Paralisação histórica

MESMO NO HOME OFFICE, CATEGORIA CRUZA OS BRAÇOS, REALIZA MANIFESTAÇÃO VIRTUAL COLETIVA COORDENADA PELO SINDICATO E EXIGE QUE AS EMPRESAS DE JORNAIS E REVISTAS DA CAPITAL AVANCEM NA RECOMPOSIÇÃO DOS SALÁRIOS PELA INFLAÇÃO

Salas virtuais de mobilização lotadas, assunto entre os mais comentados no Twitter e até alvo de comentários (infelizes e irônicos, é claro) de Jair Bolsonaro em sua live semanal. No último dia 10 de novembro, jornalistas das empresas de jornais e revistas da capital paralisaram suas atividades por duas horas, em manifestação que faz parte da campanha salarial da categoria. As e os profissionais exigem que os patrões concedam 8,9% de reajuste (referente às perdas inflacionárias do período entre junho de 2020 e maio de 2021) para todos os salários.

A paralisação se estendeu às grandes redações da capital, com participação maciça em todos os veículos: Folha de S.Paulo, Estadão, Valor Econômico, Editora Abril, Editora Globo, O Globo e UOL, além da solidariedade de profissionais de outros órgãos de comunicação, como a Ponte Jornalismo.

A sala virtual que concentrou a mobilização, com capacidade para 250 participantes, rapidamente lotou, e foi necessário abrir outro espaço para abrigar a categoria. Ao longo das duas horas, cerca de 350 jornalistas estiveram “reunidos” no ambiente virtual.

Mas a participação da categoria foi ainda maior nas redes sociais, com as hashtags #jornalistassalvamvidas e #jornalistasvãoparar chegando aos assuntos mais comentados do Twitter. A escolha da primeira hashtag é uma lembrança sobre o papel da categoria na cobertura da pandemia, amenizando parte da tragédia sanitária e social promovida pelo governo Bolsonaro.

Entidades sindicais de todo o Brasil, centrais sindicais, federações internacionais de jornalistas, personalidades e companheiras e companheiros de diferentes áreas se somaram na solidariedade ao movimento. Entre elas estavam Barão de Itararé, CTB, CUT- -SP, Federação Argentina de Imprensa, Federação Internacional de Jornalistas na América Latina, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), sindicatos dos jornalistas do Ceará e do Distrito Federal e Jornalistas Livres.

A luta dos jornalistas também foi reconhecida por outras personalidades, como o ator Gregório Duvivier e o advogado Thiago Amparo. Entre os políticos que manifestaram apoio estavam a presidente do PT, Gleisi Hoffmann; a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ); e a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP). Os deputados federais Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP) igualmente enviaram mensagens de apoio. Guilherme Boulos, coordenador do MTST, também se manifestou favorável à paralisação.

Diversos jornalistas que não necessariamente trabalham nas empresas de jornais e revistas publicaram manifestações de apoio. Entre eles, Leonardo Sakamoto, da Repórter Brasil; a secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Renata Mielli, e os diretores da Fenaj, Samira de Castro e Márcio Garoni.

A paralisação repercutiu tanto que foi assunto até das famigeradas lives semanais de Jair Bolsonaro. Como não poderia deixar de ser, com uma abordagem desqualificada e baixa, que ironiza as dificuldades enfrentadas pela categoria, da mesma maneira que desprezou as centenas de milhares de mortes causadas pela pandemia e por seus usuais atos de desprezo à dignidade humana.

Por que paralisar?

Em suas campanhas publicitárias e em declarações públicas, as empresas de jornalismo têm reforçado a mensagem de que o jornalista exerce uma atividade essencial para a sociedade e a defesa dessa profissão é uma maneira de garantir o fortalecimento da própria democracia contra qualquer tipo de autoritarismo. Outra lembrança recorrente para os leitores é que o jornalismo profissional precisa ser devidamente financiado para que consiga desempenhar de maneira apropriada seu papel.

Infelizmente, o que as empresas tanto defendem da porta para fora não é cumprido nas próprias redações. Há cinco meses, a resposta dos patrões de jornais e revistas da capital é a intransigência em recompor os salários da categoria pela inflação, registrada em 8,9% pelo INPC no período de junho de 2020 a maio de 2021.

