aprovando nova paralisação, agora de quatro horas, que ocorrerá após o fechamento desta edição. Enquanto isso, as negociações para os profissionais de Rádio e Televisão se iniciam — a data-base desse segmento da categoria é em dezembro. Que os bons ventos de novembro soprem para as lutas que virão.

Por falar nisso, uma informação não menos importante deste editorial: com o exemplar que você tem em mãos, iniciamos nossa despedida de 2021 com a última edição do Unidade para este ano.

Felizmente, a manchete da paralisação deixou em segundo plano a famigerada retrospectiva anual. Porque, como sabemos bem, esse período que está prestes a se encerrar não foi nada fácil para nós, brasileiros. E nem para a nossa profissão em particular.

É impossível não se lembrar das mais de 600 mil vítimas de covid-19 em nosso país. É impossível não se solidarizar pelas tantas famílias que não poderão celebrar a passagem de ano com seus entes queridos por conta da criminosa sabotagem do governo Bolsonaro ao enfrentamento da pandemia. É impossível não se indignar ao andar pelas ruas de nossas cidades e encarar a face mais dura da fome, da miséria e da desesperança.

E, como não poderia deixar de ser, o desastre sanitário, econômico e social também atingiu a nossa profissão de maneira profunda. Continuamos expostos ao vírus, na linha de frente da cobertura: de acordo com dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), mais de 280 profissionais de imprensa morreram desde o início da pandemia — o Brasil é um dos países em que mais jornalistas foram vitimados pela covid-19 em todo o planeta.

Durante todos esses meses, realizamos nosso trabalho sob as ameaças e as agressões verbais e físicas cometidas pelo próprio presidente da República e por seus apoiadores. E se, da porta para fora, as empresas de comunicação não pouparam elogios à nossa categoria, a realidade de dentro das redações foi bem diferente, como fica evidente na postura dos patrões em nossa campanha salarial de jornais e revistas.

Diante de tudo isso, só nos resta uma saída: lutar muito, lutar todos os dias. É o trabalho construído cotidianamente que pavimenta os caminhos da ação e pode desaguar em momentos históricos como… a paralisação do último dia 10.

É por conta desta e das demais lutas empreendidas por nosso Sindicato e por toda a nossa categoria que temos a convicção de que 2022 será um ano para renovarmos a esperança e teimarmos a engendrar uma realidade de solidariedade, paz, progresso e da verdadeira democracia construída pelas mãos das trabalhadoras e dos trabalhadores.

Obviamente, isso passa pelo período eleitoral que se avizinha. Mas uma eleição, por mais importante que seja, não resolve as contradições e as complexas questões colocadas em nossa atual conjuntura. E é por isso que o nosso Sindicato se coloca à disposição de nossa categoria e de toda a classe trabalhadora para organizar as lutas, acolher as companheiras e companheiros dispostos a contribuir para a permanente construção de nossas entidades e ser uma referência das e dos jornalistas nas batalhas por direitos e por dignidade.

Mesmo vivendo anos tão difíceis, continuamos firmes, de braços dados. E com a certeza que, apesar de tanta tristeza, derrotas e dor, amanhã haverá de ser outro dia. Para quem pensava que a classe trabalhadora permaneceria de joelhos e cabisbaixa, que aguarde a nova primavera prestes a despertar. A Terra é redonda e se move…

Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo