Cojira: O jornal que dá voz aos invisíveis

por Flavio Carrança*

A história do Jornal Empodera­do – que acaba de completar quatro anos de existência – se confunde com a trajetória do seu coordenador geral, o jornalista An­derson Moraes, um homem negro com 40 anos de idade nascido no bairro do Jabaquara, zona sul da capital paulis­ta. É uma aventura que começa em um projeto cultural impulsionado por uma mãe de santo, passa por uma rádio pirata voltada para torcedores do Corinthians, e evolui para um jornal impresso, até chegar à fase atual, de presença marcan­te nas mídias sociais, com foco em seus objetivos centrais: dar voz aos invisíveis e impulsionar a reflexão crítica sobre a vida cotidiana.

Filho de funcionários públicos do Judi­ciário, atualmente aposentados, Anderson revela ser uma pessoa da classe média, nunca tendo, por exemplo, estudado em escola pública. Ressalva, no entanto, que sempre circulou e teve amizades em di­versos meios sociais: “Nunca morei em favela, mas tenho milhões de amigos que moram. Não saí de uma favela, mas não deixei de estar em locais de bons acessos, estive em todos os mundos”.

Ylê FM

Jornalista integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Coji­ra SP) deste sindicato, Anderson estudou marketing e desenho industrial, mas diz que, sem saber, gostava de comunicação. O caminho em direção ao jornalismo co­meçou quando, ainda muito jovem, passou a colaborar com a rádio comunitária Ylê FM, mantida pela mãe de santo Sílvia de Oxalá na região do Jabaquara.

Vai Corinthians!

Ainda na época do Orkut, Anderson, corinthiano ativo, participava do Fórum dos Gaviões da Fiel, espaço do site da tor­cida organizada aberto para discussões entre torcedores. Ali conheceu Alexan­dre Carvalho, junto com quem resolveu montar um blog para falar do Timão. Nessa nova mídia, um fazia o resumo do jogo, outro falava da política do clube e Anderson escrevia textos, segundo ele, pouco convencionais: falava sobre o Co­rinthians misturado com anos 80, tema que o apaixonava; e foi pegando gosto, até que surgiu o Facebook, o que coincidiu com o fim do blog e a migração para essa nova mídia. Ele se une a outro parceiro e monta, em 2014, uma emissora online com o mesmo perfil, a Rádio Resistência. Ela cresce em audiência e tem seu grande momento em 2015, quando o clube está em fase eleitoral. Contra o ceticismo dos parceiros, Anderson propõe entrevistarem um dos candidatos, iniciativa que resul­tou depois em entrevistas com todos os candidatos. Fez também um programa de grande repercussão com corinthianos de outros estados, e passou a falar de temas não ligados ao futebol, como a Festa das Cerejeiras no Parque do Carmo. Provocou grande confusão, dentro e fora da rádio, ao falar sobre pessoas LGBTQI+.

Passa então a sentir que tratar apenas de futebol o deixa incompleto: “De al­guma forma aquilo estava me incomo­dando, mas foi um aprendizado muito grande no que toca à comunicação. Na Rádio Resistência, comecei de alguma forma a fazer o mesmo que a mãe Sílvia fazia na rádio Ylê, que era colocar pessoas para colaborar, dar voz a elas, foi a minha universidade”, declara.

Empoderando

O Jornal Empoderado surge em 26 de agosto de 2016 como veículo impresso numa época em que ele trabalhava como funcionário comissionado da prefeitura na gestão Haddad. Fez o projeto gráfi­co do jornal com a ajuda de uma colega jornalista da prefeitura e montou um site com auxílio de um especialista em internet.

Começou então a pedir aos amigos e amigas que fizessem textos e obte­ve ajuda de muita gente. “Fui pegando todas as pessoas que eu conhecia. Só para ele existir, só por que eu gostava. Não estava preocupado com a questão racial, era importante ser socialmente responsável, ter uma visão progressista”. Montados o jornal e o site, trabalhava neles à noite e cuidava também da dis­tribuição: saía com o jornal debaixo do braço e colocava em bancas do centro da cidade, andando com a publicação na mochila por toda a cidade.

Essa fase do jornal impresso esbarra, no entanto, nos custos, todos bancados com seu próprio salário, o que o for­çou a manter a publicação apenas na versão digital. “Não existia projeto, o Jornal Empoderado nasce de uma loucu­ra e, por ser assim, é uma metamorfose ambulante”. Aos poucos, no entanto, o projeto começa a se definir: dar espaço a pessoas que têm muito a oferecer e estão à margem.

Citando exemplos dessa linha editorial, conta que o jornal entrevistou Mc Sofia em sua estreia, ainda desconhecida; fa­lou de um menino da favela que sonhava em ser jogador de futebol. E brinca que ganha nas duas pontas: quando o invisí­vel é entrevistado ou quando é ele quem escreve a matéria.

Nesse último caso, cita o exemplo do DJ Paul, que tinha sido do RPW, banda de rap famosa nos anos 90, a quem cha­mou para uma entrevista e que gostou do jornal, a ponto de se tornar titular da coluna de hip hop “Na Agulha”, inicia­tiva que acabou se tornando um projeto social voltado para crianças. Ou ainda de Fabiana, menina negra que chamou sua atenção por ter um brechó online e que depois se tornou colunista de moda e entretenimento. “Hoje, ela tem também outros espaços, como a TV, está voando”.

Também colaboram com o jornal in­telectuais acadêmicos conhecidos – que Anderson chama de seus mestres – como o professor Juarez Xavier, da Unesp, e Den­nis de Oliveira, professor de jornalismo da USP, ativista da Rede Quilombação e membro da Cojira-SP, que reconhece a importância do veículo no qual também já passou, como entrevistado, o respeitado antropólogo Kabengele Munanga.

Afirmando que o Jornal Empoderado não é uma mídia preta feita por pesso­as pretas, e sim uma mídia socialmente responsável, com protagonismo para pessoas negras e periféricas, Anderson cita o exemplo das lives mediadas por Valéria Silvestre, mulher negra gestora de políticas públicas pela USP, colunista e âncora do jornal. Valéria se diz abençoada e feliz por fazer parte de uma iniciativa apoiada “na dedicação de seu fundador e na colaboração de profissionais de alto nível, que se colocam numa ação voluntá­ria à disposição dos objetivos e projetos do jornal na luta antirracismo”.

Além de Valéria, o jornal conta agora com cerca de 10 pessoas trabalhando diariamente, e congrega em torno de 30 pessoas em sua rede de colaboradores. O sucesso não é medido por likes, mas pelo respeito conseguido junto à con­ceituada mídia alternativa Jornalistas Livres, parceira na divulgação das li­ves, ou a entidades como MNU, Unegro, Educafro, Cufa, ou ainda parlamentares progressistas, como Erica Malunguinho e Leci Brandão. O desafio agora é obter recursos para tornar sustentável essa estrutura.


* Flavio Carrança é jornalista e coorde­nador da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial – SP (Cojira-SP)