Imbecil, canalha, você é um lixo

Mais uma vez, Jair Bolsonaro se destaca como o campeão de ataques a jornalistas e imprensa, segundo relatório da Fenaj

por Norian Segatto

Junho de 2021, em São José dos Campos (interior de SP), o presidente Jair Bolsonaro insulta a jornalista Laurene Santos, da TV Vanguarda, afiliada da rede Globo. Irritado com uma pergunta sobre o uso de máscara de proteção contra covid, o mandatário manda a jornalista calar a boca, retira a máscara e ofende a profissional. “Vocês são uma porcaria de imprensa. Cala a boca. Vocês são uns canalhas… fazem um jornalismo canalha, que não ajuda em nada. Vocês destroem a família brasileira, destroem a religião brasileira, vocês não prestam”, vocifera Bolsonaro. Acesse aqui o vídeo. 

Quatro dias depois, o presidente da República proferiu novas grosserias à repórter da CNN Brasil, Adriana de Luca, durante evento em Sorocaba. “Você é ridícula, volta pra faculdade”, gritou Bolsonaro, repetindo insultos que já havia feito no início do mesmo mês para outra jornalista da CNN Brasil, Daniela Lima.  

Ataques à imprensa e seus profissionais fazem parte da rotina de Jair Bolsonaro. Segundo relatório da Federação Nacional dos Jornalistas, Fenaj, divulgado em janeiro deste ano, Bolsonaro foi responsável por 147 casos (34,19% do total) de agressões a jornalistas, sendo 129 episódios de descredibilização da imprensa (98,47% da categoria) e 18 agressões verbais. Clique aqui para acessar a íntegra do relatório. 

Censura, descredibilização, atentados e assassinato

O Relatório mostra que os casos de violência contra jornalistas seguiram a mesma tendência de alta registrada em 2020. Pelo segundo ano consecutivo, esse número foi o maior desde que a série histórica começou a ser feita na década de 1990. Em 2021 foram 430 casos, dois a mais que os registrados no ano anterior.

O Estado de São Paulo respondeu por 15,15% desse total, com 45 casos registrados. Para o atual presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Thiago Tanji, “desde o dia 1º de janeiro de 2019, nossa categoria se tornou um alvo preferencial de Bolsonaro e seus seguidores porque nosso trabalho sintetiza tudo aquilo que ele odeia: dar luz à verdade, construir a democracia e defender os direitos humanos por meio da circulação de informações e do livre exercício do jornalismo”.

As palavras de ódio do presidente da República incentivam diretamente seguidores a tomarem atitudes extremas contra profissionais de imprensa. Tanji relembra que “um dos casos mais graves ocorreu no feriado de 12 de novembro, quando uma equipe da GloboNews foi agredida por um bolsonarista nas mediações da Basílica de Aparecida do Norte”.

Outro caso de muita repercussão aconteceu em Olímpia, interior do estado, em março de 2021. Na madrugada do dia 17, a sede do jornal Folha da Região, que fica no mesmo local de moradia do seu proprietário, José Antônio Arantes, sofreu um incêndio criminoso, que por pouco não se transformou em uma tragédia. Além do jornalista, esposa, filha e neta estavam na casa, que também foi atingida pelo incêndio.

Arantes acredita que o ataque tenha sido uma retaliação pelos seus posicionamentos contra negacionistas da covid-19. A investigação apontou um bombeiro local como o responsável pelo atentado, mas não chegou ao mandante do crime.

Nesse ano de 2021, a censura ultrapassou os casos de descredibilização da imprensa – categoria criada em 2019, justamente por conta dos ataques vindos do núcleo do Palácio do Planalto. Foram registradas 140 ocorrências de censura, 138 delas cometidas dentro da EBC. As censuras representaram 32,56% do total de casos, enquanto a descredibilização da imprensa respondeu por 30,46%, com 131 ocorrências.

Em 6 setembro, no município de Almeirim, no Pará, o jornalista Eranildo Ribeiro da Cruz, de 54 anos, foi encontrado morto em sua casa, amarrado, com ferimento na cabeça e sinais de tortura. Apesar de a polícia local apontar o caso como latrocínio, há dúvidas sobre essa versão, visto que o jornalista apurava possíveis fraudes na eleição municipal.

EBC

No dia 26 de novembro, jornalistas da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) entraram em greve contra a retirada de direitos, demora na negociação do Acordo Coletivo de Trabalho e o avanço na tentativa de privatizar da empresa. Por 19 dias, trabalhadores e trabalhadoras, incluindo jornalistas, radialistas e outros profissionais, se mantiveram firmes e foram vítimas de censura, assédio e perseguições.

Segundo a jornalista Akemi Nitahara, repórter da Agência Brasil e da Comissão de Empregados da EBC, “um método bem comum utilizado pelas chefias foi a mudança arbitrária de setor, ou seja, a pessoa é obrigada a mudar de função e veículo muitas vezes sem ser ao menos informada com antecedência. Isso ocorreu em todas as praças, com gente sendo tirada do radiojornalismo, da Agência Brasil e da TV Brasil. Os casos que eu conheço são todos da Diretoria de Jornalismo e as pessoas mudadas de setor são sempre as que fazem a resistência ao desmonte da EBC. A nossa representante no Conselho de Administração recebeu uma notificação judicial por mandar um e-mail para as chefias pedindo explicações sobre essas mudanças arbitrárias. Ao mesmo tempo, tem muita gente querendo mudar de setor e não tem uma oportunidade para isso, fica na geladeira”.

A Comissão produziu um dossiê completo sobre casos de censura entre agosto de 2020 e julho de 2021, documento que serviu de base para a elaboração do relatório da Fenaj. Akemi destaca, ainda, que Comissão entrou com processo coletivo no Ministério Público do Trabalho sobre assédio e saúde mental na EBC.

Federalização

A presidente da Fenaj, Maria José Braga diz que a entidade teme pelo aumento das violências neste 2022, ano de eleição, e cobra agilidade pelo Congresso Nacional na tramitação do projeto de lei de federalização da apuração dos crimes contra jornalistas. Maria José cobra, também, um protocolo de atuação das polícias nos casos de violência contra a categoria e informa que a Fenaj tentou travar essa discussão, sem sucesso, com o Ministério da Justiça.

Tanji compartilha da opinião da presidente da Fenaj e completa: “infelizmente, o ano de 2022 não indica uma mudança de cenário, pelo contrário. É por isso que estamos conversando e organizando a categoria para resistirmos coletivamente; temos uma Comissão Contra a Violência e nos próximos meses divulgaremos um novo protocolo para ampliar a defesa dos jornalistas, inclusive estamos estudando o lançamento de um app para que a denúncia dos casos seja realizada de maneira imediata, para que possamos tomar as medidas judiciais necessárias para a investigação e punição dos agressores.

Denuncie e não aceite intimidações

A forma mais eficiente de combater os ataques e agressões é a organização da categoria. Seja uma ofensa virtual pelas redes sociais, um xingamento durante a cobertura de um evento, uma tentativa de intimidação por uma “autoridade” uma agressão física ou qualquer outra forma de violência, denuncie, procure o Sindicato, faça boletim de ocorrência, comunique sua chefia. A invisibilidade é um incentivo para que mais atos ocorram.