por Comissão de Ética dos Jornalistas de São Paulo (*)
Neste momento que fazemos um balanço sobre a gestão da atual Comissão de Ética (CE) do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, se faz necessário levantar algumas questões de fundamental importância para a categoria. Tais como o alcance e limite de ação da CE, as questões trabalhistas, que também encontram eco em atitudes ligadas diretamente a posicionamentos éticos dos profissionais que exercem o jornalismo no Brasil. Esse é o caso da atuação de jornalistas nas redes sociais, a utilização do material produzido pelas assessorias de imprensa em veículos de comunicação, o ensino da ética profissional nos cursos de jornalismo em todo país e os limites necessários ao uso da inteligência artificial que invadiu o jornalismo brasileiro.
O alcance da CE
Comecemos por analisar o alcance da CE nos inúmeros casos relacionados à atuação de jornalistas no exercício profissional e na sua conduta ética no exercício da profissão. Antes, nunca é demais lembrar as duas formas de atuação da CE: a comissão pode tomar a iniciativa de instaurar procedimento ético ex-offício ou atuar reativamente, quando é acionada por colegas jornalistas ou alguém da sociedade que se sentiu atingido pela ação de algum profissional da imprensa.
Em relação a essa segunda modalidade, cumpre registrar o baixo número de denúncias recebidas ao longo deste último triênio, o que nos convida a pensar em possíveis explicações.
Uma delas, pode estar associada a um contexto excepcional: atravessamos a pandemia de Covid e a gestão de um presidente da República que tinha o jornalismo (em especial, as jornalistas) como alvo. Repórteres estavam nas ruas para informar e desmentir fake news e, ao mesmo tempo que se expunham a riscos, eram alvos de agressões e censuras. Ainda há muito a se pesquisar, mas não é difícil afirmar que as maiores falhas éticas foram praticadas contra a categoria que, por sua vez, precisou lançar mão das boas práticas jornalísticas para poder ter ao seu lado a moeda mais valorizada na batalha informacional: a credibilidade. A hostilidade do então presidente com os profissionais de imprensa, de tão recorrente, fez com que discutíssemos e publicássemos uma nota técnica orientando os colegas envolvidos nas coberturas sobre como lidar com tais situações, mantendo tanto a defesa ética da profissão e o direito dos cidadãos à informação quanto a rejeição à truculência contra nossa profissão
Por outro lado, a baixa procura à CE também nos convida a pensar na necessidade de ampliarmos o debate sobre a ética profissional no dia a dia das redações, bem como a divulgação dos canais de denúncia, acompanhamento e apropriação pela categoria dessa importante instância para a efetiva profissionalização do jornalismo.
Entre as poucas demandas apresentadas a essa CE, uma delas nos levou a reflexões sobre um desafio cotidiano: preservar o rigor jornalístico frente à contínua precarização do trabalho. Foi uma denúncia de plágio contra um dos maiores jornais do País, feita por uma agência de notícias esportivas.
Antes de seguirmos, um parêntese: os processos da CE são sigilosos. Vamos relembrar o caso, mas preservando os nomes dos envolvidos e nos atendo a fatos já tornados públicos. Feito o esclarecimento, sigamos em frente.
A CE estudou o processo, ouviu depoimentos e concluiu que o jornalista falhou. Quanto ao jornal, a CE não tem mandato para julgar empresas. Mas a conclusão está clara: o profissional não errou sozinho. A empresa enxugou a equipe, demitiu pessoas e permitiu que o mesmo profissional fosse responsável pela apuração, redação, edição, revisão e publicação de conteúdos na edição online. Como se isso não fosse, na prática, inviabilizar o adequado uso da técnica jornalística.
Mas o marcante nesse processo foi a pressão que a CE passou a sofrer por parte do corpo jurídico do jornal para expor o nome dos envolvidos. Uma exposição que poderia favorecer a empresa ao transferir para o jornalista o ônus de um outro processo que corre na justiça e envolve valores indenizatórios consideráveis pelo plágio.
Uma das conclusões é que a CE existe para contribuir para as melhores práticas jornalísticas, não para ser instrumentalizada pelas empresas para isentar-se de suas decisões pautadas na precarização das relações de trabalho e do jornalismo em si.
O colega que plagiou recebeu a pena máxima. Não há precariedade que justifique copiar produto alheio. Ao fazer isso, ele, inclusive, contribuiu com o processo de precarização, criando uma forma de “oferecer” sozinho o conteúdo que deveria ser produzido por uma equipe consistente. Mas na prática, foi uma punição com consequências mais simbólicas do que práticas. Ele está impedido de filiar-se ao Sindicato, não de exercer a profissão, mesmo tendo cometido de forma consciente uma das infrações mais graves em termos de ética jornalística.
Devemos acrescentar que, após esgotadas todas as possibilidades de defesa dos acionados – e em havendo condenação – a pena máxima a ser aplicada é a expulsão do quadro de associados do sindicato ou o impedimento de ingresso em futura solicitação. Assim sendo, de maneira efetiva, como forma de coibir as práticas antiéticas, pouco efeito tem na categoria – ainda que as decisões tenham sido apensadas a processos na justiça comum como forma de corroborar acusações ou defesas. O que nos leva a uma segunda conclusão: cada vez mais, fica clara a necessidade de termos o nosso Conselho Profissional, com um poder autárquico para zelar pela ética na prática jornalística e controlar os registros, de modo que apenas profissionais comprometidos com a adequada prática sejam autorizados a exercer a profissão.
Nova realidade: redes sociais
Nos últimos anos, temos notado a necessidade do nosso Código de Ética dar respostas claras e explícitas sobre a atuação de jornalistas nas redes sociais. Temos recebido muitas denúncias contra jornalistas por suas opiniões pessoais emitidas nas redes sociais, cobrando da CE um posicionamento vigoroso e enquadramento desses profissionais à luz do Código de Ética. Mas a CE, seguindo a letra do código, só se manifesta sobre questões relacionadas à efetiva atuação profissional como jornalista em veículos de imprensa. No entanto, não dá para fechar os olhos para o fato de que muitos jornalistas fazem das redes sociais seus canais de publicação, no entanto, isso não encontra guarida em nosso código.
Escolas e o ensino de ética jornalística
Outra questão, que se faz necessária à discussão, é o papel das escolas de jornalismo no ensino da ética profissional. Notamos que muitos profissionais não têm o conhecimento e a clareza necessários sobre o nosso código de ética, o que mostra uma deficiência na formação acadêmica desses profissionais. Inclusive muitas escolas têm ministrado essa disciplina de forma online, o que compromete o aprendizado das gerações futuras de jornalistas.
Utilização do material das assessorias
Outra questão que temos notado, embora não seja exatamente uma novidade, é a utilização em várias publicações, principalmente online, do material das assessorias de imprensa e de comunicação de maneira indiscriminada e ipsis litteris, como se fosse produzido pelas redações dos veículos. Acreditamos que tais publicações, ao adotarem essa prática, deveriam ao menos deixar claro para seus leitores que aquele texto publicado, é material recebido e produzido por uma assessoria de imprensa, informando claramente a fonte e, se for o caso, inclusive a autoria.
Novíssima realidade: IA
Já passou da hora de discutirmos a incorporação da inteligência artificial (IA) no jornalismo. Sabemos que esse é um instrumento que veio para ficar em nossa profissão, assim como, por exemplo, já havia acontecido com o revisor ortográfico, programas de diagramação ou de edição, entre outros. Mas, quais são os limites éticos da utilização da IA? Até que ponto ela é aceitável, como mais um instrumento de trabalho, e em quais pontos deve ser vetada, visto que tem sido incorporada frequentemente não como ferramenta de trabalho, mas para atuar como se fosse um profissional do jornalismo? Essa discussão não é simples nem rápida, mas cada vez mais se faz necessária, pois a velocidade da introdução dessa tecnologia é supersônica enquanto as discussões éticas sobre sua utilização caminham a pé.
Atualização do código de ética
Frente a tudo o que expusemos aqui, para debate da categoria, sentimos a necessidade e sugerimos que em um próximo congresso de jornalistas seja lançada a discussão ou iniciada a revisão do nosso atual Código de Ética, aprovado pela categoria em 2007, dando respostas a todas essas novas questões que invadiram o jornalismo como profissão e às quais ele, infelizmente, já não oferece respostas.
(*) A Comissão de Ética é por formada por Eliane Gonçalves, Fábio Venturini, Franklin Valverde, Joel Scala e Rodrigo Ratier.
Eleições Comissão de Ética
Nos dias 7 e 8 de agosto os sindicalizados elegerão os componentes da próxima Comissão de Ética (CE). Com mandato de 3 anos, a CE é composta por cinco associados e atua de forma independente da diretoria eleita no mesmo período, não sendo subordinada a qualquer instância do SJSP, com exceção da Assembleia Geral da categoria. No próximo pleito, o filiado votará nos candidatos nominalmente, escolhendo até cinco nomes. Conheça um pouco da biografia dos candidatos que participarão da eleição para a Comissão de Ética.
Mônica Zarattini
Fotojornalista, editora de fotografia, produtora cultural e pesquisadora. Doutora em Artes (USP). Mestre em Comunicação (USP), bacharel em História (USP). Fui editora de fotografia do Estadão e do Jornal da Tarde, onde trabalhei como fotojornalista por 26 anos. Atuei como curadora do Festival de Imagens Periféricas (2021) e conferencista do MASTERCLASS – Festival Internacional de Fotografia de Bogotá (2022). Fui vice-presidente da ARFOC-SP. Atualmente sou ativista do coletivo Fotógrafas e Fotógrafos pela Democracia e diretora da REDE (Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil).
Joel Scala
Sou Diretor do Observatório do Terceiro Setor, agência brasileira de conteúdo multimídia com foco nas temáticas sociais e nos direitos humanos. Fui repórter das rádios Globo e Capital (SP), das TVs Tupi (SP), Bandeirantes (SP) e Capital (DF), e chefe de redação da TV Gazeta (SP), editor de texto da TV Record (SP) e apresentador do programa Falando em Saúde, na Alltv. Faço parte da Comissão de Ética do SJSP. Com quarenta anos de carreira, apresento o programa Brasil ODS pela rádio Brasil Atual e Olhar da Cidadania na rádio USP FM (SP).
Franklin Valverde
Jornalista, escritor e professor universitário. Graduado pela PUC-SP, tenho mestrado em Literatura Hispano-americana (USP) e doutorado em Ciências da Comunicação (USP). Trabalhei no Estadão, Folha, Abril e Ed. Globo, e nas rádios Brasil 2000 FM, Cultura FM e Trianon AM. Atualmente edito do site Onda Latina e apresento do programa Perspectiva (Brasil Atual). Sou presidente da CE no SJSP e membro da Comissão Nacional de Ética da Fenaj. Tenho o compromisso de defender o nosso Código de Ética, combater as fake news, além de defender a livre manifestação do pensamento das/dos jornalistas.
Fábio Venturini
Jornalista pela São Judas (1998), mestre e doutor em História (PUC-SP). Trabalhei em diversas publicações, como B2B Magazine, Gestão Educacional e Profissão Mestre. Como professor universitário, passei pela Uniradial, Uninove, Cantareira, Anhembi Morumbi e hoje atuo na Unifesp. Candidatei-me para a CE porque o tema é basilar no restabelecimento de relações civilizadas em nosso país. Autocensura, fakenews e o uso indiscriminado de inteligência artificial colocam em risco o acesso da população à informação e ao conhecimento produzidos com critérios de fidelidade aos fatos.
Flávio Carrança
Formado pela Cásper, fui assessor de imprensa, repórter e editor em impressos, rádios e tv. Trabalhei no Diário Popular, nas rádios Cultura e Eldorado, e na Band. Atuei como diretor de redação da revista Angola Yetu. Tenho um longo histórico de colaboração em veículos da imprensa negra (Raça Brasil, Pode Crê!, Jornal do MNU). Ajudei a fundar a Cojira-SP, e coordenei a comissão por 20 anos. Penso que o racismo é um dos vetores que impulsionam atos e posicionamentos de jornalistas e instituições que ferem os preceitos éticos de nossa profissão, e pretendo enfatizar esse aspecto no trabalho da CE.
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Este material de divulgação é de responsabilidade dos candidatos às vagas na Comissão de Ética, em cumprimento ao parágrafo 2º, inciso II, do artigo 97 do Estatuto da entidade.