Na eleição, explodem os casos de violência contra a imprensa

São dezenas de agressões e ameaças de bolsonaristas contra jornalistas. É Jair Messias Bolsonaro – assediador da categoria condenado em primeira instância – quem dá o exemplo a seus apoiadores

por Priscilla Chandretti

Enquanto preparávamos esta edição do Unidade, não paravam de chegar notícias de colegas jornalistas ameaçados ou agredidos por aqueles que não aceitam a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas. Organizações que atuam em defesa da imprensa, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), mapearam 36 episódios em que golpistas agrediram fisicamente ou ameaçaram jornalistas apenas nos primeiros cinco dias após a vitória de Lula, em 30 de outubro.
“Quando se ataca um jornalista, é o próprio direito de ser informado que a população perde”, defende a presidenta da Fenaj, Samira de Castro. Ela cobra que as autoridades ajam com rigor para identificar os responsáveis e puni-los na forma da lei.

Em setembro, 16 organizações, entre as quais o SJSP e a Fenaj, se uniram em um Ato em Defesa do Jornalismo e da Democracia, na PUC São Paulo. Foto: Cassia Belini

Escalada
No segundo turno, a tensão dos bolsonaristas cresceu e vários profissionais se viram em situações de risco real. Em 12 de outubro, em Aparecida (SP), a repórter Camila Morais, da TV Aparecida, foi ameaçada por estar com uma blusa vermelha. Horas depois, a repórter Daniella Lopes e o repórter cinematográfico Tales de Andrade, da equipe da TV Vanguarda, foram hostilizados e agredidos fisicamente. O clima de tensão para os jornalistas foi permanente.

Atuação sindical
Em todos os casos, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP), a Fenaj e os demais sindicatos em suas bases territoriais agiram. O SJSP, por exemplo, contatou os profissionais, colocando-se ao seu lado, oferecendo apoio jurídico e denunciando os acontecimentos.
O Sindicato tem cobrado das empresas de comunicação medidas para garantir a segurança dos seus trabalhadores. “Infelizmente, as empresas de modo geral não atenderam os ofícios enviados pelo SJSP, poderíamos ter tido menos casos de agressão”, explica Thiago Tanji, presidente da entidade. Também realiza plantões de sua diretoria, sempre que há potencial situação de risco, para atuar rapidamente junto aos profissionais.
O Sindicato se colocou à disposição de toda a categoria em outro tipo de ameaça: a pressão pela divulgação de informações falsas, imprecisas ou inverídicas, feita por empregadores. Para isso, um canal para denúncias foi criado. O SJSP caracteriza esse tipo de pressão como intimidação.
A entidade buscou ainda fortalecer a defesa da imprensa com uma campanha por adesões de candidatos ao Pacto pelo Fim da Violência contra Jornalistas. Entre os mais de 60 candidatos que se comprometeram a participar dos esforços para “combater toda e qualquer violência física ou verbal que impeça os jornalistas de cumprirem o seu dever democrático e sua responsabilidade social”, estão 12 parlamentares eleitos na Assembleia Legislativa e três no Congresso Nacional. Veja a lista completa em https://bit.ly/PactoVio

Ofensiva contra a divulgação factual
As investidas sobre os jornalistas são parte de uma ofensiva contra o papel social que a imprensa, mais uma vez, provou exercer. Bolsonaro e o bolsonarismo são não só inimigos da democracia, mas também dos fatos. “A gente pôde, com nosso trabalho, contar uma história que ainda está em desenvolvimento e que é, também, em defesa da democracia e do livre exercício do voto”, afirma Tanji.
O presidente do SJSP aponta que o trabalho jornalístico trouxe à tona possíveis esquemas de tentativas de compra de voto, casos de coação eleitoral, entre outros.
E cita a intimidação de membros da campanha de Tarcísio de Freitas, candidato do Republicanos a governador, contra o repórter cinematográfico que registrou o momento de uma morte a tiros em Paraisópolis, na capital. Integrantes da campanha presentes ao local coagiram o jornalista a apagar as imagens que eventualmente possibilitariam identificar os autores dos disparos, intimidação que foi denunciada pelo Sindicato e pela Fenaj.

Apesar do autoritarismo, dos crimes eleitorais e da vontade dos golpistas, o povo pôs fim ao governo Bolsonaro

Resistência coletiva
O clima de hostilidade contra a imprensa tem exigido do movimento sindical de jornalistas e das entidades que defendem a liberdade de imprensa uma preocupação constante e coletiva. Em setembro, 16 organizações se uniram em um Ato em Defesa do Jornalismo e da Democracia, na PUC São Paulo. Elas declararam: “Nós resistimos e resistiremos. Seguiremos cumprindo nosso dever de levar informações de interesse público para toda a sociedade, com ética jornalística e profissionalismo. E temos certeza de que o medo, o ódio e a violência não vencerão”.
Apesar do autoritarismo, dos crimes eleitorais e da vontade dos golpistas, o povo pôs fim ao governo Bolsonaro. Thiago diz que, depois de quatro anos de muita resistência, “temos um novo horizonte pela frente, mas não vai ser simples desmontar um ambiente de ódio e mentiras contra a imprensa.” •