Pesquisa aponta crescimento de 200% de jornalistas pretos e pardos nas redações brasileiras nos últimos dez anos
por Cláudia Nonato
As redações brasileiras estão mais negras e mais jovens. Nos últimos dez anos, houve um crescimento de 200% no número de jornalistas que se autodeclaram negros (pretos e pardos) no país. Essa foi uma das principais constatações da pesquisa Perfil do jornalista brasileiro: características sociodemográficas, políticas, de saúde e do trabalho, construção coletiva liderada pelo Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro/UFSC) e articulada nacionalmente pela Rede de Estudos sobre Trabalho e Profissão (RETIJ), da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), realizada em 2021. O trabalho atualizou dados de outras investigações realizadas há uma década, que demonstravam um total de 10% de jornalistas autodeclarados pretos e pardos nas redações brasileiras. Os coordenadores da pesquisa apontam as políticas de ações afirmativas implementadas nos últimos anos como responsáveis por esse avanço, que ampliou o acesso aos cursos de Comunicação Social/Jornalismo no país. Em contrapartida, mostra que apenas pequena parcela de profissionais negros e negras chega a posições estratégicas e cargos de chefia nas empresas de mídia. Um avanço ainda muito pequeno para um país no qual, segundo o IBGE, 56,2% da população se declara negra.
O estudo envolveu pesquisadores voluntários de todas as regiões brasileiras e contou com o apoio da Fenaj, Abraji, ABI, APJor, SBPJor, sindicatos e Abej. Ao todo, 7.029 jornalistas responderam ao questionário entre 16 de agosto e 1º de outubro de 2021. No entanto, foram eliminadas respostas muito incompletas, incoerentes ou de má-fé; com isso, ao todo foram analisadas 6.650 respostas válidas, sendo 6.594 no país e 56 de jornalistas que atuam no exterior. Desse total, ou 1.396 jornalistas (21%) se declararam pardos e 598 (9%) se declararam pretos, ou seja, a pesquisa apresentou um universo de 1.994 jornalistas negros.
A pesquisa nacional apontou ainda que pouco mais de 37% dos jornalistas participantes vivem no Estado de São Paulo. Ajustou-se então o estudo, considerando-se a distribuição provável de jornalistas em cada unidade da federação. Com base nisso, foram consideradas 3.100 respostas. No caso de SP, manteve-se o universo de 1.132. Desse total, 260 jornalistas se declararam negros e negras, aproximadamente 22%.
Dados de São Paulo
Entres os(as) jornalistas negros e negras do Estado de São Paulo que responderam, as mulheres são maioria (53,5%); no geral, são jovens: têm entre 23 e 40 anos de idade, são solteiros(as) e sem filhos. Quase todos(as) têm formação em jornalismo ou comunicação e 75% possuem registro profissional da profissão. A maioria cursou ou está cursando jornalismo em faculdade privada, fato que reforça a tese de que as políticas públicas impulsionaram o ingresso desse grupo no ensino superior e no mercado de trabalho.
Quanto à experiência, a maioria tem entre dois e dez anos de atuação no jornalismo. Pouco mais da metade afirma já ter passado ao longo da carreira por dois a cinco vínculos profissionais diferentes, como carteira assinada, contrato como freelancer ou pessoa jurídica (PJ)/microempreendedor individual (MEI), seja concomitantemente ou subsequentemente.
Atualmente, 68,6% dos que responderam declararam trabalhar como jornalistas. Os demais estão desempregados (7%); mudaram para outras áreas (7,8%); ou foram para a docência (5,4%). Pouco mais da metade dos respondentes trabalha em regime CLT. Os demais são MEI (11,9%); PJ (7,2%); freelancers (6,2%) e servidores(as) públicos(as) (5,2%), entre outros.
Em relação à renda, 43,3% ganham entre quatro e dez salários-mínimos (de R$ 4.401 a R$ 11.000); apenas 9,2% recebem acima desse valor; 30,4% recebem entre dois e quatro salários-mínimos. A remuneração líquida mensal é suficiente para apenas 35,1% dos respondentes. Pouco mais de 10% afirmam que sempre ficam devendo ao final do mês.
A mídia (imprensa, veículos de comunicação, arranjos e startups) é o maior campo de atuação, com quase 60% das respostas; 33,5% estão fora da mídia (assessorias de imprensa ou comunicação, produtoras de conteúdo para mídias digitais) e 6,7% na docência. Há uma mudança significativa na ocupação desses profissionais: 70,4% trabalham em jornalismo online; 24,3% em TV; 21,7% em jornal impresso; 17% em agência de notícias; 8,7% em revistas e a mesma proporção (8,7%) em rádio. Os dados de ocupação somam mais de 100%, já que alguns profissionais trabalham em mais de um tipo de veículo.
A função de repórter é exercida por 40,9% dos respondentes; 20,9% são editores. Apenas dois são diretores (1,7%) e cinco, chefes de redação (4,3%), numa demonstração de que os jornalistas negros chegam às grandes redações, mas não aos cargos de chefia. Os(as) jornalistas que se declaram “fora da mídia” estão concentrados(as) em assessorias de imprensa (35,6%), organizações do terceiro setor ou da sociedade civil (22%) e agências de comunicação (20,3%). Em relação à função, 40,7% se declaram assessor(a) de imprensa/comunicação (atendimento) e 23,7%, produtor(a) de conteúdo. Vale destacar que a maior parte (72,7%) trabalha em casa, em regime de home office, utiliza os próprios equipamentos (computador, móveis, softwares etc.) para realizar o trabalho e tem apenas uma fonte de renda.
A filiação a algum sindicato não é uma realidade para 68,5% dos respondentes. Sobre os motivos, 38,7% afirmaram não ter interesse em sindicatos; 26,4% acham que o sindicato não responde às demandas específicas da área de atuação e 27,9% declararam ter outras razões. Quase 90% declararam não ser filiado(a) a nenhum partido político. Sobre o posicionamento, a maior parte declarou ser de esquerda (63,2%) e centro-esquerda (16,6%).
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiro é conhecido por 66% dos(as) jornalistas negros(as) que responderam o questionário; 41% o consideram atual, mas insuficiente e incompleto. Credibilidade, diversidade, equilíbrio, imparcialidade, justiça, liberdade, objetividade, pluralidade, transparência, verdade são extremamente importantes para todos(as) os(as) respondentes. Quase 80% consideram ter condições profissionais para atuar dentro da ética jornalística, mas 69,2% afirmam que a pressão de anunciantes, patrões, governos ou outros impedem que o jornalismo seja exercido eticamente.
A pesquisa completa (com os dados nacionais) pode ser conhecida aqui: https://shre.ink/1mPA •
Claudia Nonato é pesquisadora da CPCT da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP)