REPORTAGENS DESTACAM A VIOLÊNCIA POLICIAL EM PREMIAÇÃO

por Juliana Almeida

Na noite de 29 de outubro aconteceu a solenidade do 46º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos no Tuca, teatro da PUC-SP. A premiação foi organizada pelo Instituto Prêmio Vladimir Herzog, entidade criada no ano passado e presidida pelo jornalista e representante do Instituto Vladimir Herzog, Giuliano Galli. A comissão do prêmio foi composta por Thiago Tanji, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP); Mariana Valadares, representante da Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Tatiana Farah, representante da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI); Luiza Buchaul, representante da Conectas Direitos Humanos; Rodrigo Ratier, representante da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Márcia Quintanilha, representante da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ); Alice Rodrigues, representante do Coletivo Periferia em Movimento; Priscila Beltrami, representante da Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo (OAB-SP); Cláudio Aparecido da Silva, representante da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo; Edgar Rebouças, representante da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM); Antônio Funari Filho, representante da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Rogério Sotilli, representante do Instituto Vladimir Herzog; e Ivo Herzog, representando a família Herzog.

Neste ano, o Prêmio Herzog recebeu 601 inscrições, das quais 222 em texto; 144 em vídeo; 60 em áudio; 56 em multimídia; 51 em fotografia; 50 em arte; e 18 em livro-reportagem. Um grupo de 49 convidados integrou o júri responsável por selecionar os finalistas das sete categorias de premiação.

Manifestante sendo agredido durante ato contra o aumento dos preços das passagens (São Paulo, 18/01/23). A imagem foi a vencedora da categoria “Fotografia”. © PAULO PINTO/AGÊNCIA BRASIL

Paulo Pinto é fotojornalista e recebeu o prêmio na categoria fotografia, com a imagem “Passe Livre faz manifestação em São Paulo contra aumento da tarifa”. Ele comentou que tudo pode acontecer em uma manifestação, inclusive nada. “O que aconteceu nessa manifestação, essa revista que originou a foto, foi uma prévia; a manifestação não tinha começado ainda e já tinha um tom violento. Se você analisar, nenhum dos policiais tinha rosto, apenas o oprimido”.

Premiado pela segunda vez, o ilustrador Cau Gomez começou sua carreira no jornal Diário de Minas, aos 15 anos. “Hoje aqui nessa roda eu represento todos os negros e negras, né? E ainda mais aqueles que desconhecem essa profissão de cartunista e chargista. Essa edição vem para contemplar tanto o artista quanto o profissional. Se a gente for sempre interpretar tudo a ferro e fogo, vai ser pior; é improvável querer entender notícias com esse tema trágico, como a cultura do estupro que existe desde os anos 70, que agora pune, enquanto a sociedade faz de conta que não está acontecendo nada. É uma desfaçatez gigantesca, pois existem abusos em excesso, números excessivos de crianças, podando a infância.”

Com 35 anos de televisão, o jornalista Marcelo Canellas foi convidado pela revista Piauí para uma reportagem sobre a violência policial na Bahia e, pela primeira vez, foi premiado na categoria texto. “Estou realizando um sonho de estudante ao ganhar o Herzog com uma reportagem impressa”, comentou Canellas. Ele reforça que a grande força do jornalismo está na singularidade das histórias: “Por mais que você tenha especialistas falando sobre o assunto, apenas a singularidade das histórias conta o que realmente precisamos saber.”

Outro ponto importante foi levantado durante a cerimônia. Os premiados na categoria vídeo com a reportagem “Inocentes na Prisão” defenderam a comunicação pública e a isonomia salarial do PCR em suas palavras. “Essa é uma conquista (o prêmio) dos meus irmãos de batalha do Caminhos da Reportagem da TV Brasil. Nossa TV pública recebeu essa conquista com muita honra e carinho por todos os jornalistas da EBC que lutam por isonomia no nosso plano de carreira”, completou a jornalista Ana Passos.

A MAIORIA DAS PRODUÇÕES PREMIADAS ABORDARAM TEMAS RELACIONADOS À VIOLÊNCIA POLICIAL, QUE OCORRE DE FORMA BRUTAL E SISTEMÁTICA NO BRASIL

Violência Policial

Dentre as 14 produções premiadas, oito abordaram a violência policial que ocorre de forma brutal no Brasil. Rafael Soares, que recebeu a menção honrosa por seu livro-reportagem “Milicianos”, começou a carreira cobrindo a violência policial no Rio de Janeiro no jornal Extra. A obra retrata como os agentes do estado são formados para matar. Mesmo realizando um trabalho sobre agentes milicianos, Soares não tem um bom relacionamento com a PMERJ. “Apesar disso, a maior parte das minhas fontes são policiais”, completa Salles.

Canellas, que narrou casos de violência policial na Bahia, destacou como o autoritarismo e a violência estão, há muito tempo, presentes na rotina do brasileiro: “Conversando com as fontes, constatei que o bolsonarismo não é a causa, mas sim o sintoma. O bolsonarismo já foi malufismo, etc.”

O jornalista Leno Falk lançou luz sobre um problema crônico na polícia: o suicídio e o assédio que os policiais do RS sofrem dentro das brigadas militares. “O que eu trago na reportagem não é uma vitimização da instituição, muito pelo contrário. Eu trago histórias de policiais de nível médio, os praças, os soldados, que sofrem assédio dentro dessa corporação que mata esses policiais”, completa.

Homenagens

Neste ano, o golpe militar de 1964 completa 60 anos, e a comissão do prêmio homenageou três grandes personagens que se destacaram pela luta contra o regime e pela transformação da sociedade brasileira: Margarida Genevois, Ziraldo (in memoriam) e Luiz Eduardo Merlino (in memoriam). Eles foram escolhidos por representarem a sociedade civil em defesa da Justiça, da Paz, dos Direitos Humanos e da Democracia; a imprensa alternativa como uma das frentes de resistência à censura e à perseguição de jornalistas e artistas que lutavam por Verdade e Justiça; e os jornalistas e militantes perseguidos, presos, torturados, desaparecidos e assassinados durante a ditadura, cujos familiares ainda lutam pelo direito à Memória, Verdade e Justiça em relação às violações cometidas pelo Estado brasileiro.

Essas homenagens estendem-se, simbolicamente, a todos que também participaram – e ainda participam – de lutas com caráter democrático que não se esgotam jamais. Outra homenagem foi retomada nesta edição: o Troféu Especial, que homenageou importantes nomes do jornalismo. Flávia Oliveira, a Rede Maré e a rede Wayuri foram os escolhidos da noite.