SALA VIRTUAL DA MOBILIZAÇÃO RAPIDAMENTE LOTOU, E FOI NECESSÁRIO ABRIR OUTRO ESPAÇO PARA ABRIGAR OS 350 JORNALISTAS QUE SE MANTIVERAM REUNIDOS AO LONGO DE DUAS HORAS

Nas primeiras mesas de negociação entre o Sindicato dos Jornalistas e os representantes das empresas, a proposta patronal era simplesmente não reajustar os salários da categoria. 0%. Após a realização de assembleias cada vez mais participativas e com jornalistas de todas as redações da capital, as empresas avançaram discretamente na proposta.

Um dia antes da paralisação, em 9 de novembro, mais de 250 jornalistas reunidos em assembleia virtual rejeitaram por unanimidade a proposta patronal apresentada na mesa de negociação, na qual os patrões ofereceram três faixas de reajuste e a multa da PLR reajustada em 8,9%. Para salários de até R$ 5 mil — vale destacar, abaixo do piso de sete horas calculado pelo Sindicato —, o reajuste salarial seria pela inflação (8,9%), sendo 5% retroativo à data-base em junho e a diferença em janeiro. Já os salários entre R$ 5 mil e R$ 7 mil sofreriam reajuste de 6% em duas parcelas, sendo 5% em junho e a diferença em janeiro. Os salários superiores a R$ 7 mil teriam reajuste fixo de R$ 420, dos quais R$ 350 retroativos a junho e a diferença em janeiro. O pagamento das diferenças se daria em duas parcelas: em novembro e dezembro. Para os jornalistas, a proposta não representou um avanço concreto e foi considerada uma tentativa de desmobilizar a paralisação.

Além de organizar a paralisação para que o maior número possível de profissionais aderisse ao movimento, o Sindicato dos Jornalistas realizou uma série de ações preparatórias à manifestação. No dia 9 de novembro, diretoras e diretores estiveram com faixas e som na frente da Editora Globo, no Itaim Bibi, para pressionar a empresa a avançar na negociação — em setembro, outro ato organizado pela diretoria esteve na porta da Folha, no centro da cidade.

A luta continua!

O Sindicato dos Jornalistas realizou ações preparatórias, como atos na porta da Folha de S.Paulo, em 30 de setembro, e em frente ao edifício no qual funciona a Editora Globo, no dia 9 de novembro (Fotos: Eduardo Viné Boldt)

Antes do fechamento desta edição, uma nova assembleia da categoria foi realizada, com a presença de mais de 230 jornalistas. As e os jornalistas exigiram a retomada da mesa de negociação, para que as empresas ofereçam nova proposta, além de aprovar mais uma paralisação pelo período de quatro horas, no dia 23 de novembro. “Acreditamos que, neste momento, são os representantes dos patrões que devem formalizar o que desejam oferecer para avançarmos nas negociações. Por decisão unânime da assembleia, mantemos nossa atual contraproposta e aguardamos uma nova posição das empresas”, escreveu o Sindicato em carta às empresas.

Além disso, o movimento das trabalhadoras e trabalhadores denunciou e repudiou as tentativas de intimidação que ocorreram notadamente no jornal Valor Econômico, com a solicitação de uma lista dos profissionais que paralisariam suas atividades. “Como todos sabemos, o direito à manifestação é legítimo e protegido por nossa Constituição Federal. Qualquer tentativa de assédio ou pressão é também uma maneira de atacar e ferir a democracia”, pontua o comunicado destinado aos patrões. “Estamos conscientes de que a mobilização deve continuar até que uma nova proposta satisfatória seja apresentada pelas empresas. Desta maneira, não nos calaremos diante desta ou qualquer outra tentativa de desmobilização de nosso legítimo movimento.”

Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Thiago Tanji, este é um momento inédito e histórico, tanto pelo formato da mobilização (com as salas virtuais de “piquete”) quanto pelo engajamento da categoria na luta por suas reivindicações. “O que está acontecendo agora faz parte de um movimento mais amplo, iniciado notadamente após o início da pandemia, quando realizamos assembleias com centenas de jornalistas que seriam afetados pela MP que reduzia salários e jornadas”, relembra. “A categoria está mais unida do que nunca e consciente de todas as dificuldades. Mas com muita disposição para lutar, depois de um longo inverno de precarização, demissões e piora nas condições de trabalho.”

Neste sentido, o Sindicato dos Jornalistas entende que tal movimento das e dos jornalistas também pode ser um exemplo para as companheiras e companheiros de sindicatos que ainda buscam maneiras de dialogar com a categoria em uma nova realidade, em que as relações de trabalho se sobrepõem com o presencial e o virtual. Como disse um companheiro da diretoria durante a paralisação do dia 10, “nunca pensei que seria tão emocionante fazer um piquete virtual”. E foi emocionante mesmo!