Por Vicente Alessi, filho*
Nós, amigos de David, temos profundo orgulho de que ele tenha tido relação com nossas vidas em algum instante. A maioria de nós entrou na sua vida mais recentemente, em meados dos anos 70, pouco mais, pouco menos, quando o MFS, Movimento de Fortalecimento do Sindicato, criado em 1974 para depor pelo voto os pelegos da diretoria de nosso Sindicato, ainda era uma associação de jornalistas respeitável. Logo depois, em janeiro de 1978, David foi escolhido pela Convenção candidato à presidência da entidade e nós e tantos outros o elegemos. A Convenção, no caso, foi a reunião de representantes eleitos em quase todas as redações do Estado de São Paulo exatamente para, de maneira democrática, deferir uma chapa integral de candidatos.
Nós, os amigos mais recentes de Da- vid, não temos, conosco, nenhum companheiro seu de trabalho da época em que assumiu o primeiro emprego jornalístico, em 1957, como revisor na Empresa Folha da Manhã. Nem alguém que tenha crescido com ele em Ibiúna, onde nasceu em 15 de maio de 1936. Ou que o tenha acompanhado durante seus anos no Seminário do Ibaté, em São Roque. Cinco anos depois, quase aos 18 anos, afinal descobriu que o sacerdócio não era vocação sua. E não sabemos que amigos o acompanharam rumo à aventura de viver na Capital, onde David chegou em 1954, ano do Quarto Centenário.
Nós, amigos de David, também não temos testemunhas do desapontamento que certamente tomou conta de si quando soube que a boa formação que recebera em São Roque não era reconhecida como ensino médio apto a prestar os exames para a faculdade: precisou prestar os três anos de curso clássico para cumprir o vestibular na Faculdade de Direito da USP.
E, que se saiba, que nenhum destes amigos testemunhou seu casamento com a professora Maria Francisca, em 1961. Sempre a chamamos de Chica. Sílvia nasceu em 1961 e David Júnior em 1963. David concluiu o curso de direito em 1964 e nunca foi advogado: optou pelo jornalismo militante.
Não sei se alguns de nós, os amigos de David, acompanharam seu período na Folha, que deixou em 1969 – doze anos ali –, ao se transferir para a Editora Abril. Mas Aroldo Chiorino seria um destes: foi editor de David em Esportes. Na Abril, onde ficou até 1988, integrou o grupo de revistas técnicas e tornou-se o primeiro editor da celebrada Melhores e Maiores de Exame – para esta fase alguns de nós, amigos de David, já somos testemunhas.
Muitos de nós, os amigos, o escolhe- mos como candidato na Convenção e votamos nele para presidente de nosso Sindicato. E demos integral apoio à sua administração por justa e democrática – demos apoio a David de Moraes, umas das mais justas pessoas que nossas lembranças guardam.
E é neste contexto que nós, os amigos de David, entendemos a saga do pré e do pós-greve, a greve de 1979, uma greve que foi da categoria dos jornalistas profissionais, e não de David. Cremos que aquela diretoria tomou atitudes como rigoroso reflexo das aspirações da maioria. E o que ganhamos com isto? Disse Geraldo Mayrink: “Ganhamos vergonha na cara”.
David, nosso amigo David, foi um ati- vista da fundação do Partido dos Trabalhadores. Trabalhou na administração de Luiza Erundina. E na assessoria de imprensa de José Eduardo Cardozo na Câmara dos Vereadores. Aposentou-se em 2003, assistimos nós, amigos de David, que dedicou sua atenção ao xadrez, à leitura, à natação e aos netos. Nós o vimos perder David Júnior para a leucemia em 2018, e Chica para o Alzheimer em 2020.
Morreu em 14 de janeiro de 2024, de um câncer de próstata: não quis passar por tratamentos invasivos aos 87 anos e, “lúcido, escolheu não brigar mais esta depois de ter enfrentado inúmeras lutas durante sua vida”, como escreveu a filha Sílvia.
Longa vida ao nosso amigo companheiro David de Moraes. Presente!
*Vicente Alessi, filho é jornalista profi ssional, diplomado pela Cásper Líbero. É sócio e conselheiro da AutoData Editora.