por João Marques
Eduardo Penna foi um dos últimos funcionários da Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, no passado, emprego de muita gente ilustre; hoje, declarada supérflua e insustentável: “os governos têm mais o que fazer do que gastar com papel”. Ele trabalhava na edição de livros de arte, era revisor, dos bons. Um dia, pesquisando no Google indicação para um novo emprego, encontrou, por acaso, no site de uma revista brasileira, um ensaio sobre Ângelo Vergécio, artista grego que dedicou sua vida a algo que estava em vias de desaparecer. Havia uma exposição sobre ele na Biblioteca Nacional da França. O artigo contava a história desse copista, nascido em Creta e que foi trabalhar em Paris, quando as prensas começavam a invadir a Europa. Apesar de viver numa época de transição, foi um profissional respeitado, criava por encomenda e comercializava seus manuscritos para colecionadores e eruditos.
O ensaio, na integra, abre a história do romance O Último dos Copistas (Companhia das Letras, 206 págs.), de Marcílio França Castro, lançado em março deste ano. Mas como não é citada a fonte, a revista na qual o personagem teria lido o artigo, por curiosidade, fui procurá-lo, e o encontrei: ele existe, de verdade! Foi publicado na Piauí, edição de abril de 2019, assinado pelo próprio autor do livro. Reproduzido na ficção, sua autoria é atribuída a F.C., que o escreveu de Paris; personagem a quem o narrador, em segunda pessoa, sempre se refere, quando busca um sentido e a autoria da história que deseja contar: “Você despencou de Paris até aqui para falar comigo. Veio atrás de um romance, de uma inspiração.”
Eduardo conseguiu novo emprego e foi trabalhar numa editora, “dessas que têm certo charme mas quase nenhum funcionário, e conseguem, na base da abnegação, e da sorte, manter um catálogo surpreendente e de bom gosto.” Fazia dupla com Lygia, que cuidava do projeto gráfico e da diagramação, ele preparava e revisava os textos. Um dia, numa reunião de trabalho, indicou à colega o artigo do Vergécio; mas o que mais chamou a atenção dela, não foram as artes do copista, cuja caligrafia deu origem à fonte Garamond, e sim, as ilustrações de sua suposta filha: “afinal, de que valem os manuscritos sem as iluminuras.” Ficou tão impactada com os desenhos, que decidiu ir em busca da história da menina. De Creta a Paris, passando por Veneza e Roma, o plano de Lygia era perseguir os passos de Vergécio.
Mesmo acontecendo em momentos distintos, atravessadas pela pandemia, essas duas histórias são narradas intercaladas, pela dupla. De um lado, Eduardo reflete sobre suas experiências com um ofício em extinção. Do outro, Lygia conta, nos textos escritos em cartas e postais enviados ao colega, sua aventura em busca da história de uma ilustradora que viveu no começo da Idade Moderna.
“Arranjos de escuro e sombra, contrastes, rodapés. Tudo o que é traço ou gravura afeta a pontuação, a semântica. Graças a Lygia aprendi a função sintática dos fantasmas — uma foto antiga é capaz de corrigir o que a gramática não alcança.”