Lalo de Almeida está há uma década conhecendo a Amazônia, para nos mostrar a exploração predatória que se perpetua
por Eduardo Viné Boldt
Pela terceira vez em cinco anos, o trabalho do fotógrafo Lalo de Almeida figura entre os premiados mundiais no Word Press Photo, principal premiação do fotojornalismo mundial. O projeto Distopia Amazônica, que documenta a ocupação do território amazônico e os impactos sobre a floresta e seus habitantes, foi o vencedor de 2022 na categoria projeto de longa duração, na fase mundial.
Antes, a série Pantanal em chamas, que havia sido gentilmente cedida ao Unidade, ganhou em 2021 na categoria Meio Ambiente (veja na edição 408). Em 2017, Lalo ficou em segundo lugar na categoria Questões Contemporâneas, com uma série sobre mães e seus filhos com microcefalia a partir do surto de zika.
Lalo conversou com o Unidade e falou sobre o acelerado processo de devastação da região amazônica, o tema do ensaio vencedor de 2022, que tem origens históricas, mas se acelerou com a devastadora política ambiental do governo Bolsonaro. Comentou ainda sobre as novas possibilidades narrativas com o advento da internet e da produção de conteúdo multimídia para a Folha de S.Paulo, periódico com o qual colabora há mais de 28 anos.
Gostaria que você falasse sobre a escolha por realizar reportagens mais longas e ter conseguido esse reconhecimento internacional.
Acho que você percebeu bem o movimento que ocorreu a partir de 2012, quando eu começo a fazer o projeto de Belo Monte, que também é o início do projeto da Distopia Amazônica.
Eu começo a entender este projeto em 2009, quando fui pela primeira vez para Altamira, na região do Rio Xingu, onde havia a intenção de se construir Belo Monte, para acompanhar as primeiras audiências públicas. Aí eu percebo que ia acontecer algo grande na região, e fiquei de olho.
Eu começo a fotografar após ganhar o Prêmio Marc Ferrez, que é como se fosse uma bolsa da Funarte, para fazer um trabalho dos impactos socioambientais da obra. Fico quatro meses morando em Altamira. Daí, por coincidência, o jornal Folha de S.Paulo começa a fazer modelos de narrativa multimídia baseados em uma história do New York Times, que misturava diversos recursos que só eram possíveis na versão online do jornal. A partir desse projeto de Belo Monte em 2012, o jornal começa a enxergar a possibilidade de fazer outros grandes projetos dessa maneira, grandes narrativas multimídia, e começou a fazer um grande projeto por ano. Então fizemos um sobre a crise hídrica, depois sobre desmatamento, sobre o vírus da zika em 2016, quando eu fui premiado pela primeira vez, com um ensaio sobre as crianças que têm microcefalia. Na verdade, o trabalho falava mais sobre a relação das mães com as crianças do que sobre o vírus em si.
O vídeo sempre foi uma coisa que me interessou. Quando houve essa oportunidade, eu acabei criando um método de trabalho para que de alguma forma desse conta de fazer todas essas funções, o vídeo, a foto, o áudio, o drone… Cara, uma loucura! Mas eu fui me adaptando para utilizar todos esses recursos.
Quando eu comecei a fotografar, nem morava no Brasil ainda, vim passar umas férias aqui e fotografei umas crianças. Infelizmente, parece que a gente está voltando a esse tempo, mas na época havia um monte de crianças na rua e elas ficavam concentradas na Praça da Sé. Isso era nos anos 90. Eu passei uma semana documentando a vida delas e gravando depoimentos. Naquela época, eram fitas cassetes. Sete anos depois, eu já trabalhando na Folha, estava no meio de uma rebelião dentro do presídio no Tatuapé quando olho para uma das detentas e percebo que eu a conhecia de algum lugar. Percebi que ela estava olhando para mim e me reconheceu também. Ela acenou, mas, por causa da gritaria, a gente não conseguiu se falar.
Então, lembrei que era uma das meninas que eu tinha entrevistado sete anos antes na Praça da Sé. Então, eu propus para a Folha um projeto em que a gente pegasse as fotos da época e tentasse reencontrar essas crianças da Sé. O que elas viraram quando adultas? Qual é o caminho delas? Era meio óbvio, só precisava comprovar. Encontramos umas 15 crianças, que naquela época já eram adultas. Desse grupo, 10 estavam presos, quatro haviam morrido e uma havia virado evangélica.
Foi quando me deu um desespero, porque na hora de publicar esse material ainda não tínhamos a internet [como é hoje]. Eu tinha todos os depoimentos da época e não tinha como usar isso. Quando apareceu essa possibilidade, percebi que poderíamos utilizar todas essas ferramentas para melhorar a narrativa.
Nos dois últimos anos, você foi premiado com ensaios sobre a devastação de biomas. Como você vê essa relevância do tema ambiental na maior premiação do fotojornalismo mundial, e o quanto isso reflete a nossa tragédia de viver sob o governo Bolsonaro atuando de forma predatória?
Para mim, foi especial essa premiação porque na verdade ela reconhece um trabalho de dez anos, e é como se fosse um reconhecimento pela minha carreira. Eu acho que existem diferenças entre os dois ensaios. O Pantanal em Chamas foi um trabalho conjuntural, de um momento específico.
A Distopia Amazônica trata de uma questão mais estrutural do que conjuntural. A intenção do projeto foi mostrar que o modelo de exploração da Amazônia se perpetua no tempo. A gente chega ao fundo do poço agora com o governo Bolsonaro, quando ele leva a ameaça à floresta amazônica a um nível nunca visto. Mas o modelo de ocupação da Amazônia se repete, desde o período colonial, o governo militar, passando pelo PT com a construção de Belo Monte e chegando ao ápice com Bolsonaro.
Não é uma discussão fácil, não existe só um vilão. É um processo, é uma lógica de como o Brasil vê a Amazônia. Inclusive, eu acho que essa mentalidade do Bolsonaro de ver o meio ambiente como um obstáculo para o desenvolvimento é uma visão comum de muitos brasileiros. As pessoas falam: “Ah, aquele é um ambientalista”… é uma coisa pejorativa. A questão ambiental para muita gente é um assunto chato, é um atraso, é uma coisa de comunista. Então, esse projeto quer mostrar que o problema é estrutural, sem deixar de falar que nós estamos vivendo o pior momento dessa história toda.
Primeiro, porque as pessoas não conhecem a Amazônia, na verdade. Todo mundo opina, mas pouca gente conhece. A Amazônia é um continente. Estou viajando muito por lá e não conheço nada. Quanto mais eu vou, mais eu tenho dúvidas sobre aquela região. As pessoas têm ideia de que é uma grande floresta verde, habitada por índios, quando que na verdade tem milhões de pessoas, comunidades e populações indígenas de todos os tipos, uma diversidade enorme de gente, de ocupação.
Não é só uma questão ambiental, a Amazônia tem de ser vista de um ponto de vista socioambiental. Essas palavras não devem estar separadas, pois a questão da floresta deve ser pensada também com as pessoas que lá habitam.