Memória: Milton Belintani

Defensor dos direitos humanos, da verdade e da justiça

por Paulo Zocchi

Constituiu-se em nosso Sindicato, há dez anos, a Comissão da Verdade e Justiça, para levantar os relatos de crimes da ditadura militar contra a nossa categoria profissional. Em 30 meses de atuação, listou os casos de 47 jornalistas mortos ou vítimas de perseguições e arbítrios. Composta por vários sindicalizados, seus trabalhos foram coordenados por Milton Belintani, jornalista e professor com uma vida dedicada à defesa dos direitos humanos, que morreu subitamente em decorrência de problemas no coração, em novembro de 2015, às vésperas de entregar o relato de conclusão do levantamento.

A publicação do relatório final da Comissão (https://bityli.com/7C9Hyl), em 2017, acabou sendo também uma homenagem a seu trabalho e à sua dedicação. Agora, em abril próximo, iremos inaugurar a biblioteca de nosso Sindicato, tornando viva mais uma das recomendações deixa- das no relatório. Vamos então aproveitar a chance de homenagear um companheiro que se dedicou, em nossa entidade, à preservação da memória coletiva.

Milton Belintani despertou cedo para a luta social, inconformado com a violência contra a sua própria família. Agentes do DOI-Codi prenderam e torturaram seu pai, Milton, em abril de 1974, por ser membro ativo do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ele tinha apenas 14 anos, e sua vida mudou para sempre. Seu pai nunca se recuperou plenamente do abalo emocional sofrido…

Iniciou algum tempo depois a sua atividade política, também como membro do PCB, e sindical, tendo integrado no início dos anos 1980 a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Editoras. Desde o começo, sua militância foi fortemente marcada pela preocupação com a defesa dos direitos humanos e com a documentação e memória do movimento operário.

Diplomado como jornalista pela Cásper Líbero em 1987, Belintani trabalhou por mais de dez anos na Editora Abril, depois na Folha de S.Paulo, e chefiou o Canal Universitário de São Paulo. Teve também a vocação de professor: dirigiu o Departamento de Jornalismo da Uniban, e, como voluntário, foi diretor-executivo da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo. Coordenou o curso de complementação universitária “Descobrir São Paulo – Descobrir-se Repórter”, do Projeto Repórter do Futuro, contribuindo com a formação de jovens jornalistas, e foi ombudsman do Contraponto, jornal-laboratório do curso de jornalismo da PUC-SP (2012-2013).

Apaixonado por futebol, estudou também as relações entre o esporte mais popular do Brasil e o seu uso político no período ditatorial. Em 2014, ao lado da jornalista Vanessa Gonçalves, foi curador da exposição Política F.C. – o Futebol na Ditadura, no Memorial da Resistência.

Seu último trabalho foi a elaboração do relatório da Comissão da Verdade e Justiça do Sindicato, que deixou quase concluído em seu computador, tendo sido entregue à entidade por sua companheira, Sílvia, após sua morte. No capítulo 5 do relatório, “Conclusões e recomendações”, um dos pontos propõe: “Iniciar a montagem de uma biblioteca na sede da entidade com todos os livros de referência sobre o período escritos por jorna- listas ou que tenham o jornalismo como objeto de estudo durante a ditadura”.

Inspirados por seu legado, iniciamos em 2018 a organização de uma biblioteca do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, como passo inicial da constituição de um Centro de Memória e Documentação da entidade, que possa disponibilizar os materiais referentes à sua rica história de lutas sindicais, sociais e democráticas.

Como atravessamos nos últimos anos um período difícil, sobretudo com o isolamento forçado da pandemia, esse passo inicial demorou um tanto a mais do que o previsto. Mas chegou a hora de inaugurar nossa biblioteca e avançar no Centro de Memória e Documentação. A construção do Sindicato é uma obra coletiva. Milton Belintani, presente!