por João Marques
“O que você é do Vannucchi?”
Quando criança, Camilo Vannuchi ouvia essa pergunta e não a entendia muito bem. De que Vannuchi estavam falando? Seu avô era Vannuchi, seu pai e seus tios também, havia um monte de Vannuchi na família. “O estudante. O que você é do Vannucchi da USP?” — explicava o interlocutor. Por curiosidade, foi se informar e soube que teve um primo torturado pela ditadura. Além de Alexandre, ele também tinha outros parentes, que foram presos políticos, incluindo o seu pai, Paulo Vannuchi. Na pré-adolescência, já conseguia responder à pergunta, em detalhes, mas ainda foi ler alguns livros sobre o assunto como Brasil Nunca Mais, O que é isso Companheiro, Os Carbonários, e começou a se aprofundar no tema.
Primo de segundo grau de Alexandre Vannucchi Leme, Camilo Vannuchi é jornalista e escritor, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela USP e professor de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Secretário de Cultura da Prefeitura de Diadema, foi membro e relator da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, repórter e editor nas revistas IstoÉ e Época SP e colunista nos portais Brasil 247, Carta Capital e UOL. É autor das biografias, Margarida, Coragem e Esperança; Vala de Perus, uma Biografia; Marisa Letícia Lula da Silva; entre outros livros.
Em Eu só disse meu nome ( Discurso Direto, 192 págs.), Camilo Vannuchi conta a história do estudante do 4º ano da Geologia da USP, Alexandre Vannucchi Leme, preso no dia 15 de março de 1973, no DOI-Codi de São Paulo e torturado até a morte. Simulada como tentativa de fuga, os jornais da época, em conluio com o regime, noticiaram a sua morte por atropelamento.
Seria uma tarefa fácil contar a história de seu primo, Camilo presumia. Afinal, ele já conhecia a maior parte da trama, tinha acesso privilegiado à família, era amigo de alguns dos protagonistas, companheiros de guerrilha e contemporâneos da USP. “Só que não. Escrever sobre Alexandre me obrigou a escrever a história de uma geração. E a escrever também sobre mim. A me perder muitas vezes nos documentos e nas anotações. A vasculhar memórias esquecidas. A percorrer duas vidas em perspectiva e explorar conexões. E investigar pensamentos dispersos, íntimos, nunca aflorados. Recônditos.”
O livro foi lançado no último dia 3 de julho, no Sindicato dos Jornalistas, em evento promovido pela Biblioteca Milton Bellintani, que contou com a presença de dois contemporâneos de Alexandre, personagens importantes dessa história. Adriano Diogo, o Mug, militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), companheiro de guerrilha e seu colega na Geologia. E Sérgio Gomes, aluno da ECA, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e que fez parte do grupo que negociou com Dom Paulo a missa de sétimo dia celebrada no dia 30 de março de 1973, na Catedral da Sé.
“Lisete dormiu e acordou preocupada. Havia passado a noite com uma amiga na república de um colega da USP, no alto de Pinheiros, decidida a não voltar para casa naquele sábado. Estavam todos de sobreaviso, principalmente depois de saber que o Mug também tinha caído.”