por João Marques
Chico Buarque chorou em recente entrevista à Regina Zappa, na TV 247; junto com Hildegard Angel, eles falaram da estilista Zuzu Angel e de sua busca pelo corpo do filho, Stuart Angel Jones, desaparecido em 1971 e assassinado pela ditadura (https://youtu.be/OizAowjB_6E). Chico foi confidente de Zuzu e conta essa história. Ele fala também da descrição da morte de Stuart, feita por Alex Polari, na Comissão da Verdade, e se emociona; compara aqueles tempos, de tortura e censura à imprensa, com o momento atual e volta a se emocionar; depois, diz temer que a história se repita; sinais, não faltam.
O novo livro de Bernardo Carvalho, O último gozo do mundo (Companhia das Letras, 144 págs.) não trata exatamente disso, mas conta uma história em que o passado foi esquecido, “tudo é espera sem futuro”, e lembra muito bem a atual conjuntura brasileira. Essa distopia nasceu de uma encomenda, um produtor de cinema queria um texto que falasse de um momento, logo após a pandemia. A produção do filme não avançou, mas o autor seguiu com o romance. Em entrevista para Nahima Maciel, do Correio Braziliense, Carvalho diz que seu livro está mais para fábula do que para distopia, “o que a gente está vivendo é um negócio que, há dois anos, seria considerado uma hiperdistopia”. Ele também fala que o próprio sentido de distopia mudou com essa pandemia e que seu livro tenta ver um futuro, mas não consegue.
Narrado em terceira pessoa, O último gozo do mundo conta a história de uma professora de sociologia que se separa do marido, dias antes de ser decretada a quarentena. Ela também escreve ficção, com pseudônimo masculino; um dia, resolve assistir à aula de uma colega da universidade, professora de literatura, que está dando uma oficina de criação literária e detonando seu romance, sem saber quem era a verdadeira autora do livro. Nesse dia, ela se envolve com um aluno de sua colega e engravida. Começa a quarentena, e não o encontra mais; além do sumiço do pai de seu filho, alguns desaparecimentos também começaram a acontecer: um banqueiro, o líder do partido ultraconservador, um dos braços armados do agronegócio; depois, quando os estudantes começam também a sumir, as investigações da polícia concluem que havia uma ação terrorista em curso no país, na qual os primeiros foram vítimas dos segundos, e o desaparecimento dos estudantes seria resultado de sua entrada na clandestinidade. Cedendo à especulação, ela cogitou que ele pudesse ter tomado esse caminho, mas, mesmo assim, seguiu, já com o filho, à procura do pai, até encontrar um vidente, sobrevivente do vírus, que foi entubado, perdeu a memória, mas ganhou o poder de prever o futuro.
Bernardo Carvalho é jornalista e escritor, colunista da Folha, foi editor do suplemento Folhetim e correspondente em Paris e Nova Iorque; começou a publicar ficção em 1993, escreveu contos e romances e ganhou dois prêmios Jabuti. Nesse seu novo romance, 13º livro da carreira, a esperança é um vidente. Aqui, até que temos muitos videntes, mas não sabemos, muito bem, o que fazer com suas previsões.