Ao amigo, com carinho: Ari Cândido Fernandes (1951-2023), o primeiro fotojornalista negro de guerra do Brasil

Por Nabor Jr.

Foi na noite de 20 de agosto, um domingo meio sem graça, que recebi com surpresa uma mensagem dando conta do falecimento do fotógrafo, cineasta e querido amigo Ari Cândido Fernandes (1951-2023). Um colega, comum a nós dois, foi quem me comunicou. Na hora, fiquei sem chão. Meus olhos marejaram. “Como assim, o Ari? Aquele homem forte!”, disse pra mim mesmo. Rapidamente procurei saber da veracidade da notícia. Até que, na manhã do dia seguinte, veio a confirmação. Uma tristeza profunda tomou conta de mim. Pensei na solidão de Ari no pequeno e caótico apartamento em que vivia, no bairro do Sumaré, e onde foi encontrado sem vida. Há tempos afastado dos filhos e da família, de modo geral, Ari tinha poucos amigos. Ainda assim, era de uma personalidade cativante. Nos conhecemos em meados de 2010, e desde então nos falávamos e nos encontrávamos com certa regularidade. Me preocupava com sua saúde, sua integridade física, especialmente devido aos seus rotineiros rompantes pelas madrugadas paulistanas. Fazia pouco mais de uma semana que havíamos nos falado. Escrevi para ele agendando uma reunião, prevista para acontecer no dia 7 de setembro, no Centro Cultural São Paulo, para definirmos os derradeiros ajustes do livro 180 Dias no Front: Conflitos, Reminiscências e Revoluções do Primeiro Fotojornalista Negro de Guerra do Brasil. Obra escrita por nós dois e que narra sua apoteótica trajetória desde os anos de agitação política e envolvimento com cineclubes universitários, em cidades como Londrina e Brasília, passando pelo seu autoexílio nos anos 1970 (quando viveu na Suécia e na França e participou como correspondente de guerra da cobertura de conflitos armados na Eritreia, Saara Ocidental e Irã), até o seu retorno ao Brasil, na redemocratização. Na última mensagem que trocamos, via e-mail, no dia 11 de agosto, Ari me escreveu confirmando nosso encontro no CCSP, ao passo que revelou um diagnóstico preocupante: “Grande, Nabor. Olha, são 6h30 da manhã de hoje, sexta-feira. Estou indo para o Pronto Socorro. Saio daqui a pouco, após o banho. A dor não para! No estômago. Creio que é uma costela quebrada que obtive em incidentes anteriores e nefastos. (…) Abraços e super final de semana!”. Liguei para ele no dia seguinte. Não obtive retorno. Na correria do cotidiano, não mais o procurei. Mal sabia eu que aquela seria nossa última conversa. Sua inesperada passagem deixa um vazio no fotojornalismo de guerra e na produção cinematográfica negra de guerrilha no Brasil, aquela feita no esquema Cinema Novo de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Ari foi, entre outros, correspondente de guerra, tendo suas imagens distribuídas ao redor do mundo pelas agências Gamma, de Paris, e Camera Press, de Londres. Foi professor de fotojornalismo na Fundação Cásper Líbero e na Universidade de Taubaté, cineasta e responsável pela Assessoria para Assuntos Afro-Brasileiros na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Me preocupo com o destino dos seus textos para cinema, ainda inéditos, seu acervo fotográfico, seus documentos históricos, seus livros raros, suas trocas de correspondências com outras personalidades negras da sua geração… Espero que a família compreenda o verdadeiro valor da sua produção e procure meios de salvaguardar esses materiais. Da minha parte, fica na memória nossas animadas conversas etílicas, seus conselhos, suas histórias do movimento negro e, acima de tudo, o carinho que sempre tivemos um pelo outro. Pretendo viabilizar a publicação do nosso livro e assim manter acesa a chama da sua produção para os mais novos. Caso isso não aconteça, serei eternamente grato por nossa amizade sincera e levarei comigo a missão de vida de reverenciar sua obra e enaltecer o inestimável legado documental e artístico da sua produção.

Um afetuoso abraço, meu grande amigo. Saudades!

Nabor Jr. é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, jornalista, fotógrafo, pesquisador e editor da revista O Menelick 2° Ato. Atua na intersecção entre comunicação, artes e educação, com foco na produção cultural negra diaspórica.