Bolsonaro tenta o golpe, fracassa, e sai barato…

A falta de reação concreta à escalada golpista mostra que o perigo segue à espreita, enquanto há um desastre em curso que atinge a imensa maioria dos brasileiros

por Laura Capriglione

O presidente Jair Bolsonaro arreganhou os dentes nos atos públicos micados que promoveu em Brasília e São Paulo em 7 de setembro. Jogou tudo para que acontecessem megamanifestações, mas, dos 2 milhões de pessoas que pretendia reunir na avenida Paulista em apoio a seu governo, só conseguiu juntar 125 mil.

A direita mais estúpida esteve na Paulista. Overdose de ignorância. (Foto: Zarella Neto)

Um raivoso Bolsonaro, então, chamou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de “canalha” e afrontosamente garantiu que não obedeceria a nenhuma decisão da Suprema Corte brasileira. Mais ainda, ameaçou o presidente do STF, Luiz Fux: “Ou o chefe desse poder [Fux] enquadra o seu [ministro Alexandre de Moraes], ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”.

Depois disso, o país foi inundado por um tsunami de declarações vazias de “repúdio”. Teve Fux dizendo que, “no exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição”. E mais não fez, apesar de ser óbvio que Bolsonaro cometeu pelo menos dois crimes de responsabilidade ao dizer que iria descumprir decisões de Moraes e ao ameaçar Fux.
Teve o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), por seu turno, pedindo moderação de todos os lados (ele, que está sentado em cima de 130 pedidos de impeachment de Bolsonaro).

Teve o ministro Luís Roberto Barroso, lamuriento, dizendo que “já começa a ficar cansativo, no Brasil, ter que repetidamente desmentir falsidades, para que não sejamos dominados pela pós-verdade [sobre a urna eletrônica, uma das bandeiras mais importantes do presidente, para desacreditar as eleições de 2022, que ele sabe que perderá]”.

Dois dias depois das bravatas, um Bolsonaro consciente de que não conseguiria dobrar a aposta no golpe, já que seu 7 de setembro flopou, lançou uma “Declaração à Nação”, peça retórica indigesta, apesar de curta, escrita pelo ghost writer Michel Temer (MDB), o próprio nome do establishment político que o capitão jurou que enterraria. “Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes… quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento”, disse o presidente, como se fosse um boneco do ventríloquo Temer.

A DECLARAÇÃO À NAÇÃO FOI PENSADA COM O PROPÓSITO DE COLOCAR ÁGUA NA FERVURA DA CRISE. E CONSEGUIU. LÍDERES FESTEJAVAM A MODERAÇÃO DA NOTA, PARA QUE TUDO CONTINUE COMO ESTÁ

A “Declaração à Nação” foi pensada e escrita com o propósito de colocar água na fervura da crise institucional. E conseguiu. Logo depois, líderes políticos se congratulavam pela moderação manifestada pelo presidente. Gilmar Mendes foi mais longe e, de forma patética, conclamou os cidadãos brasileiros: “Temos de acreditar na boa-fé de Bolsonaro”.

E nada aconteceu, até que o marqueteiro de Michel Temer, Elsinho Mouco, resolveu brindar o Brasil com um vídeo indecoroso, mostrando jornalistas, ricaços e líderes de partidos conservadores gargalhando na casa de Naji Nahas, o megaespeculador brasileiro que ficou conhecido pela quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989. Gargalhavam com uma imitação de Bolsonaro, feita por André Marinho, filho do empresário Paulo Marinho, um dos cabeças da campanha eleitoral que levou o capitão ao Palácio do Planalto (chamaram a atenção as presenças de Johnny Saad, dono da Rádio e TV Bandeirantes, e Antonio Carlos Pereira, editorialista do Estadão por muitos anos).

Ou seja, era uma reunião de apoiadores de Bolsonaro, em uma casa milionária no Jardim Europa, em que se ridicularizou o próprio Bolsonaro. O pai do 01, 02, 03 e 04 parecia reduzido ao seu tamanho real: o de marionete da plutocracia que sempre governou o país. Dele pode-se rir, pode-se fazê-lo miar para o Supremo, pode-se fazê-lo pedir desculpas esfarrapadas. Para que tudo fique como está.

Enquanto isso, o país afunda em uma crise econômica assombrosa. O PIB de 2022 crescerá 1% e olhe lá. A miséria e a fome crescem e se multiplicam (é só andar pelo centro das grandes capitais, para ver os vultos desgrenhados e vestidos em andrajos em número cada vez maior). Desespero.

Engana-se, contudo, quem pensa que Bolsonaro tenha desistido, que agora baste esperar a eleição de 2022 para o Brasil encontrar, de novo, o caminho da prosperidade.

A ameaça que Bolsonaro representa segue à espreita, como se viu pela manifestação do dia 7 – em que estive presente a trabalho –, quando uma extrema direita apaixonada por seu líder jurou fidelidade a ele. As 125 mil pessoas lá reunidas podem não ter sido suficientes, ainda, para o golpe. Mas os ataques ao pouco que resta de democracia no Brasil ainda persistirão.

Afinal, aquele exército que foi à avenida Paulista com camiseta da seleção brasileira ou trajando roupas e bonés de camuflagem, mulheres, homens e crianças gritando, uivando, agitando bandeiras, dançando em frenesi para o Mito, liberavam aquela estranha catarse, libidinosa catarse, que antes foi dirigida a Mussolini ou a Hitler. “Amamos o presidente Bolsonaro!”

Esses “conservadores puro sangue”, antes de mais nada, odeiam. Odeiam os pobres, os indígenas, os LGBTQIA+, a arte, a cultura e a ciência, como antes fizeram os adoradores de Mussolini ou Hitler.

Se considerarmos que as megacorporações religiosas, como a Assembleia de Deus ou a Universal do Reino de Deus, o agronegócio, que financiou os atos de 7 de setembro, as frotas de caminhões, os aparatos militares e paramilitares, as polícias, forças armadas, seguranças privadas, além das milícias, e boa parte da classe média branca, ainda estão fortemente aderidos ao ideário da extrema direita, é preciso todo cuidado.

Bolsonaro ainda pode lançar-se em uma aventura, se perceber que ele ou a sua família podem ser presos. Por outro lado, é pura ilusão depositar qualquer confiança em que Temer ou os ricaços que gargalhavam no jantar de Nahas sejam capazes de refrear os ímpetos golpistas do atual ocupante do Palácio da Alvorada. Eles são o próprio bolsonarismo – por isso, correram em socorro do seu protegido, apesar de rirem dele.

Manifestações unitárias de rua pelo “Fora Bolsonaro” e pelas bandeiras de interesse da maioria do povo brasileiro são, mais do que nunca, o único caminho para a vitória contra tanta dor e sofrimento pelos quais quais o país está passando, incluindo aí o martírio dos mais de 588 mil mortos por covid-19, aos quais o governo, durante tanto tempo, só ofereceu cloroquina. É preciso que todos os democratas – juntos – demonstrem nos quatro cantos do Brasil que esse desgoverno tem de acabar o quanto antes, para que se devolva ao povo o direito de sonhar e ser feliz. •