Cojira SP completa 20 anos de luta por equidade racial entre jornalistas

Cursos, exposições, palestras e lives, publicação de livros e artigos, presença em atividades antirracistas e atuação em âmbito nacional deram visibilidade à existência da comissão

por Flavio Carrança

Participantes do Seminário Equidade Racial na Empresa Jornalística, realizado em 2017 , um dos diversos eventos organizados pela comissão

A Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira SP), órgão de assessoria à diretoria do Sindicato, aberto à participação de profissionais com registro, teve e tem um papel importante no despertar e aprofundamento do debate sobre a desigualdade racial no interior da nossa categoria e das empresas do setor. Em julho deste ano, vários de seus integrantes participaram ativamente do 2º Encontro Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial (Enjira), evento que reuniu os organismos de combate ao racismo de diversos sindicatos de jornalistas do país (ver Unidade 412) e definiu propostas posteriormente submetidas à aprovação do 39º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado virtualmente em setembro último. O objetivo deste texto é traçar um panorama resumido do contexto em que a Cojira SP foi criada e das atividades que desenvolveu.

O movimento sindical brasileiro demorou para incluir o combate ao racismo entre suas prioridades, e os sindicatos de jornalistas, mais ainda. Apenas na década de 1990, sob impulso da pressão exercida pelo movimento negro, importantes categorias profissionais – como químicos, bancários e comerciários – aprovaram acordos coletivos voltados para o desenvolvimento de políticas antirracistas. Nos sindicatos de jornalistas, no entanto, esse debate teria início apenas na virada do milênio, no quadro das discussões sobre as políticas de cotas durante a preparação e o acontecimento da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata da ONU, realizada em Durban, na África do Sul, no mês de setembro de 2001.

Na manhã de 11 de setembro daquele ano, em uma sala de reuniões do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, um grupo de jornalistas negros assistiu pela TV, sem entender direito do que se tratava, as imagens do incêndio em uma das torres gêmeas do World Trade Center, quando o segundo avião se chocou contra a outra torre. Em meio àquelas imagens assustadoras, discutíamos o caráter de um organismo de combate ao racismo que havíamos criado um ano antes. Em junho de 2000, a partir de uma proposta do jornalista de Piracicaba Noedi Monteiro, o núcleo inicial que realizou esse debate havia se denominado Comitê Permanente de Jornalistas Negros. Porém, no decorrer do primeiro semestre de 2001, por minha iniciativa e levando em conta a experiência de outros sindicatos, abriu-se uma discussão política naquele coletivo sobre a pertinência da inclusão da palavra “negros” em seu nome. No final desse processo, a maioria dos participantes daquele quadro de discussões apoiou a ideia de que a permanência daquela denominação poderia se tornar um obstáculo à participação de não negros nas atividades a serem implementadas. Como resultado desse consenso, foi adotado um novo nome: Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial, resumido na sigla Cojira.

O manifesto de lançamento da Cojira SP apontava a necessidade da produção de informações sobre a desigualdade racial no interior da categoria, como condição necessária para a elaboração de políticas voltadas para a promoção da equidade; falava também sobre a necessidade de aumentar a presença de profissionais negros nos locais de trabalho de jornalistas, inclusive para reduzir as coberturas estereotipadas e, ainda nesse sentido, apontava a necessidade de ações que melhorassem a compreensão da questão racial tanto por parte dos profissionais já atuantes quanto dos estudantes de jornalismo; o texto declarava ainda a intenção da comissão de acompanhar e divulgar o trabalho da imprensa negra. Assinam o documento Amélia Nascimento, Benedito Egydio dos Santos, Esmeralda Ribeiro, Flávio Carrança, Francisco Soares, Maurício Pestana, Oswaldo de Camargo, Oswaldo Faustino, Paulo Vieira Lima, Ricardo Alexino Ferreira e Ronaldo Junqueira.

O SURGIMENTO DA COJIRA E AS ATIVIDADES QUE DESENVOLVEU TIVERAM O MÉRITO DE DESPERTAR O DEBATE ENTRE OS JORNALISTAS, APONTANDO CAMINHOS PARA A SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS

Merecem destaque, entre as inúmeras atividades que a Cojira SP realizou e está realizando nessas duas décadas, o relançamento, em 2002, da obra Imprensa Negra, de Clóvis Moura e Miriam Nicolau Ferrara, coletânea de estudos e fac símiles de jornais do início da imprensa negra paulistana, cuja tiragem de 2.500 exemplares foi, em grande parte, doada a bibliotecas públicas do estado de São Paulo, universidades, entidades do movimento negro, sindicatos, além de professores e outros estudiosos de todo o país. Também deve ser assinalada a publicação, em 2004, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp) e por Geledés – Instituto da Mulher Negra, do livro Espelho Infiel: o negro no jornalismo brasileiro, coletânea de artigos organizada por Flavio Carrança e Rosane da Silva Borges.

Durante seus 20 anos de existência, a Cojira SP promoveu cursos, palestras e lives abordando temas que relacionam jornalismo e questão racial, atividades que realizou com parceiros como a Coordenadoria do Negro do Município de São Paulo, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) ONU Mulheres, Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e Museu Afro Brasil, Sindicato dos Bancários, Sindicato dos Comerciários, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), National Association of Black Journalists (NABJ) e muitas outras entidades.

Embora ainda não tenha conseguido encaminhar a negociação de cláusulas de promoção da equidade racial nos acordos coletivos da categoria, o surgimento da Cojira e as atividades que desenvolveu tiveram o mérito de contribuir para despertar esse debate entre os jornalistas brasileiros, apontando caminhos para a solução dos problemas. E claro que essa não foi uma iniciativa isolada. Também no ano 2000, durante a realização em Porto Alegre do 1º Fórum Social Mundial, tiveram início os debates que levaram à criação, em 2001, do Núcleo de Comunicadores Afrodescendentes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors), tendo à sua frente as jornalistas Vera Daisy Barcellos (atual presidente do Sindjors) e Jeanice Ramos, ainda à frente do agora denominado Núcleo de Jornalistas Afro-brasileiros do Rio Grande do Sul. O surgimento desses dois organismos estimulou o debate em escala nacional, o que resultou na criação de instâncias organizativas semelhantes no município do Rio de Janeiro, no Distrito Federal e nos estados de Alagoas, Paraíba e Bahia. Esse mesmo processo levou à criação, em 2007, da Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Étnico-Racial (Conajira), que reúne todos esses coletivos no âmbito da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).