por Mônica Tarantino
A coleção de apelidos de Luiz Chagas ajuda a contar a trajetória do jornalista, crítico, tradutor, escritor, instrumentista e compositor. Ele saiu de cena dormindo, no dia 9 de julho, aos 72 anos de uma vida bem vivida, após um infarto em sua casa, em São Paulo.
Os mais jovens chamavam-no Belo ou Beloti, pelo uso constante da expressão “E aí, belo, normal?”. No Google, ele aparece como “o pai da [cantora e compositora] Tulipa Ruiz e de Gustavo Ruiz”, definição que o enchia de orgulho.
Nascido em Goiânia, em 1952, onde viveu poucos meses, cresceu nos arredores da tevê Record, em São Paulo, no período dos festivais. Começava a formação de um refinado repórter de Cultura, autor de hits e uma referência para toda uma geração paulistana.
O jornalismo foi acidental. Abandonou a faculdade de engenharia em Barretos, no interior, para estudar cinema na FAAP, na capital, em 1972. No segundo ano de curso, desandou a escrever. O colega Alfredo Teixeira notou o talento e arrumou-lhe emprego na revista Amiga. “Fazia quatro perguntas a 90 personagens de novela, do mordomo ao cachorrinho da madame”, contou em entrevista a Oswaldo Vitta, o Colibri.
Nos anos como repórter de Polícia no Diário da Noite, destilou a ironia que marcaria seu texto para sempre. Fã das histórias policiais de Raymond Chandler e James Ellroy, encarnou o repórter-detetive na cobertura de um assassinato. A série de reportagens sobre o “assassino-galã”, de “olhos azul-turquesa”, publicada em 1979, foi a última grande cobertura do jornal antes do seu fim, em 1980.
Anos depois, na revista Contigo, era o Sargento, o Grunf Grunf e Chagão, numa menção à sua lendária rabugice. Em encontro recente e emocionado com Tulipa e comigo, o jornalista Décio Piccinini falou sobre os anos em que dirigiu a Contigo e chefiou um time de jornalistas com estilo e humor sofisticados. “Eles eram geniais, não menos do que isso. E o Chagas era indomável intelectualmente, sem limites pra imaginar e botar no papel.”
Luiz em seguida migrou de Variedades para Cultura. Autodidata em inglês, aprendeu ouvindo os Beatles e as conversas do pai telegrafista com colegas da Panair. Seduziu, com uma autobiografia breve, os editores da Brasiliense, que confiaram a ele a tradução de obras como Misto Quente (Charles Bukowski, 1984); Big Sur (Jack Kerouac) e a autobiografia da Billie Holiday.
Nessa fase, também compunha para filmes e frilava na banda Isca de Polícia, de Itamar Assumpção. “E escrevia para a Abril, ISTO É e Folha, que precisava de alguém mais velho que gostasse de artistas brasileiros”, disse em entrevista. No Jornal da Tarde, resenhou livros e entrevistou ícones como B.B.King e Jeff Beck.
Em 1998, estava na revista ISTO É. Era chamado de Sagaz, Chacas, Chagão e Chaguetes. E, de vez em quando, de Márcia de Windsor (jurada de tevê que só dava 10 aos calouros) pelo editor Apoenan Rodrigues. “Sempre preferi escrever sobre o que é muito bom do que esculhambar trabalhos”, explicava.
“Chagas era um guerreiro. Um guerreiro silencioso cuja veemência e coerência estavam em seus textos, produzidos como partituras musicais. Escrevia tão bem quanto tocava”, disse-me Hélio Campos Mello, diretor da ISTO É até 2007.
Entre 2006 e 2007, Luiz organizou comigo o songbook do amigo Itamar Assumpção, que recebeu o APCA de melhor biografia.
Na revista Brasileiros, ele radicalizou a opção de escrever sobre a produção musical independente, celebrando nomes como Ná Ozzetti e apresentando novos, como a Trupe Chá de Boldo.
Nessa época, consolidou-se como fonte para assuntos relacionados à música e literatura. “Meu pai sempre foi hipertextual e com muitas histórias, todas detalhadas e profundas. A galera vinha em casa para ouvi-lo”, conta Tulipa.
Há poucos meses, atribuiu-se novo apelido. “Seu Luiz” voltou a ter cabelo comprido, a compor e tocar guitarra febrilmente para um álbum solo. Que irá se concretizar em breve, assim como a publicação de um livro de entrevistas sobre a vanguarda musical paulista.