AUSTRÁLIA, ENFIM, RESPALDARÁ ASSANGE?

Fundador da plataforma WikiLeaks continua preso no Reino Unido, ameaçado de extradição para os EUA, país que lhe faz 17 acusações de “espionagem”

por Pedro Pomar

Permanece difícil a situação do jornalista australiano Julian Assange, fundador da plataforma WikiLeaks. No início de outubro, quando fechamos este artigo, Assange continuava encarcerado na prisão de Belmarsh, no Reino Unido, à espera de uma possível extradição para os Estados Unidos, país que lhe faz 17 acusações de “espionagem”, as quais, somadas, podem render até 175 anos de prisão.

A razão para as acusações norte-americanas a Assange: ele revelou ao mundo, por meio do WikiLeaks, os crimes de guerra praticados pelos EUA no Afeganistão e no Iraque, além de uma série de atos de espionagem dos EUA contra outros países, inclusive o Brasil.

Apesar do cenário adverso (ou talvez por causa dele), a campanha mundial em defesa da libertação de Assange prossegue, incorporando inúmeros ativistas em diferentes países e figuras públicas capazes de conquistar espaços na mídia – entre as quais destaca-se o presidente Lula, que continua a fazer declarações destemidas em favor do jornalista encarcerado. “É fundamental preservar a liberdade de imprensa. Um jornalista como Julian Assange não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e legítima”, proclamou Lula, ao discursar na tribuna da ONU em 19 de setembro.

A novidade, como já apontado em edições anteriores do Unidade, é que a Austrália parece jogar um papel cada vez mais relevante nos esforços pela libertação de Assange. Assim, no dia 20 de setembro, chegou a Washington uma delegação de parlamentares australianos pertencentes aos mais diversos partidos do espectro político, com a finalidade de pressionar a administração de Joe Biden a suspender o processo contra Assange. Eles integram um grupo de 63 membros do Parlamento australiano que, recentemente, divulgou um manifesto pela libertação de Assange. “Não há dúvida de que, se Julian Assange for transferido do Reino Unido para os EUA, haverá um protesto forte e prolongado na Austrália”, advertem.

Impacto da delegação parlamentar

A visita a Washington repercutiu na mídia norte-americana, em emissoras de TV como ABC News e Democracy Now!. “Conversamos com o senador verde australiano Peter Whish-Wilson, que cofundou o Grupo Parlamentar Traga Julian Assange para Casa, sobre o crescente movimento australiano para libertar Assange e as suas implicações para as relações EUA-Austrália”, relatou o site da Democracy Now!, para em seguida acrescentar: “Whish-Wilson adverte que a extradição de Assange para os EUA para ser julgado por acusações de espionagem é ‘algo que se esperaria de um regime totalitário’ e estabeleceria um precedente perigoso para a liberdade de imprensa em todo o mundo”.

A pesquisadora Emma Shortis, do grupo independente Australia Institute, considera que a viagem da delegação parlamentar aos EUA é um fato nada trivial, que aponta para uma fratura no apoio à aliança geopolítica e militar entre Austrália, Reino Unido e EUA (“Aukus”). “A aliança Austrália-EUA há muito que permanece incontestada. A delegação para libertar Julian Assange altera isso”, diz artigo de Emma publicado no The Guardian (19/9). A seu ver, até mesmo o Partido Trabalhista Australiano do primeiro-ministro Anthony Albanese embarcou na Aukus, “celebrada como a escolha necessária e racional num mundo cada vez mais ameaçador”.

CAMPANHA MUNDIAL PELA LIBERTAÇÃO DO JORNALISTA PROSSEGUE, INCORPORANDO ATIVISTAS E FIGURAS PÚBLICAS, COM DESTAQUE PARA O PRESIDENTE LULA, QUE FEZ DECLARAÇÕES DESTEMIDAS EM SEU FAVOR.

CAMPANHA MUNDIAL PELA LIBERTAÇÃO DO JORNALISTA PROSSEGUE, INCORPORANDO ATIVISTAS E FIGURAS PÚBLICAS, COM DESTAQUE PARA O PRESIDENTE LULA, QUE FEZ DECLARAÇÕES DESTEMIDAS EM SEU FAVOR.

Thiago Tanji, presidente do SJSP, John Shipton, pai de Assange e Pedro Pomar, diretor do SJSP na estreia do filme Ithaka: a luta de Assange, no Cine Belas Artes. Foto: Divulgação

No entender de Emma, é a “combinação fatal de adulação e insegurança [na conduta da Austrália] que até agora tem impedido qualquer progresso real para Assange”, e é por esse motivo que a delegação parlamentar aos EUA é tão importante: “Não por seu impacto potencial no pensamento americano, que é mínimo, na melhor das hipóteses, mas por seu impacto no público interno australiano”.

Na Câmara dos Comuns do Reino Unido, registrou-se um irônico questionamento do parlamentar escocês Kenny MacAskill: “Não é hora de liberar espaço nas prisões, removendo Julian Assange da instalação de segurança máxima de Belmarsh, onde ele definha desde abril de 2019, culpado de uma pequena violação de fiança, quando sua verdadeira ‘ofensa’ é expor crimes de guerra?”.

Outra iniciativa digna de nota é a de John Shipton, pai de Assange. Ele tem viajado por diferentes países, entre os quais o Brasil, para defender a libertação do fundador do WikiLeaks, tendo agora como instrumento de campanha o documentário Ithaka: a luta de Assange, do qual é um dos principais protagonistas.

No dia 28 de agosto, Shipton compareceu ao lançamento de Ithaka no cine Belas Artes, na capital paulista, e participou de um rápido debate após a exibição do filme. De modo a expressar solidariedade a Shipton e integral apoio à libertação de Assange, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo se fez presente na ocasião, por meio de seu presidente, Thiago Tanji, e dos diretores Pedro Pomar, Norian Segatto e Pedro Malavolta.

Além disso, Assange continua a receber destacadas visitas na prisão. No dia 23 de setembro, estiveram com ele a sua esposa, Stella, o músico Roger Waters e o economista Yannis Varoufakis, ex- -ministro da Grécia. No dia 29, foi a vez do parlamentar trabalhista Jeremy Corbyn, ex-líder da oposição na Câmara dos Comuns (2015-2020), e do sindicalista irlandês Len McCluskey.

“Julian Assange está na prisão por expor a verdade sobre crimes de guerra. Foi uma honra visitá-lo na prisão de Belmarsh com Len McCluskey”, disse Corbyn no X (ex-Twitter).