Editorial: Lava jato, imprensa e sindicato

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), chacoalhou o Brasil em 8 de março ao anular as sentenças condenatórias contra o ex-presidente Lula, que não poderia ter sido julgado pela Justiça Federal de Curitiba (PR). Decisão correta, mas adotada com quatro anos e meio de atraso, com graves e irreparáveis danos ao país!

Especula-se bastante sobre as segundas intenções de Fachin, mas o fato incontestável é que as comprovações tornadas públicas da ação criminosa de procuradores e juízes na Operação Lava Jato tornaram as condenações insustentáveis.

O amplo conhecimento do teor das conversas conspirativas, porém, não significa que as ilegalidades cometidas por Sergio Moro, Deltan Dallagnol e os demais não devessem obrigatoriamente estar no radar de todos os que têm, como norma, o compromisso com a democracia e com a verdade dos fatos. Há quase cinco anos, em 4 de abril de 2016, nota deste Sindicato protestava contra a violação ao sigilo de fonte do jornalista Breno Altman e afirmava: “A diretoria do SJSP já se manifestou contra os métodos da Operação Lava Jato que, em nome de combater a corrupção, atropela garantias constitucionais, como a neutralidade da Justiça, o direito ao processo legal e a presunção de inocência”. Os abusos eram visíveis à luz do dia para quem se dispusesse a enxergar para além da fumaça emitida pelas engrenagens políticas que preparavam o golpe.

O próprio motivo para anular agora as condenações já havia sido explicitamente registrado por nosso Sindicato, em 9 de abril de 2018: “O processo contra o ex-presidente Lula que o levou à prisão, segundo diversos juristas, é marcado por uma gama de excepcionalidades, por uma clamorosa falta de provas, pela violação ao princípio do juiz natural (…)” (grifo nosso).

os abusos eram visíveis à luz do dia para quem se dispusesse a enxergar para além da fumaça emitida pelas engrenagens políticas que preparavam o golpe

Nossas posições buscaram sempre apoiar-se em fatos, tendo como norte a defesa das garantias profissionais e trabalhistas dos jornalistas e o fortalecimento da atividade jornalística. Condenamos o golpe de 2016 e o lawfare contra Lula por seu conteúdo antidemocrático e contrário aos direitos sociais, amplamente constatado em suas consequências – sobretudo nas reformas trabalhista (2017) e da Previdência (2019).

Rabo-preso do patronato

Frente à decisão, os editoriais da grande imprensa mostram perplexidade e inconformismo. Afinal, após anos de apoio acrítico à operação, vê-se agora surpreendida por uma decisão baseada em fatos simples e facilmente constatáveis. E onde estava o jornalismo?

Para tomar dois exemplos, a Folha de S.Paulo reclama da “barafunda” do STF, que gera “incerteza”, abstendo-se de analisar, mesmo tardiamente, o quanto investiu em investigação jornalística sobre a questão do “juiz natural”. Não se porta como jornal, mas como empresa contrariada em seus interesses. A Veja passa ao largo dos fundamentos da decisão e resume tudo a lamentar a “manobra desastrosa”.

Nesse capítulo da história brasileira, os grandes veículos de imprensa cumpriram papel lamentável, de sustentação, propaganda e apoio às ações golpistas de 2016 e à instalação e às políticas dos ilegítimos governos Temer e Bolsonaro. Para tratar disso em profundidade, teremos de recorrer a livros. No âmbito deste texto, nos cabe apontar o alinhamento das empresas jornalísticas com a pauta regressiva instalada no país, agora sob o comando de Paulo Guedes, cujas condições de aplicação foram construídas pelo conjunto de manobras (aí sim!) golpistas em curso no Brasil nos últimos anos.

Defesa da profissão

Como categoria essencial, completamos um ano enfrentando os desafios de manter o jornalismo sob a pandemia. Não bastassem os riscos à saúde, fomos ainda atingidos pela legislação casuística que permite às empresas reduzir salários em até 25% sem acordo coletivo. No fechamento deste número, havia no forno uma nova edição de Medida Provisória retomando o mecanismo, mas agora na forma (ao menos parcial) de “antecipação do seguro-desemprego”. A desfaçatez chega ao máximo! Em 2020, ao ter tal arma em mãos, boa parte das empresas não hesitou em usar. Resistiremos!

Tudo ressalta a importância do Sindicato para defender a categoria, suas condições de vida e a nossa profissão. Como entidade representativa do conjunto, não lhe cabe a função de “ombudsman” ou de crítica do noticiário geral (é antes um espaço aberto aos próprios jornalistas para debater as questões da profissão, como a “instrumentalização” promovida pela Lava Jato com profissionais e veículos). Mas cabe sim ao Sindicato analisar e expor o rabo-preso das empresas com interesses que se opõem aos dos trabalhadores, e seus impactos sobre o jornalismo.

Já ressaltamos a tensão permanente que nos atinge, como jornalistas, entre os compromissos, a missão e a ética profissional, por um lado, e as decorrências do poder de mando do empregador, por outro. Neste momento, joga-se uma forte luz nesse nó de nossa vida profissional.

O uso do Judiciário contra o jornalismo é a nossa capa. O país enfrenta grave crise institucional, envolvendo todos os poderes. O fato de que abusos e ilegalidades da “República de Curitiba” tiveram suporte por anos no STF dá uma medida da gravidade dessa moléstia no âmbito da Justiça. Ela se expressa também nas centenas de decisões arbitrárias, ações indenizatórias e de censura prévia para tentar calar jornalistas. Nossa resposta é a resistência, e a luta sem descanso pela afirmação das garantias e dos direitos sociais e democráticos.   Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo