por André Kfouri
O Antero que você via na televisão é o mesmo que viam todos os dias aqueles que tiveram a sorte de conhecê-lo. O sorriso rápido, próprio dos otimistas. O olhar sincero, típico dos genuínos. Se ele te chamava de “querido”, ou “querida”, não era por educação, ou simpatia. Era por sentimento. Quando ele perguntava se estava tudo bem, não era por convenção, ou formalidade, era por empatia. Antero nunca foi um personagem das telas, um ator do fim de noite. Nunca representou algo que não sentia, nunca disfarçou o que corria em suas veias e fazia seu coração bater. É por isso que, ao longo de tantos e tantos anos visitando a casa das pessoas na hora em que o sono se aproxima, ele era capaz não só de mantê-las acordadas, como de absorver sua atenção e, por vezes, fazê-las sorrir. É por isso que quem o encontrava nas ruas, pela primeira vez, tinha a sensação de estar ao lado de um amigo. Um amigo da vida toda.
É aqui que a perda do Antero dói mais. Ele tinha, em doses exageradas, a generosidade que se transformou em um artigo tão raro. Era como ele enxergava a vida, o mundo, as relações. Hoje as pessoas quase não se olham mais. Antero te olhava como se pudesse ver o que havia dentro de você. E o que você via nos olhos dele era o interesse verdadeiro, a presença que valoriza o tempo, a atenção de quem deseja estar ali. Gente assim não apenas passa pela vida dos outros, não apenas deixa lembranças que ficam, não apenas faz falta quando se vai. Gente assim ensina, mesmo sem a menor pretensão, que o que temos de mais importante, de mais caro, de mais fundamental, somos nós. E quando gente assim não está, somos menos. É o que somos hoje. Muito menos.
Antero era simples, uma de suas incontáveis qualidades. Um resistente farol de espontaneidade e franqueza num mundo que cultua a afetação. Respondia uma pergunta com honestidade brutal. A quem merecia, fazia críticas com carinho. Incapaz de um gesto ríspido ou de uma palavra hostil, só sabia dedicar às pessoas aquilo que ele tinha de bom. Estava quase sempre atrasado, mas sempre tinha tempo para os outros. Sua modéstia – a modéstia autêntica, que é o oposto da falsidade – provavelmente o impedia de alcançar a exata noção de como era admirado pelos colegas, especialmente os mais jovens, porque ele era dessas pessoas que não se deixam levar por elogios, mas jamais deixam de agradecê-los. Sempre educado, sempre cordial. Sempre amável, essa palavra que, embora em desuso, nunca será extinta por causa de gente como ele.
A forma como Antero enfrentou a doença cruel que terminou por levá-lo é outro testemunho de seu valor como pessoa. Insistiu em trabalhar enquanto pôde, seguiu escrevendo e frequentando a casa das pessoas, com o mesmo espírito, a mesma gentileza, a mesma competência, sendo esse amigo da vida toda que ele sempre foi. Antero honrou a estirpe dos homens que lutam todos os dias, sem fazer disso uma plataforma de suas virtudes, mas oferecendo o exemplo a quem tem a capacidade de notar. Ele não saberia agir de outro jeito. E nós, que hoje somos muito menos, não sabemos como nos despedir dele, porque ninguém nos ensinou a aceitar que a vida acaba por nos deixar assim, com esse nó na garganta, procurando os olhos do Antero, nosso amigo da vida toda.