O FIM DO ANO(DO QUASE FIMDO MUNDO)

Quando este exemplar estiver em suas mãos estaremos próximos do final de 2024. E se a sua lista de metas e realizações para o ano tenha ficado incompleta, não fique triste: afinal, você ainda está por aqui para planejar um 2025 melhor.

Pode parecer muito dramático iniciar este editorial de fim de ano expressando preocupações concretas sobre o futuro em nosso planeta. Não queremos estragar as confraternizações e festas familiares, mas convenhamos: as notícias e acontecimentos que dia a dia nos confrontam fazem até os mais otimistas constatarem que a coisa não anda nada boa para nós.

Vivemos um mundo de guerras regionais que tomam proporções capazes de afetar todo o planeta. Enquanto as potências nucleares anunciam que estão revisando suas doutrinas de armas atômicas (permitindo a ampliação de seu uso), esses mesmos países ou silenciam ou colaboram abertamente com uma das maiores atrocidades do período recente: enquanto você lê este editorial, milhões de palestinos (e agora libaneses) vivem sob o horror e o arbítrio dos crimes cometidos pelo Estado de Israel, com o apoio dos Estados Unidos e seus cúmplices.

Vivemos também um mundo de catástrofes climáticas, que já afetam todas as regiões da Terra. No Brasil, as inundações no Rio Grande do Sul, a seca na região Amazônica e a fuligem das queimadas que sufocou o ar das grandes cidades e fez a cidade de São Paulo viver dias distópicos são meros lembretes de que a ação humana é responsável por mudanças geofísicas que podem inviabilizar as delicadas interações naturais que permitem a vida. São, na realidade, um último aviso de que ainda há tempo para mudanças.

Guerras, genocídios, enchentes, secas… Poderíamos supor que diante deste quadro não muito animador, a consciência coletiva convergiria para o entendimento de que ações políticas são necessárias, a começar pela eleição de representantes comprometidos com o futuro da humanidade. Mas, como demonstram os resultados eleitorais das eleições municipais no Brasil e em pleitos de outras partes do planeta, não podemos nunca subestimar a força das mentiras, dos discursos simplistas, negacionistas e do ódio.

PRECISAMOS DISCUTIR A REGULAÇÃO DAS PLATAFORMAS E MODELOS DE FINANCIAMENTO DO JORNALISMO QUE AVANCEM NA SUSTENTAÇÃO DA ATIVIDADE EM SUA FUNÇÃO SOCIAL

Diante de tantas e tão graves dificuldades, poderíamos ficar apáticos, trancados em nossas casas esperando o fim do mundo chegar. Mas nós somos teimosos e reafirmamos que, sim, continuar lutando vale a pena e construir uma nova realidade é possível! Afinal, o cenário descrito nas linhas acima é apenas o sintoma aparente de um sistema econômico em crise e que precisa ser superado em prol do bem-estar da humanidade. Que os trilionários (sim, a concentração irracional do capital já possibilitará que existam trilionários em breve) façam seus foguetes e se mudem para Marte e que nós, 99,99% da população possamos construir uma realidade justa, fraterna, livre de exploração e em harmonia com os recursos naturais e os seres vivos deste planeta.

Viram só? A mensagem de final de ano não termina tão ruim assim. Mas já que estamos falando de fins e recomeços, esta é uma oportunidade para discutirmos um tema em que podemos intervir de maneira mais efetiva do que nossos planos para salvar a humanidade: para que os desejos de um Feliz 2025 não sejam apenas da boca para fora, nós, jornalistas, temos que debater de maneira bem séria o futuro de nossa profissão e do próprio Jornalismo.

Sem enxugar gelo

Desde o início da nova gestão, temos percorrido os locais de trabalho e conversado com colegas para reforçar a mensagem que a nossa profissão é e continuará sendo essencial para uma sociedade democrática e que tenha pleno acesso à informação. Ainda que tenhamos consciência do papel fundamental de nosso ofício, sabemos também que as coisas não andam fáceis.

A crise do modelo tradicional de comunicação, que ocorre em todo o planeta, tem relação direta com a ascensão das grandes plataformas digitais (notadamente Facebook e Google), que concentram praticamente três quartos de todo o dinheiro da publicidade — valores que antes eram destinados aos veículos jornalísticos. As perdas das receitas fazem os patrões adotarem a cartilha que conhecemos bem: desprezar o trabalho fundamental produzido por nossa categoria e implantar uma política sistemática de demissões, baixos salários, perdas de direitos e todo tipo de precarização.

Um dos exemplos desta realidade ocorre na Editora Três, que publica títulos como a IstoÉ. Criada em 1976, a revista competia com outras publicações impressas semanais com tiragens de centenas de milhares de exemplares e páginas sem fim de anúncios. Hoje, a editora de IstoÉ reage à baixa do mercado publicitário com a absoluta precarização de sua redação: a maioria dos jornalistas é “PJ”, o que constitui uma fraude trabalhista, com atrasos sistemáticos nos pagamentos. Em 2024, as e os jornalistas entraram em greve durante três ocasiões na luta por seus salários.

Infelizmente, casos como este têm se tornado comuns e, diante disso, precisamos discutir a viabilidade de nossa profissão. Para que possamos exercer nosso trabalho com dignidade, é necessário um debate aprofundado que coloque a sustentabilidade do jornalismo como pauta urgente. É necessário buscar soluções em escala global que façam as plataformas pagarem pelo conteúdo jornalístico disponibilizado nesses espaços digitais.

Atualmente, países como o Canadá e a Austrália já contam com leis que discutem a sustentabilidade do jornalismo, mas as experiências ainda são incipientes e não necessariamente se encaixam na realidade brasileira (que conta com a pulverização de veículos, ao mesmo tempo que as receitas são concentradas em poucos oligopólios da comunicação). Para que o Sindicato e a nossa categoria não fiquemos apenas enxugando gelo, precisamos nos unir e discutir a sério o futuro de nossa profissão. Assim como a humanidade, não temos a mínima intenção de presenciarmos o nosso fim.

Direção do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo