por João Marques
João e Dante viviam em Porto Alegre, foram colegas de faculdade, cursaram psicologia e se formaram no início dos anos 2000. Apesar de influências tão distintas, ficaram amigos: o pai de João acreditava que “a luta de classes levaria a um mundo de plena igualdade”, e a mãe estava certa de que “o amor tomaria conta do mundo tão logo se anunciasse a Era de Aquário”; já o pai de Dante, empresário bem sucedido, esperava que o filho “assumisse as responsabilidades daquela herança”. João virou um radical, crítico do sistema capitalista; Dante, um “guri de apê”, mesmo influenciado pelo amigo, acabou aceitando o convite da turma antiga do colégio — uns “playboys desgraçados”, segundo João — e ficou sócio de uma empresa.
Cinco ou Seis Dias, de Danichi Hausen Mizoguchi (Dublinense, 192 págs.), narrado em terceira pessoa, reproduz conversas e memórias dos dois amigos e conta que eram crianças quando Tancredo Neves morreu, José Sarney assumiu a presidência, Olívio Dutra ganhou a prefeitura de Porto Alegre, o muro de Berlim caiu, houve a primeira eleição para presidente depois da ditadura e o Brasil foi desclassificado pela Argentina na Copa de 90. João tinha todas essas lembranças, em detalhes, inclusive o jingle do Lula, que sabia de cor. Disso tudo, Dante só se lembrava da Copa e da festa com bandeirinhas verde-amarelas, que aconteceu em sua casa, comemorando a vitória de Collor. Mas se era verdade que tiveram muitas coisas diferentes, outras começaram a ser iguais, desde que se aproximaram e se tornaram melhores amigos.
Sustentando uma narrativa ágil e densa, do início ao fim do livro, o autor conduz o leitor por uma história que começa em Cabo Polonio, uma praia do Uruguai, onde, cansados do litoral catarinense, resolvem acampar e comemorar uma passagem de ano, e termina depois de cinco ou seis dias, quando levantam acampamento. Após arrendar um consultório e atender alguns pacientes, sem sucesso, Dante desiste dos sonhos e da carreira de psicólogo e leva seus conhecimentos para a The Edge Paradise, empresa de tecnologia que “pretendia transformar o mundo”. Desiludido, sem perspectiva e vendo que o amigo já tinha escolhido outro caminho, João rompe com a namorada Maria, deixa o apartamento em que vivia desde que nasceu e vai morar na rua, pois “não aguentava mais a mediocridade da vida normal”. Com referências de duas gerações e achando que daquela vez seria diferente, os personagens de Mizoguchi acreditaram em sonhos que foram destruídos em pouco tempo — cinco ou seis dias, cinco ou seis meses, cinco ou seis anos —, “porque nossa frágil convicção não durou mais do que isso”.
Danichi Hausen Mizoguchi nasceu em Porto Alegre, em 1981, é professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense, e tem relevante produção acadêmica; publicou Amizades Contemporâneas: Inconclusas Modulações de Nós (finalista do Prêmio Açorianos), Segmentaricidades: Passagens do Leme ao Pontal (2º lugar no Prêmio da UBE), entre outros livros e diversos ensaios; Cinco ou Seis Dias é sua estreia na ficção.